sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS CURTAS - Uma vez por mês a cargo de Vitor Guita





Quer de Inverno, quer de Verão,
Minha graça faz sorrir,
Que eu sou sempre o elixir
Da boa disposição.

Tenho um sabor de encantar,
Sou suave como um beijo.
Todos preferem poejo,
A bebida popular.

Vem o pobre, vem o rico
Meus afectos procurar.
Não falto num bailarico
Para ajudar a bailar.

Estas são algumas das coplas da revista o Cascabulho, representada na Pedrista e no Rádio Cine em 1941.
A leitura destes apelativos versos aguçou-nos o apetite para irmos à velha destilaria Montemorense e à loja de Joaquim Rodrigues Amaro.
Vamos, pois, estimado leitor, subir ao topo da antiga Praça Velha, onde ficava a loja, e trepar à antiga Rua das Estopas, onde se situava um dos acessos à destilaria.. Contámos com o testemunho de alguém que ali trabalhou e, portanto, conheceu os espaços e, claro o cidadão e comerciante Joaquim Rodrigues Amaro.
No passado dia 7 de Janeiro, marcamos encontro com João Oliveira Gentil Santos. Passamos longas horas a desfolhar episódios da sua vida pessoal, à mistura com vários aspectos da realidade montemorense e do Portugal dos anos 60: os bailes nas colectividades; as atribulações da vida de namoro; os atestados de bom comportamento moral e civil passados pela Câmara Municipal; o safar-se à tropa e a passagem à Reserva Territorial; os estudos na Escola Industrial e Comercial, que serviam de trampolim para melhor emprego e, mais tarde, para cursar Direito.
O amigo João, natural de uma aldeia do Concelho de Arraiolos, veio trabalhar ara o estabelecimento do Sr. Amaro em Julho de 1960, tendo partido em Outubro de 1967. A vinda para Montemor, por intermédio de Joaquim Felizardo, foi a forma encontrada para escapar à dura lida do campo. Vida de marçano sempre era outra coisa.
Cedo se estabeleceu uma relação fraterna entre empregado e patrão, embora não isenta de sobressaltos, nomeadamente quando o jovem trabalhador do comércio começou também a ter a sua opinião. João Santos tinha a vida toda à sua frente e uma outra visão do mundo. Aquele tesouro valioso, que era o fabrico dos licores, só fazia sentido se houvesse utra dinâmica mais ambiciosa. A separação ao fim de sete anos de trabalho e de convívio, não foi fácil. Apesar das divergências sempre nutriu grande respeito pelo Sr. Amaro.
Nos passeios domingueiros que, de quando em quando davam pelo campo, o amigo João pode aperceber-se dos conhecimentos botânicos do comerciante, que gostava de dar explicações acerca de uma ou outra planta que aparecia pelo caminho.
Foi certamente esse conhecimento da flora que levaria à criação do Poejo Montemorense, um dos ex-libris da terra.
Esse mesmo interesse pelas plantas reflectia-se na própria loja, onde existia uma secção de ervanária. Podia-se ali comprar alfavaca-de-cobra, cidreira e muitas outras ervas frequentemente receitadas por Francisco A. Gomes, mais conhecido por Chico Virtuoso. Lembrou o amigo João que teve de tornar-se “especialista” em descodificar a rebuscada letra das receitas.
Debrucemo-nos mais um pouco sobre a figura do Sr. Joaquim Rodrigues Amaro. Também ele era filho adoptivo de Montemor. O distinto comerciante veio da zona de Beja, muito provavelmente nos fins do sec. XIX, tornando-se colaborador próximo do Senhor Manuel Dias Santana, o criador do Granito Montemorense. Durante anos o retrato de Dias Santana fez parte do rótulo das garrafas do dito licor. Quanto ao Sr. Amaro, a sua modéstia nunca o levou a exibir, embora com legitimidade para o fazer, a sua fotografia nas garrafas do Poejo. Limitou-se ao fac-simile da assinatura, enquanto director técnico.
Se era pequena a estatura física do comerciante, sobejavam-lhe os dotes de fotógrafo amador, colunista, dirigente associativo, de homem envolvido noutras áreas.
“ Muito custa amar a Deus” – assim se pronunciava Joaquim Domingos Amaro, com frequência, quando as coisas corriam menos bem.


Habituámo-nos a ver no Sr. Amaro, um homem baixo, de fino trato, envergando frequentemente um guarda-pó acinzentado, segundo a usança de outros lojistas da época.
De salientar, ainda, a sua faceta melómana, pelo menos enquanto ouvinte e divulgador de música. Existiu, numa das divisões do estabelecimento, um antigo aparelho que, dando à manivela, permitia pôr a rodar discos enormes e perfurados. Uma verdadeira relíquia!


A porta de baixo, ao lado da pensão da D. Alice Francisquinho, dava acesso a um espaço, tipo cervejaria, que atraía clientela diversa, nomeadamente gente ilustre e abastada da terra e da região.
Da velha loja, pouco iluminada, guardamos a imagem da salgadeira, do longo balcão, á direita, e das estantes com produtos de mercearia, garrafas de poejo e granito, assim como livros, revistas e jornais. Joaquim Fernandes Amaro gozava de credibilidade junto das editoras e era agente/distribuidor de vários jornais.
Houve tempos em que numero significativo de estudantes se dirigia ao estabelecimento, a fim de encomendar e adquirir os seus livros. Alem disso, a casa comercial ficava num dos caminhos possíveis para a casa onde morou e deu explicações o Dr. Gabriel Paiva Domingues.
De entre várias figuras que frequentavam a loja ou por ali passavam a cumprimentar o amigo Joaquim Amaro, contavam-se, o Senhor Barreto, chefe das Finanças, assim como a Dona Joana de Sales, uma senhora de idade, com o seu passo vagaroso e periclitante.
Quanto a empregados, trabalharam ali, antes de João Gentil Santos, o Sr. Américo Espada, sobrinho do patrão. E um outro trabalhador, chamado Joaquim Rosado.
Papel importante, desempenharam a sobrinha, Mariazinha Amaro, e Francisco Marques de Almeida, marido desta. Tanto quanto apurámos, foi ele que, depois de 1967, ajudou a fabricar os licores até á venda da destilaria.
Fique ainda a saber, estimado leitor, que, no primeiro andar do edifício forrado de azulejos, estiveram instalados diversos hospedes, nomeadamente professores primários. O professor Carlos Cebola, um desses hóspedes, dizia-nos há dias, que o Sr. Amaro tinha por hábito esperar pelos clientes alojados na sua casa. Enquanto isso, escrevia, lia, ouvia música.
Mas, falemos do Licor de Poejo, a joia da coroa. É claro que não vamos revelar o segredo do precioso néctar, porque não o conhecemos. Como o amigo João fez questão de sublinhar: o segredo é a alma do negócio: Socorremo-nos, porem, da sua ajuda para tentarmos reconstituir algumas das tarefas relacionadas com a produção e comercialização do superfino licor.
O fabrico do Poejo, criação do Sr. Joaquim Amaro, terá resultado de inúmeras experiências e do profundo conhecimento acerca das potencialidades desta planta. Muitos atribuem-lhe propriedades digestivas e tonificantes. Há mesmo quem pense tratar-se de um bom afrodisíaco.
O compadre André era o homem que se encarregava de apanhar a matéria-prima, calcorreando vales que bem conhecia, de onde trazia grandes sacadas daquela planta, para posteriormente ser cortada e seca.
Cabia ao Sr Amaro preparar as “doses” do poejo e de outras plantas utilizadas. O ritual passava por acender o lume, de modo a por a caldeira de metal a funcionar. Existia, ainda, um tanque exterior, onde a serpentina arrefecia. Ao liquido obtido muito lentamente, gota a gota, juntava-se uma calda açucarada e sabe-se lá que outros segredos. Depois de fabricado o licor, era preciso engarrafá-lo. Algumas vezes vinha em garrafões para a Loja da Praça Velha, onde era metido em garrafas, colocadas as rolhas, as cápsulas, assim como as gargantilhas, os rótulos e as cintas de papel.
O licor ganhou fama. Nos concursos e exposições em certames internacionais, começaram a surgir os prémios. O primeiro foi ganho em 1900, a que se sucederam mais umas quantas medalhas de ouro e prata.
O armazém V. Rodrigues & Oliveira, Lda, era um dos grandes clientes da destilaria. Se o patrão Amaro tinha alguma factura em atraso, eram garrafas de Poejo e Granito que serviam como moeda de troca, fazendo-se, entretanto, o acerto de contas. As garrafas eram transportadas em caixas de madeira apropriadas. João Gentil dos Santos confessou-nos o embaraço que sentia, ao cruzar as ruas da vila, carregado de garrafas, Pior do que isso, só mesmo ter que ir buscar pequenos bidões de petróleo ao Convento de S. Domingos, onde havia um posto de abastecimento.
Bem! Pela nossa parte, ainda havia combustível para mais umas quantas linhas. Porém vamos ter de ficar por aqui.
A Destilaria já esteve, entretanto, na posse da Dra. Ana Vacas e Família. Presentemente é propriedade dos Empresários da Herdade da Amendoeira/Arraiolos. A terminar, brindamos ao sucesso no fabrico e comercialização destes licores regionais
Vitor Guita
Com a devida autorização do Autor foi transcrito do”Montemorense edição de Janeiro 2015



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