Sim. Nem no tempo do Salazar havia tanto
misticismo e tantos mártires em regime de voluntariado.
Após quinze anos de propaganda eleitoral
na televisão portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) candidata-se ao mais alto cargo da
nação. Isto se ainda existir nação quando chegarmos a Janeiro. E julgo que a
sua primeira tarefa, em defesa dos valores da pátria e dos direitos dos
portugueses (se ainda houver portugueses) é demitir o Governo, dissolver a
Assembleia da República e convocar novas eleições. Se MRS for coerente com o
que pareceu pensar e defender ao longo destes anos, vai ser esse o primeiro
gesto de salvação nacional. Costa, Passos, Portas e outros estão manchados por
anos de mau uso do poder público, por incumprimento constante e contínuo da sua
palavra, pela mentira descarada e sem vergonha, pela falta de sentido cívico e
social para com todos os que mais precisam.
A fofa, sempre atenta às minhas
preocupações, levantou os olhos do cachecol amarelo-fluorescente que estava a
tricotar e atirou, convencida: “Eu sei como é que esses políticos
podiam recuperar a dignidade e o prestígio.” Saí do meu momento de
repouso e abri, tímido, o olho direito. Sentindo-me atento, continuou: “Eu
cá convidava os três para virem até cá e passearem o Balú.” Abri os
dois olhos, acreditando que ela não estava a sentir-se grande coisa. E
concluiu: “Quando as pessoas começassem a ver esses três em boa
companhia, sei que muita coisa poderia mudar. Não é, Balú?” Desta vez,
foi o labrador, pachorrento, que abriu um dos olhitos, soprando um uff!! ensonado.
Eu fechei os meus e consegui pensar ainda antes de voltar a adormecer: “É
capaz de ter razão… Amanhã telefono aos tipos.”
As sondagens levadas a cabo antes das
eleições são cada vez
mais fiéis aos resultados oficiais. A malta cola-se ao televisor nas noites
eleitorais não para saber quem ganhou, mas para comparar as percentagens
atribuídas a cada força partidária com os números apresentados previamente
pelas sondagens. E é, de facto, impressionante. Há uma diferença mínima, é
certo, mas que não influencia o resultado final. A minha fofa andou a cismar
nisto, porque desde a hora do almoço que não me dirigia a palavra. Chamei-a: “Vou
mandar o Cloreto deste mês à D. Maria Manuel. Queres lê-lo?” Ouvi-lhe
os passinhos curtos e leves, porém circunspectos: “Pode ser…” E
leu. E concluiu: “Se as sondagens reflectem antecipadamente o resultado
eleitoral, não vale a pena o povo ir às urnas. Não se consegue mudar
nada…” Tinha razão.
Ouviu-se a campainha da porta. “Deixa-me
ir abrir”, disse ela. “São aqueles três de que falámos há
pouco.” Para mim: “Vai buscar o Balú e põe-lhe a trela.” Ainda
a ouvi cumprimentar: “Boa tarde, senhores doutores. Esperem um
bocadinho que o Balú já está quase pronto para o passeio. Aí vem ele. Ah!
Doutor Portas, tem aqui uns saquinhos de plástico para… enfim, o senhor sabe…
Pronto, divirtam-se e bom passeio. E se o Balú não obedecer às vossas ordens
não lhe prometam nenhum osso extra. Ele é muito mais inteligente que muitos
portugueses…”
João Luís Nabo - Professor
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