Cumpriram-se, no passado dia vinte e
três, dez anos sobre a minha primeira crónica para a DIANAFM. Desde esse dia
muita coisa mudou na nossa vida colectiva e muita coisa mudou na minha própria
vida.
Lembro-me de chegar aos estúdios da rádio pelas dezoito horas e de ler a
primeira crónica que só iria para o ar no dia seguinte. Durante alguns meses
foi esse o ritual semanal até que descobri as vantagens de escrever e gravar em
casa, para depois enviar por correio electrónico.
Durante estes dez anos emiti opiniões na
qualidade de mero observador do que me rodeia, com as certezas e as dúvidas do
homem comum, especialista em coisa nenhuma. Foram só e apenas as minhas
opiniões. Tão válidas como quaisquer outras.
Nos últimos dois anos nem sempre cumpri
esta tarefa semanal e algumas vezes fi-lo quase por obrigação. Talvez me comece
a faltar tempo e tranquilidade para observar o que está para além do que vejo e
leio, que é o mais interessante como tema de crónica.
Nestes dez anos fiz crónicas sobre
factos e nunca sobre protagonistas, ainda que, uma vez por outra, me tenha
referido aos seus nomes. Nada me interessou as suas atitudes públicas, as
insinuações sobre o passado de cada protagonista. Apenas me interessaram, como
observador, as opções políticas e as suas consequências.
Por isso mesmo as minhas crónicas nunca
foram sobre Passos Coelho ou Sócrates, Miguel Relvas ou Paulo Portas, mas
sempre sobre as suas decisões e as consequências políticas das suas decisões.
O tempo que vivemos hoje é diferente do
que vivíamos em 2006, desde logo pelo incremento de utilização das redes
sociais no espaço virtual, que permite a divulgação da mentira e da suspeição
de forma viral e cobardemente anónima.
As notícias de maior impacto e
divulgação não são sobre coisas sérias, mas sobre o que pode potenciar essa
nova forma de estar que é a inveja social.
Recuso esse caminho. O
caminho de falar sobre a vida dos outros utilizando os meus filtros morais como
se fossem a moral aceitável para todos, alinhando naquela tão famosa atitude do
cidadão sentado na esplanada a protestar contra alguém que acha que não faz
nada, ignorando que trabalha doze ou dezoito horas por dia.
Sei que o que escrevo e leio aos
microfones da DIANAFM é ouvido por algumas pessoas, lido por mais algumas e
vasculhado nas entrelinhas por outras tantas e nem sempre tenho cuidado de
arredondar o que escrevo para ninguém se picar.
Muitas vezes nem sequer revejo o que
escrevo antes de gravar e enviar e lá vão erros e imprecisões.
Não mudei nada no mundo com estas
trezentas e oitenta e nove crónicas, mas durante estes dez anos fiz quase tudo
o que me apetecia fazer e ao fazê-lo aprendi a não me levar a sério para além
do razoável e a duvidar das minhas próprias opiniões.
Um personagem de um livro juvenil, de
Carlos Ruiz Zafon, afirma, no final, que a idade não nos torna mais sábios,
apenas nos torna mais cobardes. Se concordar com o personagem, tenho de admitir
que afinal não envelheci nestes dez anos. Continuo sem nada a perder a não ser
as minhas próprias cadeias. E a bradar, proletários de todos os países,
uni-vos!
Até para a semana
Eduardo Luciano
1 comentário:
OBS.
Julgo estar a associar-me ao Al tejo chamando a atenção para esta excelente intervenção do Eduardo Luciano (que não conheço).
Com efeito este exercício livre de introspecção de quem tem (e de quem quer) comunicar com os outros parece-me bastante profundo e intelectualmente honesto.
Como que a querer demonstrar que "a arte da comunicação" exige vários requisitos e várias condições, sendo que uma das mais decisivas é que a idade não é garantia de nada se não soubermos,entretanto, olharmo-nos ao espelho, despirmos-nos de individualismos e ter sempre por muito claro que comunicar deve partir sempre da imperfeição dos textos para a perfeição de tentarmos aceitar e compreender que não escrevemos só em nosso nome. Ou só para alimentar certos devaneios literários.
Escrever e comunicar é difícil mas vale sempre a pena. Mas o mais difícil e que ainda vale mais a pena, é a arte de sabermos abrir-nos e expôr-nos em conjunto com a sociedade e as pessoas que nos rodeiam procurando servi-las.
Saudações ao Autor
António Neves Berbem
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