quinta-feira, 26 de novembro de 2015

COLABORAÇÃO - Dr. Alexandre Laboreiro

                        Divagando em redor da Democracia

«Como vês, neste mundo há dois tipos de pessoas, caro amigo, os que têm as armas carregadas e os que cavam. Tu cavas»
Clint Eastwood (in “o Bom , o Mau e o Vilão)

E, sem dúvida, temos de reconhecer a situação discriminatória da divisão da riqueza, no mundo: quer a nível planetário, quer a nível interno da cada País – disparidades de riqueza económica, e – logicamente – de riqueza cultural. A tal propósito, num livrinho chamado “Será que a humanidade pode mudar?” o intelectual pacifista hindu J. Krishnamurti aborda o problema humanitário do seguinte modo: «Este tem sido um problema para todas as pessoas sérias que estão preocupadas com a tragédia e desgraça humanas, e que se questionam por que razão não criamos um sentido de clareza em nós mesmos, um sentido de liberdade, um sentido de sermos essencialmente bons?». Por sua vez. Antero de Quental (na sua filosofia socialista de caracter cristão) exorta-nos mesmo, num poema eivado de um cartaz filantropo-místico: Irmãos! Irmãos! Amemo-nos! É a hora//É de noite que os tristes se procuram,// E a paz e a união entre si juram…// Irmãos! Irmãos! Amemo-nos agora.».
Porem o sociológico português – sobejamente conhecido – António Sérgio defende mesmo (no âmbito de uma humana distribuição de bens) o recurso a um sistema democrático (para o qual seriam civicamente e pedagogicamente preparados os cidadãos); em suma, um socialismo democrático em que o princípio essencial da Democracia, pode dizer-se, é o respeito pela dignidade da pessoa humana; assim não devemos querer conduzir os homens sempre que tais homens dêem por isso, pois esta atitude seria o cúmulo do desprezo – tratando-os como inconscientes, como coisas – e não como pessoas. Seria trata-los como meios, e não como fins. Para Sérgio, a Democracia é o sistema em que se deseja para o cidadão o máximo de consciência. Sérgio pretende que cada homem vá convencido, e muito consciente do caminho que segue – tal como o verdadeiro cristão.
Assim, preconiza para o cidadão uma educação que o treine para a liberdade, para toda a política consciente – permitindo assim adquirir a plena educação cívica que carece.
Sérgio anota que não há maior confusão de espirito do que proclamar, por um lado, que é preciso governar para a direita – e afirmar, logo depois, que as palavras “direita” e “esquerda” em política são vãs terminologias escolásticas, que não têm afinal, significado algum. Os corolários sociais da doutrina cristã são de estrema esquerda; e se há católicos de direita, são-no pela mais rotunda infidelidade ao Evangelho, por um acervo infinito de sofismas.
                                                                        Liberdade
No mesmo modo, esclarece que a autoridade não pode ser senão um meio; a autoridade só se justifica pelo “fim” que se propõe. Seria absurdo dizer a um homem: «exerço autoridade sobre ti, unicamente para exercer a autoridade, e deves submeteres-te a ela, simplesmente para te submeteres à minha pessoa». Ora, pelo contrário, deve esclarecer: «exerço autoridade sobre ti, mas para teu próprio bem, e para bem dos teus companheiros». Ora, qual é o maior bem de uma pessoa? De um Ser espiritual? Esse maior bem é a Liberdade. A autoridade só se justifica, pois, quando é um meio para a Liberdade. Sérgio acentua que o essencial, no cômputo do fim supremo, é a dignidade da pessoa humana (a par da paz, da alegria, da felicidade, da beleza e da vida familiar). Ele distingue o democrata do não democrata, entre outras razões, porque o primeiro (o democrata) não pretende fazer da “desgraça de cada un” a felicidade geral.
António Sérgio ainda acentua: A classe dos trabalhadores não é para mim como outra qualquer. É a classe para que todos devem tender, à medida que ela se eleva, que ela se educa, que ela se emancipa. A educação, a emancipação dos trabalhadores, o chamamento dos operários á mais alta vida espiritual, é a preocupação suprema de um político de hoje. Elevação de todos à consciência máxima.
                                                                        Democracia
A Democracia não é uma escola política, no género das escolas literárias. É um imperativo de consciência, e tão pertinente e perdurável como a consciência humana. Basta ver a atitude de certos homens diante de certas coisas e de certos homens, para compreendermos imediatamente que eles não podem compreender a Democracia. Nem o que incensa, nem o que recebe o incenso podem compreender a Democracia. Regra do verdadeiro democrata: nunca aclamar um homem público, um governante, um político seja ele democrata ou não seja; por maioria de razão nunca ser tímido diante dele, “instintivo respeito” ou “temor aflitivo”, ante o seu contacto; mas conservar sempre uma “atitude critica” (desconfiada, exigente, fiscalizadora, sinda que concordemos com a sua obra, ainda que o ajudemos na sua acção). Sérgio acrescentaria: «As almas bem nascidas só se inclinam interiormente ante as puras grandezas espirituais quando desacompanhadas de qualquer poder. Em Marco Aurélio, veneramos o nobre filósofo, mas não veneramos o imperador».
Afinal, quem dá realidade a uma democracia? - O cidadão (de carácter) e de espirito critico, que consegue dominar os seus próprios nervos e que sabe opor aos variados poderes (pelos seus juízos) uma resistência pacífica, obstinada, lucida. (A verdadeira reforma da sociedade não depende só de um remédio mecânico a ela aplicado de uma vez para sempre; tem de estribar-se simultaneamente numa acção moral de todos os dias. O socialismo eterno e mais profundo é o de caracter ético e idealista, como Antero de Quental no-lo pregou).
Desta forma, a fim de dar realidade a uma Democracia, ensine-se a ler, claríssimo está; mas façamo-lo tão –só como instrumento da verdadeira obra educativa, que é a realização da cultura critica, da disciplina do homem pelo seu próprio intelecto, da concentração do espírito e da mesura ética, da lucidez, da objectividade, do movimento centrípeto – em suma, da “vontade geral” – no ânimo de cada um de nós.
Palavras incisivas, sentidas e bem delineadas, estas de António Sérgio, que surgiram de encontro ao propósito do Pensador: trazer a público (numa divulgação mais ampla quanto possível) os valores da Democracia, instalando nos leitores os princípios democráticos, aprofundando – como cidadãos – na sua consciência o espírito critico – fazendo deles cidadãos informados e de juízo cultivado.

José Alexandre Laboreiro
Extraída Mensário “folha de Montemor” Novembro 2015. Reprodução autorizada pelo Autor


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