terça-feira, 21 de outubro de 2014

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


                                            Auctoritas

Terça, 21 Outubro 2014 09:54
Hoje apeteceu-me o latim. Eu sei, eu sei que isto é coisa lida e escrita por uma infinitesimal parcela da população mundial, nas universidades e nos seminários, de que ainda ouvimos por vezes ecos nas barras dos tribunais.
Mas isto também não quer dizer que a cronista, uma quase leiga nesta matéria, possa pensar que as e os ouvintes ou leitores da Diana FM se assustem com este ressuscitar do latim. (Se chegaram até aqui…) Uma língua de que os latinistas não aceitam, lá com as fortes razões que lhes assistem, a morte. E descambar assim a pena, que é como quem diz a tecla, para o latim não deixa de ser uma homenagem a estes estudiosos de uma língua tão imperial. A palavra escolhida, e o conceito que se lhe aplica, foi auctoritas.
Este termo não é traduzível e a portuguesa "autoridade" é apenas uma parte do significado da palavra latina. Da auctoritas também se trata, por exemplo, na literatura para se falar de textos muito antigos em que procurar-lhes a autoria não é questão de encontrar o indivíduo que teria feito o texto, mas os modelos que imitava, digamos assim, e que assumiam desta forma, enquanto auctoritas, a paternidade textual, sendo por isso aceites como seguindo uma regra validada.
A palavra auctoritas deriva, aliás, de auctor, que não o que é construtor mas antes o que inspirou a obra. Na base está um verbo que significa aumentar, desenvolver, fazer crescer, tornar mais forte alguém ou alguma coisa, pelo que aauctoritas, no seu sentido etimológico, tem a ver com exemplaridade, modelo, prestígio ou conselho. Auctor é assim o que promove com o seu exemplo e conselho o bem de uma coisa. Tão diferente da sua banalização traduzida em autoridade e que se mistura obviamente com poder. E que, além do mais, é treslida quer por tantos que a exercem abusivamente, quer por outros tantos que a julgam preconceituosamente quando bem exercida!
E é, por isso, que uma semana passada sobre o aniversário de Hannah Arendt, uma filósofa política que muito fez avançar sobre os conceitos de totalitarismo, relembro hoje definições de autoridade que aparecem em qualquer enciclopédia e que recolocam o termo no seu lugar, para que a ação corresponda à palavra: a autoridade é uma capacidade de influenciar os outros graças a uma certa superioridade por estes reconhecida;  é o direito de dar uma ordem, de tal maneira que o comando seja obedecido sem que seja questionado tal direito; é o poder que é aceite, respeitado, reconhecido e legitimado.
No direito romano, e para regressar ao latim, é definida por auctoritas uma certa legitimação socialmente reconhecida, que procede de um saber e que se outorga a alguns cidadãos. Exerce a auctoritas uma personalidade, ou instituição, que tem capacidade moral para emitir uma opinião qualificada sobre uma decisão. E se bem que tal decisão não seja vinculativa legalmente, nem possa ser imposta, tem um valor de índole moral muito forte. Parece mais difícil do que apenas dizer «quem manda aqui sou eu!».
Claudia Sousa Pereira

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