terça-feira, 27 de janeiro de 2015

VASCULHAR O PASSADO - Uma página de Augusto Mesquita

       
 Há 550 anos o castelo de Montemor recebeu o seu primeiro Alcaide-Mor

Alcaide era o magistrado nomeado pelo rei, que desempenhava funções militares numa cidade, ou vila, sede de município. Procurava desta forma, o monarca, recompensar nobres, e mantê-los satisfeitos, através da concessão da magistratura, e respectivos honorários, evitando contestações à ordem política.
Com o decorrer do tempo, findas as guerras com os muçulmanos, o cargo de alcaide perdeu o seu carácter bélico, e tornou-se gradualmente um mero magistrado judicial. Porém, desde cedo, os procuradores dos municípios às cortes, se queixaram ao monarca, dos abusos cometidos pelos alcaides, tendo o rei então, nomeado um outro alcaide, designado por alcaide menor, ou alcaide pequeno, entre os homens-bons do concelho, para vigiar a actividade do alcaide, entretanto denominado alcaide maior, ou alcaide-mor. Ao longo dos séculos, diversas reformas foram esvaziando de poderes esta magistratura, tornando-a meramente honorífica.

D. João de Bragança
            O primeiro Alcaide-Mor de Montemor-o-Novo foi D. João de Bragança, nomeado por D. Afonso V, a 15 de Janeiro de 1465, há precisamente, 550 anos.
            Meia dúzia de anos antes, D. Afonso V preparou pessoalmente o casamento de D. João de Bragança, e escolheu para sua esposa, D. Isabel de Noronha, filha de D. Pedro de Noronha, Bispo de Évora e de Branca Dias Perestrelo, uma das principais damas do reino. O enlace ocorreu no dia 24 de Julho de 1460, e, como prova do seu agrado, o monarca dotou a noiva com quatro mil e quinhentas coroas.
            Nas tapeçarias da tomada de Arzila, que estão em Pastrana, situada na província de Guadalajara em Espanha, podemos observar D. João de Bragança, ao lado de D. Afonso V, e do Príncipe D. João, com apenas 16 anos de idade, na rendição de Tânger, em 25 de Agosto de 1471. O alcaide recebeu das mãos vitoriosas do rei, os estandartes portugueses para os alçar nas torres desguarnecidas.
            Pouco depois desta conquista, por carta passada em Lisboa, a 30 de Outubro desse ano, D. Afonso V ofereceu ao Alcaide-Mor de Montemor, a vila e seu termo.
            D. Afonso V, concedeu-lhe em Évora, a 5 de Abril de 1473, o título de “Marquês de Montemor”, e a dignidade de “Condestável de Portugal”, querendo, assim, D. Afonso V, nesta mercê, honrá-lo em memória do seu bisavô, D. Nuno Álvares Pereira. O Condestável era a segunda personagem da hierarquia militar nacional, depois do Rei de Portugal.
             Com o decorrer do tempo, o Príncipe D. João, foi-se apercebendo do oportunismo da família de seu tio, que conseguiam as mais diversas benesses, cedidas pelo seu pai, e isso, originou um ódio enorme à Casa de Bragança.
            O Marquês de Montemor, e seus irmãos, D. Fernando, D. Afonso, e D. Álvaro, enfim, todos os predilectos de D. Afonso V, por muitas vezes se lhe tinham queixado, da má vontade que D. João não escondia, alegando as dificuldades que ele opunha à realização das graças obtidas de seu pai.
            Em 1480, ao regressar da viagem de Ceuta, D. João de Bragança, “Marquês de Montemor” e “Condestável de Portugal”, era um homem de cinquenta anos, na plenitude da força, era alto e corpulento, de largos e fortes membros, com a pele tostada pelos sóis e ventanias, os cabelos negros e rijos, a barba e o bigode fartos, negros também. D. João de Bragança não era belo, pelo contrário. Faltava-lhe, na fisionomia, o encanto da bondade, sem o qual não há formosura. A dureza do seu olhar era antipática. Descendia, directamente, do seu bisavô, com quem muito se parecia, de temperamento enérgico e tenaz.


                                                               A Casa de Bragança
            D. João II sucedeu ao seu pai, após a sua abdicação em 1477, mas só ascendeu ao trono após a sua morte em 28 de Agosto de 1481. Quando foi coroado rei, terá afirmado que o pai o deixara apenas “rei das estradas e dos caminhos”.
            Os grandes senhores do reino, em particular os da Casa de Bragança, sentem que têm pela frente um inimigo.
            A primeira grande medida do novo rei, foi combater os privilégios da grande nobreza, dando início a um processo de centralização real, assente numa completa obediência ao monarca.
            Muita da nobreza habituada aos favores de D. Afonso V, não aceitava as alterações impostas por D. João II.
            Estas medidas levaram o Duque de Bragança, a protestar, declarando-as lesivas da sua dignidade, e excessivamente rigorosas, sendo nesta atitude, acompanhado dos irmãos João, Afonso e Álvaro, e do Duque de Viseu.
            A luta que rebentou entre D. João II e a Casa de Bragança, era uma luta de morte, porque ou havia de elevar-se o absolutismo do rei, ou havia de triunfar o poder exorbitante dos grandes vassalos, habituados, no reinado antecedente, a considerarem o príncipe como primeiro dos seus iguais, e não como o supremo chefe, e cabeça da Casa Real. Este conflito, que receavam os mais prudentes, foi a consequência triste, mas irremediável, das discórdias civis da menoridade, e das aventuras e generosidades do governo de D. Afonso V.
            Ao contrário de seu pai, D. João II, não estava habituado a recuar. Com os olhos nos exemplos do seu contemporâneo, Luís XI, de França, e com um coração duro, como o dele, encarou as resistências sem temor, e opôs às ameaças e arrogâncias da nobreza, umas vezes, a dissimulação e a astúcia, outras, os golpes rápidos e seguros de uma vontade inabalável e determinada.
             O cronista Garcia de Resende, conta-nos que durante as cortes de Évora, a cidade foi ameaçada de peste, e El-Rei com sua corte, em Janeiro de 1482, mudou-se para Montemor-o-Novo, para aí acabar de despachar os assuntos discutidos nas cortes iniciadas em Évora. Vivia-se ainda, o luto pela morte de D. Afonso V, e por isso, iam “todos vestidos de burel e almafega”, em homenagem à memória do rei.
            O Marquês de Montemor, querendo dar a entender ao monarca que tinha muito prazer, e contentamento dele reinar, foi esperá-lo ao caminho com o mais aliviado luto. O rei não entendeu, ou não quis entender, a atitude do marquês, e, por isso, lembrou-lhe que o rei por quem trazia tal dó o fizera Marquês, e lhe dera Montemor, além muitas honras e mercês. E, como se tal repreensão não bastasse, pouco depois, lembrou-lhe a discussão que o marquês teve com o Arcebispo de Braga, a propósito da modesta casa, que lhe mandara dar para aposentaria. De seguida, o Rei ordenou ao marquês, que logo naquele dia, saísse da Vila de Montemor, e no prazo de cinco dias, se passasse para além do Tejo, onde se manteria à sua mercê.
            O Marquês de Montemor partiu de imediato para Castelo Branco, mas com ele levou um ódio cada vez mais fundo contra o rei. Chegado à Beira Baixa escreve uma carta a seu irmão, o Duque de Bragança, que estava em Vila Viçosa, a relatar-lhe o sucedido. Na sequência deste contacto, foi preparada uma conspiração contra D. João II.
            Mas, o Príncipe Perfeito não arriscava os passos, senão depois de pisar terreno firme, seguia atentamente as reuniões da nobreza, e os planos do inimigo. Assim, é que pôde sempre escolher a hora, e romper a luta na ocasião própria, ferindo os contrários antes de preparados, para resistirem eficazmente.
            Fazia de coruja, como de si mesmo afirmava, para em tempo oportuno, voar como falcão, e empolgar a presa. Durante a vida de seu pai, D. João II não divulgou a desconfiança, com que via engrandecer a Casa de Bragança. Cauteloso, mas bastante forte, na execução dos seus intentos, e mantendo o segredo bem guardado, foram sempre a sua solução, para as suas decisões.
            No ano de 1483, o Duque de Bragança juntamente com os seus irmãos e outros aristocratas, lidera uma conspiração contra o rei D. João II. Tem o apoio dos Reis de Espanha, de quem espera apoio militar, e a quem prometeu acabar com as disposições do Tratado de Alcáçovas, que impediam Castela de navegar até à Guiné sem autorização dos Reis de Portugal.
            Descoberta a traição, D. João II reputou-a como crime de lesa-majestade. O Duque de Bragança, acusado de alta traição, foi preso na cidade de Évora, no Palácio do Duque do Cadaval, pelo próprio rei, no dia 30 de Maio de 1483. No julgamento que se seguiu, foi condenado à morte, e executado publicamente na Praça do Geraldo, a 20 de Junho desse ano. Melhor sorte, tiveram D. Afonso, D. Álvaro, e o Marquês de Montemor, que conseguiram fugir para Castela.
            A Casa de Bragança é extinta, e o seu colossal património foi absorvido pela Coroa.
            O Marquês de Montemor foi sentenciado e decapitado em efígie na cidade de Abrantes, a 12 de Setembro do fatídico ano de 1483. Nesta ocasião, estava o marquês na cidade de Sevilha, onde recebeu a notícia da sua triste sorte em Portugal.
            No ano seguinte, foi para Granada onde, andando em guerra com os mouros, foi ferido, falecendo em consequência dos ferimentos recebidos, em 30 de Abril de 1484. Jaz na Capela-mor da Igreja de Santa Paula de Sevilha, ao lado de sua esposa, onde ambos ainda repousam nas arcas de mármore, em que se vê a sua figura jazente esculpida.

D. Fernão Martins de Mascarenhas
            Na sequência do afastamento do Duque de Bragança, D. João II nomeou, a 8 de Dezembro de 1483 o também montemorense D. Fernão Martins de Mascarenhas, Alcaide-Mor de Montemor-o-Novo e de Alcácer do Sal. Foi Comendador de Almodôvar (Ordem de Santiago), e Capitão de Ginetes de D. João II. Após a morte de D. João II passa a capitão-mor. Nesta altura também lhe foi concedida a vila de Lavre, com todo o seu termo e rendas, mas apenas em sua vida, assim como as rendas e direitos da vila de que foi nomeado alcaide. Estas concessões foram-lhe mais tarde confirmadas por D. Manuel, em Montemor-o-Novo, a 8 de Fevereiro de 1496.
            Este grande montemorense, que ocupou também o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo, está ligado à construção da Sala do Despacho, com decoração no teto a frescos, executada pelo pintor eborense José de Escobar.
            D. Fernão faleceu em Almodôvar, a 13 de Novembro de 1501, e encontra-se enterrado no mausoléu da sua família, existente na igreja do Convento da Saudação.
            O município montemorense deliberou atribuir o nome deste filho da terra, a uma rua da cidade, no Bairro da CHE, junto ao aprazível Parque Urbano.
            Sucedeu-lhe seu irmão D. João Mascarenhas e os descendentes desta ilustre família
Augusto Mesquita
Janeiro/2015

De um folego se lê este bem elaborado pedaço da história de Montemor. É bonito ficar a conhecer a história da nossa terra - De que estás à espera amigo Tói? Pergunto eu Chico Manel

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