A passagem do Ano Velho para o Ano Novo é, frequentemente,
tempo de fazer balanço, de tomar decisões, de procurar outros rumos.
Também nós decidimos aproveitar este momento de viragem para
introduzir algumas alterações nas nossas Memórias, ponderando a escolha dos
temas e, acima de tudo, tornando-as efectivamente mais curtas.
Brinca, brincando, já lá vão perto de oito anos de Memórias,
o que equivale a uma centena de textos. Durante esta nossa viagem no espaço e
no tempo, deambulámos pela cidade, fomos até ao campo, descemos até ao rio.
Procurámos retratar personagens e lugares, registar histórias de vida,
recuperar tradições, narrar episódios relacionados com Montemor e os
montemorenses. Uma vez por outra, especialmente em tempo de férias, saímos fora
de portas para relatar usos e costumes de outras terras e de outras gentes.
Embora possa não parecer, fizemo-lo muitas vezes com um olho no passado e outro
apontado para o presente ou até mesmo para o futuro.
Mas, basta de considerações que possam enfastiar os nossos
amigos leitores.
2016 será marcado, entre outros motivos, pela comemoração
dos 250 anos do nascimento de Curvo Semedo,
figura que faz parte da nossa memória colectiva.
Não há conterrâneo que não associe
o nome do poeta ao grande cine-teatro da terra ou à toponímia de uma das ruas
da cidade. Muitos saberão que se trata de um homem de letras, que viveu na
transição do sec. XVIII para o sec. XIX e que ficou célebre pela criação ou
tradução de fábulas, como é o caso da popular narrativa de o Velho, o Rapaz e o
Burro. O número de concidadãos reduz-se substancialmente, quando se pergunta
que conhecimento têm acerca da restante produção literária do vate
montemorense. Presumimos que poucos serão aqueles que tiveram oportunidade de
ler ou simplesmente manusear os diversos volumes que integram a obra do insigne
poeta. Durante anos, não foi possível aceder publicamente aos livros que Semedo
deixou escritos. Pensando bem, como pode um povo amar os seus poetas se os
livros não lhe chegam às mãos? Felizmente, já é possível ter acesso, na
Biblioteca Municipal, a alguns dos textos do autor transtagano.
Pela nossa parte, se pudermos contribuir, através destas
nossas Memórias, para um melhor conhecimento do homem e da sua obra,
fá-lo-emos.
Centrando a nossa atenção nalguns aspectos biográficos,
diremos que Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira, também conhecido
pelo pseudónimo arcádico de Belmiro Transtagano, nasceu em Montemor-o-Novo, no
dia 15 de Março de 1766, segundo notícia biográfica inserta na Tradução Livre
das Fábulas de La Fontaine, edição de 1843. O poeta faleceu em Lisboa a 28 de
Dezembro de 1838, com as suas faculdades mentais debilitadas.
Ainda segundo a mesma fonte, o poeta era filho de Francisco
Inácio Curvo Semedo Torres de Sequeira e de Mariana Bárbara Freire De Andrade
de Vila Lobos e Vasconcelos. O seu avô materno, João Freire de Andrade, foi
capitão-mor da vila.
Oriundo de famílias distintas, o jovem Semedo dedicou-se ao
estudo das matemáticas nas Academias de Fortificação e Marinha. Oficial
distinto, acabaria por deixar a carreira militar, devido a negócios importantes
da sua casa.
O ilustre montemorense terá contraído matrimónio por duas
vezes: a primeira em 1799, com d: Maria José Ludovice de Santa Bárbara e Moura;
a segunda, em 1809, com D. Gertrudes Portugal da Silveira.
Curvo Semedo foi ainda Fidalgo da Casa Real e membro de
diversas congregações. A proximidade da realeza e o seu perfil conservador não
impediram, no entanto, de ter sido pronunciado perante os Juízes do Tribunal da
Inquisição. Viviam-se, em Portugal, tempos de intolerância e de Medo. Para se
ter uma ideia desse clima de intimidação e
de desconfiança, transcrevemos uma denúncia apresentada em Maio de 1803,
tornada publica por António Baião no cap. IX do II volume dos Episódios da
Inquisição:
“ Ouvi que Belchior
Manuel Curvo Semedo, filho de Francisco Inácio Curvo Semedo, escrivão dos
Portos Secos, morador em casa de seu pai às Fontainhas de Arroios, dissera que
todo o padecer era neste mundo, dando a entender que não havia inferno, o que
escandalizou, entre outras pessoas, sua cunhada D. Ana Clementina.
Lisboa, 13 de Maio de
1803”.
A nomeação de Curvo Semedo para funções administrativas na
alfandega de Lisboa viria a proporcionar-lhe condições para se entregar ao
cultivo das letras, granjeando a fama de ilustre poeta.
Em próximas Memórias, dar-lhe-emos conta, estimado leitor,
do contexto da época e da multifacetada obra do poeta montemorense.
Até Breve
Vitor Guita
Publicado in
“ Montemorense” Janeiro 2016. Reprodução autorizada pelo Autor
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