terça-feira, 24 de março de 2015

A CRONICA DIÁRIA TRANSMITIDA NA RÁDIO DIANA/FM

                                                        Show off 1
Terça, 24 Março 2015
show off pode traduzir-se por exibicionismo, ou o armar-se em algo que se não é, sendo muitas vezes usado para ações que se alardeiam mais pela forma do que pelo conteúdo das mesmas. Mutatis mutandis o show off cheira a propaganda.
Traz-me a ele uma notícia de órgão oficial da CMÉvora, já com um par de semanas em cima, e que acompanhada de expressivas fotos sobre o acontecimento, diz assim, ipsis verbis: «A Câmara Municipal de Évora, a Direção Regional de Cultura do Alentejo e a Óptica Havaneza assinaram esta manhã (11 de março) um protocolo de cooperação com vista à intervenção nos arcos da Rua da República cujos pilares apresentam deficientes condições de conservação, fazendo perigar a integridade física dos cidadãos que aí circulam diariamente. Neste protocolo, que foi assinado por Carlos Pinto de Sá, Ana Paula Amendoeira e Francisco Bolas, respetivamente, ficou estabelecido que a empresa Óptica Havaneza irá executar física e financeiramente a intervenção de consolidação e promover os estudos necessários à intervenção de conservação global do edifício. A Câmara Municipal de Évora, por seu turno, compromete-se a aprovar, com a necessária celeridade, o projeto de arquitetura desta intervenção, enquanto a Direção Regional de Cultura do Alentejo [DRCALEN] irá designar um técnico especialista para elaboração do projeto de arquitetura destinado à consolidação/contenção do conjunto dos arcos e alvenarias da fachada principal da Óptica Havaneza, proceder ao acompanhamento técnico da intervenção de consolidação, obter, nos termos legais e com a necessária celeridade, o parecer favorável da Direção-Geral do Património Cultural relativamente ao projeto a executar e apoiar, dentro das suas atribuições e competências, a Óptica Havaneza nos estudos e projetos destinados à intervenção de conservação global de todo o edifício. A assinatura deste protocolo de cooperação, que teve lugar no Gabinete do Presidente da CME, reveste-se de uma extrema importância uma vez que é necessária uma intervenção urgente de consolidação do referido pilar e respetivos arcos da fachada principal de modo a garantir-se a sua estabilidade e funcionalidade.»
Sobre esta notícia importa colocarmo-nos algumas questões, já agora retóricas, porque conseguimos bem adivinhar as respostas. Ora então, cá vão: Este foi o primeiro de muitos protocolos a assinar entre a CME, a DRCALEN e os privados proprietários do Centro Histórico (CH) classificado, relativamente a obras necessárias a realizar nos edifícios degradados? Se alguma das duas entidades públicas, e talvez até o privado, que assinaram este protocolo estão, com esta assinatura, a fazer mais do que as obrigações e competências que têm neste assunto? Nomeadamente: a CME não deve aprovar os projetos em tempo útil para obras urgentes? A DRCALEN não deve acompanhar uma intervenção especializada num sítio classificado, do princípio à conclusão da intervenção e “obter, nos termos legais e com a necessária celeridade, o parecer favorável da Direção-Geral do Património Cultural”? E o privado, com todas as implicações legais a que está com isso obrigado, não deverá cuidar do seu património? (De facto, nem todos o fazem e, por isso até, pode ser tomado como exemplo de civismo. Ele é, apesar de tudo, o único digno de notícia, por querer e poder fazer a sua obrigação de proprietário.) Mas mais ainda: este protocolo significa que, daqui para a frente, qualquer proprietário de um edifício a necessitar de eventuais obras, que a não serem feitas mais cedo ou mais tarde constituem ou podem vir a constituir um risco público, deve dirigir-se à CME e à DRECALEN para solicitar a assinatura de um protocolo e ver o seu processo agilizado? E qualquer proprietário do concelho de Évora, não residente no CH, que tenha submetido projeto não terá o mesmo tratamento no que diz respeito à aprovação “com a necessária celeridade” do projeto de arquitetura por parte da CME e/ou outras instituições públicas que legalmente têm intervenção no processo?
O que é esta assinatura de protocolo, com direito a notícia, se não um admirável e escandaloso ato de show off ? E já agora, porque não assinam um protocolo a deixar escrito para a posteridade que, depois da Feira de São João, o estaleiro que dá apoio aos serviços operacionais no recinto deve ser desmontado e não permanecer por lá, como quem não quer a coisa, até à edição seguinte? Sim, está ali o estaleiro, naquele cantinho do Rossio, em frente à escola, encostado à patrimonial muralha a dar-lhe um ar de trastero que é o que os espanhóis chamam às arrecadações.
Palpita-me que regressarei mais do que só esta vez a este estrangeirismo, o show off, talvez até já fora desta série de estrangeirismos. Palpita-me.
Claudia Sousa Pereira


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