quarta-feira, 14 de outubro de 2015

UM NOVO ARTIGO DO PROFESSOR ALEXANDRE LABOREIRO

                               O Futuro d Liberdade
«O homem não pode fazer-se sem sofrer; pois é ao mesmo tempo o mármore e o escultor»
Lexis Carrel (Cirurgião e Filósofo francês – 1873/1944

Vivemos na era democrática. No decorrer do passado século, o mundo foi vincado por uma tendência singular: a ascensão da democracia. Em 1900, em um único país se revestia pelo que consideramos Democracia: ou seja, um país de governo constituído através de eleições – em que participassem todos os cidadãos adultos com direito a voto. Hoje, 119 países fazem-no, correspondendo a 62% de todos os países do mundo. O que era, então, uma prática singular de uma mão-cheia de países em redor do Atlântico Norte, tornar-se-ia a forma referencial de governo, em todo o mundo.
As monarquias caíram em desuso, o fascismo e o comunismo tombariam definitivamente em descrédito, mesmo a teocracia islâmica não atrai hoje, senão um exíguo número de fanáticos. Para grande parte do mundo, a Democracia é a única fonte de legitimidade política que subsiste. Anote-se que, mesmo ditadores como o egípcio Hosni Mubarak ou o zimbabuano Robert Mogabe se deram ao trabalho de organizar eleições (de “fachada”, diga-se) com caracter nacional – que ganhariam de forma habilidosa. Porem, sempre que os inimigos da Democracia se apropriam da sua retórica, e imitam os seus rituais, somos a concluir que a Democracia está ganhando a guerra.
Vivemos na era democrática num sentido ainda mais amplo (a Democracia “enquanto governo do povo”; ou pelo menos, o do maior número, estamos a constatar a mudança – do poder para baixo – enquanto pronuncio de uma “democratização” – não só na politica, mas igualmente económica, social e cultural): as hierarquias quebram-se, os sistemas fechados abrem-se, e a pressão das massas é agora o principal motor da mudança social – registando-se uma evolução da democracia: de uma forma de governo, para um estilo de vida.
No plano económico, para além da globalização do conhecimento (que disseminaria bem-estar) atingir-se-ia uma abundancia para centena de milhões de pessoas na sociedade industrial – transformando o consumo, a poupança e o investimento em fenómeno de massas: o poder económico, que fora dantes controlado por pequenos grupos de empresários, banqueiros e burocratas, teve de se descentralizar para baixo – verificando-se que as companhias (empresas) e os Estados, procuram favores não junto dos ricos e das elites, mas junto do grande número que forma a classe média.
No plano da Cultura, assiste-se a uma democratização. O que era em tempos classificado como “alta cultura”, ou cultura erudita, continua a florescer, seguramente, mas como um produto de nicho de mercado, para os mais velhos. Já não no centro da vida cultural das sociedades, que é hoje marcado e dominado pela música pop, pelas músicas de sucesso do cinema, do disco, dos programas de televisão e rádio – as grandes audiências: afinal as referências comuns a toda a gente. Na verdade a revolução democrática – que cruza a sociedade- mudou mesmo a nossa definição de Cultura. Assim, deparamos o caso de por exemplo, o reconhecimento público de um solista de outros tempos era o dos que gostavam dela: porem o critério do aplauso público, hoje, é quantos gostam dela. E, com esta bitola, Madonna vencerá sempre Jessye Norman. A quantidade tornou-se equivalente a qualidade. E variados factores estão na base desta mudança espectacular (ligada a uma “vaga democrática”); a evolução tecnológica, o surgimento de uma classe média em ascensão, o colapso dos sistemas e ideologias alternativas que se propunham organizar a sociedade – para alem do emergir (politico, económico, cultural e social) dos Estados Unidos da América – país politico e culturalmente democrático, um país “potencia”, que pela economia, cultura, politica, pela actividade do lazer faria influenciar a vida e História do mundo (sobretudo o mundo ocidental).
É lugar-comum afirmar que durante os frenéticos nos 90 (do passado século) a tecnologia e a informação foram democratizadas. Efectivamente a tecnologia ajudaria a reforçar a centralização e a hierarquia – no passado; teve um efeito centralizador dando a uma pessoa (ou grupo) a oportunidade de chegar mais facilmente ao resto da sociedade. Daí que – em caso de “ golpes de Estado”, a primeira acção dos golpistas era o controlo da Rádio e Televisão. Porém, com a difusão dos canais de Rádio e Televisão, nos tempos de hoje, na escala dos milhares, tornou-se impossível um controle centralizado – facilitando a contestação. Efectivamente a democratização das tecnologias de informação significa que quase toda a gente pode chegar a tudo tal como as Armas de Destruição Maciça. Sabemos hoje que Osama bin Laden estava a trabalhar num verdadeiro programa de fabrico de armas biológicas, durante os anos 90 do século XX. Mas o que é mais surpreendente é que a informação científica e os manuais encontrados nas casas clandestinas da Al Queda, em Cabul, não eram segredos roubados aos laboratórios governamentais; foram documentos imprimidos, a partir da Internet. Chama-se a isto a “democratização da violência”. A democratização da violência é uma das facetas fundamentais e aterradoras do mundo de hoje. Durante seculos, o Estado teve o monopólio do uso legítimo da força da sociedade. Esta desigualdade de poder entre Estado e o cidadão criou a ordem social e faz parte do cimento que manteve a civilização contemporânea coesa. Mas durante as últimas décadas a vantagem do Estado enfraqueceu. Agora, pequenos grupos de indivíduos organizados podem praticar crimes hediondos. E se o terrorismo é a maior ameaça à autoridade do Estado, esta também tem sido minada por outros factores.
Consideramos a Democracia o mais sublime sistema de organização social entre os Homens – como definiu António Sérgio, « o regime em que são fiscalizados os governos pelos representantes da opinião publica, e em que os representantes da opinião publica votam as bases da legislação (sob um conjunto de garantias rigorosamente determinadas) buscando, por aqueles meios, a possível igualização de todos os membros da sociedade (a aproximação da sociedade sem classes)».
Porem, quem dará realidade a essa Democracia? - Poder-nos-emos interrogar. Sérgio (in “democracia”) responde-nos: «O cidadão (de caracter) e de espirito critico, que consegue dominar os seus próprios nervos e que sabe opor aos variados poderes (pelos seus juízos) uma resistência pacífica, obstinada, lucida (a verdadeira reforma da sociedade não depende só de um remédio mecânico a ela aplicado de uma vez para sempre: tem de estribar-se simultaneamente numa acção moral de todos os dias. O socialismo eterno e mais profundo é o de caracter ético e idealista, como Antero de Quental no-lo pregou».
Sempre em busca de soluções mecânicas, muitos se resumem à ideia simplista de extinguir o analfabetismo, de ensinar a ler a todo o povo. Tarefa (essa) não só inútil, mas digamos até de contraproducente, quando considerada como essencial. Ensine-se a ler, claríssimo está: mas façamo-lo tão-só como mero instrumento de verdadeira obra educativa, que é a realização da cultura critica, da disciplina do homem pelo seu próprio intelecto, da concentração do espírito e da “mesura” ética, da lucidez, da objectividade, do movimento centrípeto, - em suma da “vontade geral” no ânimo de cada um de nós - diz-nos ainda Sérgio.
Porem, se a construção da Democracia assenta na acção cívica de cada cidadão, há que construir o “cidadão” – que passará pelo dever – por parte dos poderes públicos – de fomentar e promover o potencial público dos cidadãos (que passa pela Educação e Cultura); o tal propósito, refere-nos o Papa João XXIII (in Pacem in Terris); «Hoje em dia crê-se que o bem comum consiste sobretudo no respeito aos direitos e deveres da pessoa humana. Oriente-se pois, o empenho dos poderes públicos, sobretudo no sentido de que esses direitos sejam reconhecidos, respeitados, harmonizados, tutelados e promovidos, tornando-se assim mais fácil o cumprimento dos respectivos deveres».
Construção da Pessoa e da Sociedade – mediante a formação do corpo e do espírito – que se impõe sejam pensados e operados em Liberdade e Consciência cabais.

José Alexandre Laboreiro – Professor
In “O Montemorense” – Transcrição permitida pelo Autor



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