quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

COLABORAÇÃO DO DR. LABOREIRO

                                              O Povo na Revolução de 74

«As pessoas estão a ficar cada vez mais sensíveis à necessidade de solidariedade de todas as forças democráticas seja qual for a raça, filiação partidária, crença religiosa e convicção política.»
Nelson Mandela
(in artigo no jornal “Liberation”   -  “As pessoas estão destruídas”  - Outubro de 1955)


Estão decorrendo quarenta anos sobre a Revolução de 25 de Abril de 1974  -  movimento revolucionário em que à semelhança das Revoluções de 1383-85, 1637, 1640, 1820 e 1910, o Povo constituiu um esteio imprescindível no êxito político-militar, bem como nas transformações que advieram  (no âmbito destas mesmas Revoluções que aludimos), enquanto avanço despoletado (à maneira de síntese na dialectica da História) no campo cultural, social, político e económico  -  se atendermos a abertura à Liberdade, à Democracia e ao fortalecimento do espírito patriótico e de independência no cômputo do mundo das Nações.
Sobre a “Revolução de Abril” de 74, refere Joana Amaral Dias (in “Portugal a Arder”) o seguinte: «Igualdade e Liberdade, eis as palavras mágicas da Democracia e cujo equilíbrio é necessariamente delicado. Mas Abril garantiu-as? Em Portugal, recordista das desigualdades na Europa, país onde 20% da população vive na pobreza, evocar a Igualdade é como esperar pelo Pai Natal. Já a Liberdade dos Cravos, que acabou com a longa ditadura da mordaça e guerra, agoniza. O “Apartheid” entre ricos e pobres, o desemprego, e a iliteracia perigam esta Grande Senhora. Acresce que este governo pôs-lhe pés de barro. À tecnologia que permite controlar abusivamente cidadãos, juntou tentativas de derrubar sindicatos, cadastrar grevistas, e criar um clima de repressão intolerável para um “25 de Abril” quarentão. E à polícia nas feiras do livro e a baixar cartazes nos protestos, ou à recente condenação de alunos do ensino secundário (por participarem numa manifestação) acumula-se a sanha de Sócrates contra a liberdade de expressão bem patente por estes dias.»
Este texto, publicado a Maio de 2011, constitui uma denúncia aos ataques às instituições da “Revolução Abrilista”, em criar um estado democrático (que significa criar um exército democrático, uma política democrática, uma justiça democrática, e órgãos de poder que assegurem ao povo português a escolha e a determinação da política nacional. Afinal, só um estado democrático pode garantir a liberdade ao povo português).
E seria esse mesmo estado democrático, que o Povo português almejava conseguir alcançar (e conseguiria), no golpe militar de 25 de Abril de 74, e nas manifestações políticas de 75  -  como é aludido na obra histórica de Raquel Varela: “História do Povo na Revolução Portuguesa  - 1974/75”. Seria um movimento militar que envolveria 5000 homens a pegar em armas, juntando-se aos “Capitães de Abril”. Ecoam-nos as palavras de Salgueiro Maia, proferidas aos soldados da Escola Prática de Cavalaria (Santarém): «Chegou o momento! O MFA, que quer dizer Movimento das Forças Armadas, vai esta noite derrubar o regime. Temos de acabar com a guerra e arranjar uma solução política. Não pode haver recuos...  resumindo: há vários tipos de Estado: os Estados capitalistas, os Estados comunistas e o estado a que chegámos. Nós vamos a Lisboa acabar com o estado a que chegámos. Quem for voluntário dê um passo em frente!»
E como os militares de Abril ombrearam com o povo de Lisboa de 1383-85 (como nos relatam as Crónicas de Fernão Lopes), com os Montemorenses (e outros alentejanos) da Revolução de 1637, com João Pinto Ribeiro (a delinear o “1º de Dezembro de 1640”), com os soldados vintistas (1820), como transparece na peça “Felizmente Há Luar” -  de Luis Stau-Monteiro, ou com os soldados de Machado dos Santos (5 de Outubro de 1910)...  !
Realmente, Raquel Varela denuncia na citada obra histórica, o papel imprescindível da classe trabalhadora em Portugal  -  durante uma ditadura atroz e brutal: no “trabalho de sapa” da politização, bem como (em sequência do golpe militar) em greves, ocupações, autogestão, manifestações, acções colectivas, tomadas de posição sindicais, partidárias, comités de luta, terras ocupadas, comissões de trabalhadores, assembleias de soldados, reuniões gerais de trabalhadores ou estudantes, etc....
Na Introdução ao livro, diz-nos a autora: «A revolução mudou profundamente o País. Alguns dos seus resultados continuam presentes na educação, na saúde, na segurança social, no lazer e espaços colectivos de quem cresceu no Portugal depois de Abril. Mas a revolução não mudou de forma duradoura nas relações de produção. O Estado recompôs-se, o regime equilibrou-se, e os governos sucederam-se à margem do envolvimento das pessoas, ao arrepio do que caracterizou aquele biénio de 1974-1975. Porém, essas pessoas mudaram com a revolução. Quem fez a revolução, porque já cá estava, porque veio de longe trazendo na bagagem o romantismo das revoluções, porque se recusou a combater na guerra, porque exigiu definir onde ficava a creche, como estavam as contas das empresas, porque geriu o conselho directivo, porque aprendeu o significado da democracia directa, uma democracia homem a homem, face a face, de um voto de mão erguida, nas comissões de moradores, comités de luta, terras ocupadas, comissões de soldados, reuniões gerais de trabalhadores ou estudantes. Essas pessoas não mudaram tudo. Mas terem feito a revolução mudou-as para sempre.» Efectivamente, nada ficou como dantes: aliás, ficariam os gérmenes da Democracia  -  numa aculturação que funcionará com a difusão do livro, os “media”, a Escola, a Associação Cultural, a Associação Desportiva, o Sindicato, o Partido (a ultrapassar o comodismo do adormecimento mental  -  na formação da Pessoa e do Cidadão). É que, o que não deve nem pode ser monopólio de uma elite, é a cultura; essa tem de reivindicar-se para a colectividade inteira, porque só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria, ditando a todo o momento a tonalidade geral da orientação às elites parciais  -  faria notar Bento de Jesus Caraça.
Além do mais, sem Cultura o homem não adquire a compreensão dos fenómenos que observa, quer se verifiquem no mundo natural ou no mundo social; não adquire aquela consciência de si próprio que, realçando as suas qualidades individuais, melhor o integra no conjunto social em que vive mergulhado. Não pode, portanto, ter uma consciência esclarecida dos seus direitos e dos seus deveres; e, em consequência, está, ao menos potencialmente, feudalizado, dependente das direcções a que outros o sujeitem. É um vassalo, não um cidadão  -  disse-nos Victor de Sá.
Felizmente, que  -  com a Revolução de Abril de 1974/75 (participada e avalizada pelo Povo)  - se nos rasgou (com a extinção da Censura, com a liberdade de expressão, com a melhoria das condições económicas) os maravilhosos horizontes da Cultura: abrindo-nos o caminho da Humanização. Saibamos merecê-la e aperfeiçoá-la indefinidamente: a “Revolução dos Cravos”.  

José Alexandre Laboreiro


1 comentário:

Anónimo disse...

O Vítor de Sá tinha razão.

E assim, a Revolução dos Cravos
tem que dar rapidamente lugar a outra revolução:
A Revolução dos EsCravos.
É urgente.