sexta-feira, 2 de outubro de 2015

UM ARTIGO DO Dr Alexandre Laboreiro

                                O ALENTEJO E O ALENTEJANO 
Outro é o tempo
Outra a medida
Tão grande a página
Tão curta a escrita
Entre o achigã e a perdiz
Entre chaparro e choupo
Outro país e tão pouco.

(Manuel Alegre – in Alentejo e ninguém)

Enquanto grande admirador do povo alentejano (admiração catalisada, em parte, pela intervenção épica do povo do Alentejo – em vários momentos difíceis da História do nosso País – na luta pela nossa independência, e na defesa da Democracia e do desenvolvimento e expansão territoriais, pela participação profunda do povo alentejano – através da poesia, das lendas, dos contos, dos adágios, da expressão verbal, dos costumes, do seu espirito de independência (a par do seu patriotismo colectivo), pelo cumprimento honroso à palavra dada -  - na construção e afirmação da Cultura Portuguesa), Manuel Alegre confirmaria recentemente esta sua identificação com o Alentejo, numa conferência que proferiu, na Biblioteca Almeida Faria (em Montemor).
O Alentejo preenche, de uma maneira geral, um terço da superfície do País (região onde constatamos a existência de herdades com mais de 2.000 hectares – mercê de um erro socio-económico e politico tecido pela História, ao aceitar uma realidade assente na concentração fundiária, colocando nas mãos de uma ínfima minoria populacional, a vasta maioria da terra alentejana.
É certo que a posse da terra se enquadra em circunstâncias históricas e razões naturais. Porem, felizmente, o saber humano não é estático; e assim, preferíamos que uma intervenção da Ciência (à semelhança do que nos é dado conhecer na Europa evoluída) se unisse à Politica, e tecessem um parcelamento fundiário (que não imitasse a excessiva pequenez dos prédios rústicos do Noroeste, das Beiras e Trás-os-Montes, nem se quedasse pelos quadros sociais alimentados pelo Estado Novo – que degenerariam em soluções, acredito que bastante bem intencionadas, de feições coletivas – no pós 25 de Abril). Ora, a este respeito, diz-nos Orlando Ribeiro (in Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico): «Nos somos últimos decénios, desenvolveu-se um vasto plano de rega no Ribatejo e Alentejo, empreendido pelo Estado, e multiplicaram-se pequenas barragens contruídas em comparticipação pelos lavradores donos das herdades. Não se sabia ao certo o que se devia regar: se o arroz, cujo mercado interno estava saturado, se o tomate, de que Portugal se tornou o primeiro produtor mundial (hoje batido por Marrocos, onde salários baixos permitem vantajosa concorrência), se os melões, como aconselhava um computador, que não indicava onde e como podiam ser vendidos! Nenhuma modificação fundiária e humana acompanhava as obras de rega, porque a propriedade e a estrutura social eram consideradas valores intangíveis… A irrigação em nenhum lugar fixou gente no campo. Em todos os concelhos onde se fizeram obras de rega a população diminuiu entre 1960 e 1970, atraída pela emigração e pelos centros urbanos. Não existe mais clara prova de uma obra técnica desintegrada do seu condicionamento humano».

                                              O Alentejano
O Alentejano, pela observação, pelo saber social, pela experiência – que a estrutura social em que vive lhe proporciona (Orlando Ribeiro regista mesmo o “mundo social” do Alentejo, como um campo demográfico onde as correntes politicas de esquerda mais facilmente se creditaram), - depreendeu que uma reforma económica e técnica (e igualmente social) – como a que vínhamos aludindo – exigirá uma disponibilidade total de apoio, por parte dos governos, enquanto processo de sensibilização, esclarecimento, formação cultural e técnica das populações: com um apoio económico – num acompanhamento global aos agricultores-receptores das propriedades oriundas dos parcelamentos – transformações a vários níveis enquanto seres humanos e cidadãos: apoio cultural, técnico, de incentivo económico-financeiro, de abertura de mercados, de promoção de produtos, de produção de imagem-dentro de um contexto sociopolítico, para quem a educação cívica e a reforma de mentalidades exigem que os direitos do homem e a democracia sejam encarados no contexto da acção e do compromisso – devendo os princípios ser preservados à luz da dignidade das pessoas e do respeito pela sua individualidade e integração social. Por outro lado, José Cutileiro (in Ricos e Pobres no Alentejo), constata: «Essa preferência, reforçada pela minha experiência da região, poderá expressar-se assim: sem uma consciencialização progressiva de direitos e deveres da cidadania, só possível com um mínimo de prosperidade económica e dentro de um sistema politico e sindical democrático, a alteração do sistema fundiário, substituindo as grandes famílias terratenentes pela tutela directa  do Estado, não poderá livrar a região de características sociais abundantemente exemplificadas – controle de poucos por muitos, impotência politica da maioria, patrocinato determinando  distribuição privilegiada de benesses e acarretando a concomitante degradação moral – e tornará ilusória grande parte dos benefícios que supostamente decorreriam da Reforma Agrária.

                                  Alentejanos no Alentejo
Refere-nos José Manuel Mendes (em “Por uma literatura de combate”) : «Oponho-me a todas as piruetas verbais, a tudo a que, sendo pesquisa de novo, não passe pelo homem. Porque nada é tão novo como ele. E porque nada o substitui». Daí o facto de – enquanto flagrante prioridade – a Educação, a par do alimento do corpo, constituir uma das preocupações mais flagrantes dos países desenvolvidos- conscientes que estão, de que o cidadão bem formado defenderá a Democracia, o Progresso, a Cultura, a Paz – através de um trabalho (na sua acção profissional) mais cuidado; procurará enriquecer o espirito (pela aculturação) e – inclusivamente – participará na promoção e desenvolvimento global do País. A este propósito, lembro-me aliás de uma “passagem” do «Ultimato Futurista» (de Almada Negreiros): «Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria».
Espirito verdadeiramente patriótico e cívico –o de Almada Negreiros – que ombrearia com o dos alentejanos que enfrentaram os castelhanos nos “Atoleiros”, na defesa da independência; os alentejanos que participaram nas Descobertas (Vasco da Gama era alentejano, e Damião de Góis – um historiador da época – igualmente alentejano. Lembremos os alentejanos de Évora e Montemor-o-Novo, nas revoltas que expulsaram os Espanhóis, que pretendiam um pleno domínio sobre Portugal. Lembremos os alentejanos que nas “Linhas de Elvas” impediram os espanhóis de atingir Lisboa – no intuito de se reapoderarem do País. Lembremos os alentejanos que defenderam a Democracia – apoiaram D. Pedro, o Rei Liberal, contra D. Miguel – o candidato absolutista.
Lembremos o papel de Montemor-o-Novo, enquanto Quartel General de D. Pedro –donde partiu o “gope final” que daria a vitória à Democracia: Lembremos os alentejanos que na Literatura, nas Artes, no Jornalismo, na Musica, na Politica, na Ciência, na Educação, dignificaram as Ideias, o Pensamento, a Integridade Humana.
Durante o Estado Novo, seria divulgada uma constatação, que fazia passar, (em relação à sociedade portuguesa na História) esta ideia: «Os Santos são do Norte; os Heróis do Centro, e os Poetas do Sul». Mas falando do Alentejo e dos alentejanos, encontramos no Alentejo, sim Poetas; mas também Santos, Heróis, Escritores, Jornalistas, Políticos, Cientistas, Artistas, etc – e o infindável número do Povo anónimo que – nos campos e nas cidades, nas escolas e nas oficinas, nos mares e nos conventos – criaram um Portuga Livre.

José Alexandre Laboreiro

Extraída Mensário “folha de Montemor” Setembro 2015. Reprodução autorizada pelo Autor

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom! Que delicia de artigo! Temos uma história muito rica, Portugal é Portugal, Alentejo é Alentejo! É tudo muito bonito. Somos um povo maravilhoso. Fizemos muitas coisas boas ao longo dos seculos. Tenho um enorme orgulho por ser Portuguesa e ainda mais por ser Alentejana.
Conheço alguns textos do Professor Orlando Ribeiro e já li essa obra grandiosa do embaixador José Cutileiro “Ricos e Pobres no Alentejo” Muito bom.
Parabéns ao autor deste artigo. Obrigada por disponibilizarem.
Maria M

artemiso peças disse...

Extraordinário artigo.
PARABÉNS