quinta-feira, 27 de novembro de 2014

AS LAVADEIRAS DO LUCIFECIT - Pelo Helder Salgado - Final

(Continuação do publicado dias 25 e 26)

                                       AS LAVADEIRAS DO LUCeFÉCIT

A última procissão de São Pedro.

Não sei qual a razão quando escrevo falo muito do São Pedro, quase tanto ou tanto como da senhora da Boa Nova.
Na última procissão, por sinal com muito pouca gente, tentei acompanhar o Santo Padroeiro da freguesia de Terena, tendo encontrado a antiga lavadeira Isabel Veladas, atrasei-me.
Sem deixar de avistar a procissão desci sozinho a Rua Direita, observando o seu declínio e refletindo a diferença que hoje faz do tempo em que eu era miúdo e a conheci.
Deparei com a uma placa de mármore branca que dizia “CASA DO POVO DE TERENA” e um pouco mais abaixo, com outra inscrição, “Rua 1º de Dezembro” altura, em que levado por uma estranha hesitação, deixei de acompanhar a procissão e, aqui tenho que pedir desculpa ao santo padroeiro, que decerto me desculpará e entenderá melhor que os humanos o meu abandono da procissão. 
 
CALÇADA Á PORTUGUESA

Dirigi-me ao Castelo pela travessa que vai por detrás das antigas escolas primárias, hoje a pousada denominada “CASA DE TERENA”, pisando o que escapou, daquele pavimento, á pobreza cultural dos dirigentes (des)governativos da freguesia ou do seu medo de se impor perante uma vereação desprezativa do nosso Património Edificado Cultural/Histórico, pisando friso a genuína calçada á portuguesa, que me conduziu até á barbacã.
Subi e entrei na torre de Menagem.
Observei e recordei o tempo em que acreditei que a minha freguesia sobrevivia às tempestades políticas, ao descalabro e desmantelamento das suas instituições.
Absorto nestes pensamentos desci pelo acesso ao torreão que está perto da Porta do Sol, onde este não penetra por estar sempre fechada.
Procurei sem encontrar a antiga cisterna, que fora soterrada para a realização das touradas e, levado por um inexplicável sentimento, parei, parecendo apoderar-se de mim um enorme cansaço, não um cansaço físico mas um torpor cerebral que me inibia de pensar e caminhar, qual pássaro apanhado em armadilha viscosa, que quanto mais se tenta libertar mais se prende.
Lentamente vindo da profundeza da terra ouvi um som cavernoso, que devido ao estado físico em que me encontrava não me assustou e, como por magia, vi a cisterna abrir-se e emanar um clarão que me obrigou a fechar os olhos.
Aquele som foi, lentamente, dando lugar a uma voz límpida e suave, deliciosamente agradável de ouvir.
Por esta mudança de sonorização e, julgando que a forte luminosidade tinha desaparecido, abri os olhos. Ao contrário da voz o clarão intensificou-se, fazendo-me curvar e levar as mãos á cara para me proteger.
Assim prostrado e completamente á mercê daquela misteriosa voz restava-me penas ouvir.
Ouvir o quê?   
Esta interrogação apavorou-me.
Certo é que no estado de espirito em que me encontrava era-me impossível reagir de outro modo.

 A luta política dos “Porcos”.

Sou a compilação imaginativa e lendária a quem chamaram Maria Francisca, a última lavadeira do Lucefécit.
Tal como a bruma que se apodera do cérebro humano e lhe entorpece o corpo, esfumei-me Segunda feira de Prazeres, para hoje me libertar do escrito onde me embrulhei e sair deste esconderijo, desta cisterna, que me recolheu durante o meu encantamento, para te comunicar a maldição que se abaterá sobre Terena.
A cegueira política irá através do tempo destruir esta bonita, histórica e pitoresca Vila, apesar de a virem a adjetivar de -A PÉROLA DO CONCELHO-.
Uma joia requer múltiplos e continuados cuidados e nunca o tratamento que lhe está e continuará a ser dado.
Os poetas e os prosadores, na sua cegueira literária continuarão a cantá-la, muitas deles para gáudio pessoal, outros por conveniência política, sem lhe abrirem as portas, sem verem Terena por dentro, pelo seu interior.
A Vila já perdeu o Concelho e o registo civil. Muito em breve perderá a Sociedade e o Club.
A antiga casa da Câmara cairá derrocada, sobre derrocada.
 Num golpe antidemocrático ficará sem a Casa do Povo,    que serve também a freguesia de Ferreira de Capelins.
Ao coletivismo sobrepor-se-á o individualismo num domínio de poucos, que acantonarão as vozes contrárias.
A terra destonada á Boa Nova será usurpada pela Junta de Freguesia.
Ninguém vê ou pior do que isso, não querem ver a ruína para onde caminha o Santuário da Boa Nova.
A maldição dos porcos abater-se-á sobre Terena.
A sua história continuará a ser atraiçoada por um poder retrogrado, amorfo incapaz de saber ler o seu passado
Só uma Fénix renascida poderá salvar esta, ainda, pitoresca Vila.

Quando senti uma aragem deliciosamente agradável, provocada pelo aperto do vento nas portas da barbacã, vindo da serra d’Ossa, a refrescar-me as faces e a aliviar-me o cérebro é que consegui sair daquele estado meio hipnótico.
O alívio cerebral fez-me voltar á realidade, á dúvida que me persiste e me persegue desde menino, do tempo em que ouvira falar da Maria Francisca, e, ao ver o estado caótico em que a freguesia se encontra, continuo a interrogar-me - Imaginação ou realidade – ou talvez a imaginação se vá transformando em realidade. 
Não acompanhei a procissão, mas ao entrar na igreja Matriz dei com o meu olhar nos olhos de São Pedro, que sorria entristecido.

Helder Salgado
 Terena, 15-11-2014

(Leitura completa do texto em  http://alsul.blogspot.pt/)




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