terça-feira, 19 de janeiro de 2016

VASCULHAR O PASSADO - Rubrica de Augusto MesquitA

              Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos


                    O Castelo foi classificado Monumento Nacional há 65 anos


Património cultural é o conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo.
            Do património cultural fazem parte bens imóveis tais como castelos, igrejas, casas, praças, conjuntos urbanos, e ainda locais dotados de expressivo valor para a história, a arqueologia, a paleontologia e a ciência em geral. Nos bens móveis incluem-se, por exemplo, pinturas, esculturas e artesanato. Nos bens imateriais considera-se a literatura, a música, o folclore, a linguagem e os costumes.
            A primeira legislação portuguesa sobre classificação de monumentos surge em 1882, por portaria de Hintze Ribeiro. Com o objectivo de elaborar um inventário artístico dos principais edifícios a classificar, foi criada a Comissão dos Monumentos. Só em 1910, o Ministério das Obras Públicas publicou a lista oficial dos monumentos nacionais, aprovada pelo Governo em Decreto de 16 de Julho desse ano, três meses antes da implantação da República. No entanto, alguns monumentos já tinham sido classificados ao abrigo de leis especiais. Por exemplo, em 1906 a Sé de Évora foi um dos monumentos classificados.
            No referido Decreto de 16 de Junho de 1910, Montemor-o-Novo passou a contar com sete Monumentos Nacionais:
            Monumentos Megalíticos: Anta da Herdade das Comendas, Anta da Herdade de Tourais, Anta de S. Brissos, Menir da Pedra Longa e Menir da Casa Nova.
            Lápides: Lápide do Chafariz da vila no Largo dos Paços do Concelho, e lápide colocada na parede fronteira à Casa da Câmara.
            Posteriormente, o rol de Monumentos Nacionais no nosso concelho foi crescendo:
            Anta Grande na Comenda da Igreja (20 de Janeiro de 1936), Anta da Velada na Herdade da Comenda do Coelho (20 de Janeiro de 1936), Anta Grande do Paço no Ciborro (20 de Janeiro de 1936), Castelo de Montemor-o-Novo, abrangendo as muralhas e os imóveis que se encontram dentro (5 de Janeiro de 1951), Estação arqueológica situada na Herdade da Sala em Santiago do Escoural, (25 de Outubro de 1963), Menir na Courela da Casa Nova em Silveiras (21 de Dezembro de 1974), Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção em Lavre (3 de Janeiro de 1986) e novamente, outro Menir da Pedra Longa, designado por Menir da Pedra Longa 2 (3 de Janeiro de 1986).
            Além destes 15 Monumentos Nacionais, Montemor-o-Novo dispõe ainda, de 6 Imóveis de Interesse Público, de 52 valores edificados e de 169 sítios não classificados, identificados no levantamento arqueológico efectuado em 1991 pelo Instituto Português de Cartografia e Cadastro.
            Edificado no monte mais alto, em comparação com os dois que lhe ficam em frente, a cidade parece dever a esse facto, o seu nome: “Monte - Mor”.
            A primitiva ocupação humana deste local remonta possivelmente a um castro pré-histórico romanizado, conforme os testemunhos arqueológicos abundantes na região. Muitos historiadores defendem que Montemor-o-Novo seja a Castrum Malianum (Castelo de Mânlio dos romanos).
            Montemor-o-Novo foi conquistado aos mouros pelas hostes de D. Afonso Henriques em 1167. D. Sancho I, filho do “Conquistador”, perdeu a vila, vinte e quatro anos depois, para Miromolim, rei de Marrocos, que a saqueou e destruiu. Reconquistada pelo mesmo monarca, a vila medieval foi reedificada, e em 15 de Março de 1201, D. Sancho I concedeu-lhe o primeiro foral, que inclui as obrigações, multas e impostos, devidos pela população ao rei e ao concelho.
            Imponente no alto monte, ostenta três torres altaneiras: do Relógio (com relógio de sol), da Má Hora e do Anjo. Existiu uma quarta torre, ainda de pé em 1740, chamada de Évora.
            A fortaleza foi cercada por uma muralha de forma triangular de 1,30 metros de espessura, por 8 metros de altura, numa extensão de 1617 metros. O paredão, de contextura muito robusta foi construído com materiais da região – granito e xisto cristalino – que lhe imprimiu dureza particular. A vila situava-se inicialmente na parte interior da muralha, que abrigava o Palácio dos Alcaides, o Convento da Saudação, as igrejas de Santa Maria do Bispo *, de Santa Maria da Vila, de Santiago e de S. João Batista, os Paços do Concelho, o pelourinho, a cadeia, o matadouro, cisternas e naturalmente as habitações dos nossos antepassados.
           
De Montemor-o-Novo se mudou o mundo e as suas gentes

            Nos fins do século XIV, já Montemor era povoação importante, pois a 12 de Novembro de 1323, foi escolhida pelo Rei D. Dinis, para sede de uma assembleia, que aqui se fez convocar, para imputar ao Papa Honório IV, o competente beneplácito para a fundação de uma universidade neste reino (Coimbra).
            Além de D. Dinis, também aqui realizaram cortes, os reis D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I. Este monarca, reuniu aqui cortes de 16 de Dezembro de 1495 a 3 de Janeiro do ano seguinte, nas quais se determinou a expedição da Índia. Por tal facto, João Aníbal Henriques escreveu: “De Montemor-o-Novo se mudou o mundo e as suas gentes”.
            Por um voto de D. Manuel I, pela descoberta do caminho marítimo para a Índia, se começou a edificar a Ermida de Nossa Senhora da Visitação. O mesmo soberano deu-lhe foral novo, em Lisboa, a 15 de Agosto de 1503.
            A pacificação do território e altitude a que se encontra o Castelo, fez com que a população procurasse a proximidade com a estrada real, que passava pelo sopé do monte, provocando um fenómeno de abandono do recinto fechado em favor da actual localização, não obstante D. Manuel em 1508, ter concedido grandes privilégios aos moradores do Castelo, para impedir o seu abandono.
            D. Sebastião deu-lhe em 1563, o título de “Vila Notável”, atendendo a que era “lugar antigo e de grande povoação, cercada e enobrecida de igrejas, templos, mosteiros e de muitos outros edifícios e casas nobres”.
            Em 1571 existiam 800 fogos no sopé do monte, enquanto o velho burgo se encontrava já praticamente despovoado. No arrabalde se situavam então a maior parte dos conventos e ermidas, os hospitais, a cadeia, as estalagens, as atafonas, os lagares e várias fontes.
            A última reconstrução das muralhas com objectivos defensivos, foi mandada executar por D. João IV em 1664.
            Quando, em 1758, o reitor da Matriz Pedro Botelho do Vale elaborou a sua memória sobre a paróquia, relatou também o estado do Castelo:
            “Arruinados os muros e povoado, ainda se encontram dentro dos mesmos muros, três paróquias, o Convento das Religiosas Dominicanas, a Torre do Relógio, o Palácio dos Alcaides e algumas cisternas de água, tudo o resto são ruínas”.
            Quase dois séculos depois desta memória, as ruínas foram classificadas “Monumento Nacional” através  do Decreto n.º 38 147, de 5 de Janeiro de 1951.
            Para que serve a classificação de Monumento Nacional de toda esta área onde borbulhou a vida de milhares de montemorenses, se o Estado não conservou, não reparou e não restaurou, conforme prevê a alínea e) do artigo 9.º da Constituição Portuguesa, o espaço classificado por ele próprio? Não podemos ao menos, evitar que as ruínas ainda de pé, venham um dia a pertencer ao número das ruínas desaparecidas?
            O Ilustre Montemorense Professor Doutor Banha de Andrade, revoltado com a situação, propagou aos quatro ventos que noutro País, as ruínas do Palácio dos Alcaides, da Igreja de Santa Maria do Bispo e o bloco em forma de cogumelo, estariam protegidas por grades, e talvez amparadas por esteios. Será difícil ou não valerá a pena?
            No período compreendido entre a data da classificação do Castelo e Janeiro de 2016, (sessenta e cinco anos), a acção dos Monumentos Nacionais resume-se a dez intervenções no Convento da Saudação, sendo nove, no período em que lá funcionou o Asilo Montemorense de Infância Desvalida, e apenas seis intervenções nas muralhas, duas na Torre do Relógio, duas na Torre do Anjo, duas na Igreja de S. João, uma na Torre da Má Hora, uma no Paço dos Alcaides, e uma na Casa da Guarda.
            Apesar do Castelo pertencer ao Estado, também a autarquia executou no seu ex-libris, entre outras obras, a estrada da circunvalação, uma intervenção de fundo no Convento da Saudação para receber o ISTA/98, a iluminação cénica das torres, do Palácio dos Alcaides e das muralhas, a recuperação da Igreja de S. Tiago para receber o Centro Interpretativo do Castelo, e mais recentemente, procedeu ao sistema de contenção de terras junto à Torre do Anjo, vizinha da Pedra da Manteiga, ambas ligadas a uma das lendas do castelo “a lenda da moura encantada”, e cujos trabalhos importaram em 47.000 €.
           
Um homem de palavra

            Pedro Santana Lopes, então Secretário de Estado da Cultura, na sua deslocação a Montemor em 11 de Março de 1992, afirmou publicamente: “irei desenvolver todos os esforços necessários para impedir a degradação do Convento da Saudação e do Castelo de Montemor”.
            De 17 de Julho de 2004 a 12 de Março de 2005, Santana Lopes ocupa o cargo de Primeiro Ministro, e cumpriu com a palavra dada.
            Doze anos depois da sua visita à Biblioteca Municipal Almeida Faria, em Fevereiro de 2005 a Direcção Regional de Évora do IPPAR, lançou o “Concurso internacional limitado por prévia qualificação para a elaboração do projecto de reabilitação do Convento da Saudação/edifício novo, e de recuperação e revitalização do Castelo de Montemor-o-Novo”.
            Santana Lopes é destituído do cargo, e nas eleições que se seguiram foi substituído por José Sócrates.
            Ainda não tinha aquecido o lugar, quando a Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, decidiu anular o concurso. Contribuiu desta forma, para envergonhar o País junto das empresas europeias que estavam a preparar as candidaturas ao anunciado Concurso Público Internacional.
             O governo socialista envergonhou o País, e prejudicou Montemor-o-Novo. Uma década depois, não obstante Isabel Pires de Lima em Março de 2007 e Cavaco Silva em Fevereiro de 2009 terem visitado o Castelo e o Convento da Saudação, tudo continua como dantes. Até quando?


Convido o estimado leitor a assistir à reconstrução virtual 3D desta igreja, através dum estupendo trabalho da Morbase, que está disponível no seu site.

Agusto Mesquita

Texto publicado no Mensário “folha de Montemor” Janeiro 2016. Reprodução autorizada pelo Autor

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