Terça, 22 Março 2016
As palavras e os
conceitos também são como o tamanho das saias e a largura das calças, e até os
mais universais assumem, como o estilo clássico, variantes e ocorrências que
parecem tendências do pronto-a-vestir. Confesso que acho o facto divertido (não
valia a pena entristecer-me, o que até podia acontecer) e mesmo muito
estimulante no jogo das interpretações de que alguns conhecem as regras.
Duas dessas palavras que tenho ouvido
muito, e estão ao que deduzo na moda, são humildade e orgulho. Às vezes até sentidas
por, ou pelo menos a designar sentimentos de, uma mesma e só pessoa. Todavia
elas são, na sua definição mais básica, profundamente contraditórias, mesmo se
a humildade for uma obrigação óbvia perante algo realmente maior, ou se o
orgulho nascer à boleia de uma simpatia convencional. Das duas, uma, e numa
situação simples e sem rodeios: ou esvaziamos de humildade ou inchamos de
orgulho. Parecia-me haver aqui motivo de reflexão, o que lá fui fazendo.
À distância de um
clique, podemos encontrar várias definições para os dois conceitos. Sem
evidentes controvérsias, uma definição de humildade pode ser a da “qualidade de
quem age com simplicidade, uma característica das pessoas que sabem assumir as
suas responsabilidades, sem arrogância, prepotência ou soberba. (…) uma
qualidade bastante positiva e benéfica, onde ninguém é pior ou melhor do que os
outros(…). (…) um sentimento de extrema importância, porque faz a pessoa
reconhecer as suas próprias limitações, com modéstia e ausência de orgulho.” Já
orgulho, de que aliás se sugere logo a seguir a consulta, surge como “um termo
pejorativo quando se refere a um sentimento excessivo de contentamento que uma
pessoa tem a respeito de si mesma, de acordo com as suas características,
qualidades e ações” e, quando “se refere à dignidade de uma pessoa ou ao
sentimento positivo em relação a outro indivíduo, o orgulho é um sentimento
positivo.” Posto isto, dizermos que somos humildes é sermos orgulhosos num mau
sentido. Termos orgulho em alguém é sermos humildes perante essa pessoa,
reconhecendo-lhe talvez até um valor superior ao seu, mas por fruto da nossa
própria avaliação. Não é simples, nem tinha de ser. Dá que pensar, que é o que
se deve fazer antes de falar em determinadas situações, nomeadamente em
público.
O Vergílio Ferreira
dizia que «Há muita gente que é um poço de orgulho. Só não tem águas para o
alimentar.» Presumindo que aqui se possa até espelhar o orgulho noutrem (eu
sei, eu sei que o tiro seria mais certeiro e mordaz, mas adiante) subsiste o
perigo deste orgulho bom se transformar em menos bom por menos altruísta. Numa
situação, por exemplo, em que a pessoa que se orgulha se mistura com os feitos
do outro, como se ela mesma fosse o outro, enchendo o seu poço com água
alheias, portanto. Mas enfim, diz quem sabe, que é quem estuda personalidades e
comportamentos, que estes casos são raros pelo que devemos, às tantas, ficar
tão só e humildemente contentes e agradecidos quando alguém fica orgulhoso com
o que fazemos, sobretudo quando os envolvemos no motivo desse orgulho.
Nada do que aqui fica dito, provavelmente, mudará hábitos de expressão que,
tantas vezes, adquirimos sem pensar muito neles. Mas como se costuma dizer que
o diabo está nos detalhes, o alerta pode vir a ter a sua utilidade. Até para a
semana e boa Páscoa, que é tempo dela.
Cláudia Sousa Pereira
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