Educação e Crescimento
«Nem sempre são as ambições perniciosas que vencem. A ambição de alguns
homens pelo bem tem tido efeitos benéficos para a humanidade».
(em entrevista ao “Público”)
O valor da educação para o crescimento das economias reveste
uma realidade reconhecida facilmente. Daí, o facto de - um
pouco por todo o mundo - constatarmos a preocupação dos governos dos
países (em especial os mais avançados) em promover iniciativas e estratégias de
qualificação dos seus cidadãos: enquanto resposta à ideia que, no contexto de
uma economia alicerçada no conhecimento e com livre circulação de produtos e
factores de produção, a qualificação da mão-de-obra condiciona a posição dos
países no escalonamento internacional de trabalho e -
desta forma - o nível de vida dos seus cidadãos. Por outro
lado, a relação educação-crescimento pode ser olhada no sentido inverso: este
ângulo bem menos reconhecido, mas da mesma forma importante. Trata-se de
reconhecer que o aumento do nível de vida permite às famílias suportar o
elevado investimento em educação dos seus filhos (correspondendo aos custos de
frequência escolar mais a perda de rendimentos de trabalho durante o lapso de
tempo de estudos) e que gera as receitas fiscais necessárias à satisfação da
procura de educação (através da rede pública ou de transferências para as
famílias). O nível de desenvolvimento económico marca, assim, os investimentos
das famílias em educação, e desta forma, os níveis de escolarização.
Deparamos, portanto, com um “ciclo vicioso”, em que os
aumentos de qualificação são factor e efeito do crescimento da economia.
Uma análise redutora das complexas relações
educação-crescimento tem sustentado, entre nós, duas correntes
“imobilistas” - que julgamos injustificadas. A primeira
reconhece o papel da educação como factor de crescimento, mas atribui à
melhoria dos indicadores educativos a condição quase exclusiva (ou mesmo
exclusiva) do reinício da trajectória de convergência com os países mais
desenvolvidos. Segundo alguns, já fizemos «tudo o resto» que podíamos fazer
para crescer - já estabilizámos, já liberalizámos, já
privatizámos, já desregulámos - só
faltando a educação. E como as melhorias nesta vertente demoram, estamos
limitados, por largos anos, a que melhor cenário seja a «não divergência» com a
Europa. A consequência é o desânimo, a frustração, a inacção.
A outra corrente destaca a importância do desenvolvimento
económico para a promoção da educação, ficando o ritmo desta dependente
unicamente do ritmo daquele.
Coloca-se assim fora da esfera das políticas públicas,
qualquer iniciativa dirigida ao aumento da procura da educação, restando às
políticas educativas a gestão da oferta e uma atitude passiva perante os ritmos
de crescimento. Afinal, outra tendência para a inacção.
Perante estes caminhos sem saída, achámos pertinente
encontrar uma outra rota: em que a narrativa de um modelo de desenvolvimento
económico para Portugal seja capaz de compatibilizar duas ideias fundamentais.
A primeira ideia é que podemos potenciar o crescimento económico através de
múltiplas medidas (algumas de implementação e efeitos a mais curto prazo).
Aspectos, como a qualidade das instituições, a eficiência do sistema fiscal, o
grau de liberdade e transparência dos mercados, ou a capacidade de integração
da imigração qualificada, são condições essenciais no aumento de
produtividade - passíveis de promover e satisfazer (em alguma
medida no imediato): podendo-se mesmo destacar particularmente, a qualidade da
Justiça - esteio basilar na garantia contratual e no
funcionamento do mercado (cuja melhoria depende de factores que estão hoje (no
essencial) ao nosso alcance). Resumindo: nós temos que muito fazer com impacto
no curto e médio prazo.
A segunda ideia prende-se com a melhoria da qualificação
(papel central na estratégia de desenvolvimento): a verdade é que pouco vale
pensar em aspectos - como criação e transferência de tecnologias,
renovação ou organização, num contexto em que 80% da população activa não
completou 12 anos de escolaridade. É que é necessário um nível mínimo de
qualificação e competências nas empresas
- nos trabalhadores e sobretudo
nos dirigentes e empresários - para vislumbrar a noção da necessidade de
inovação tecnológica e organizacional, e para ser capaz de a absorver.
Desta feita, é possível (e provavelmente inevitável) que o
país venha a conhecer a acentuação de um processo de desenvolvimento dual, onde
coexistirão um “sector moderno” (com elevados padrões de produtividade e
competitividade) e um “sector atrasado”, incapaz de gerar os mesmos
rendimentos.
Mas mesmo este cenário, que terá custos sociais
elevadíssimos (mas que exigirá políticas de protecção adequadas), só será
possível com um esforço muito elevado de qualificação.
Para Fernando Medina (in
“Educação 2020”), o desafio estrutural fundamental da sociedade portuguesa para
os próximos anos, certamente até bem depois de 2020, é pois o da quantidade das
qualificações, e, em particular, como fazer aumentar essa quantidade
rapidamente. Este sentido de prioridade deve orientar os nossos esforços e
energias. Se, no passado foi privilegiada a coesão territorial e a construção
de infraestruturas, o futuro exigirá um claro objectivo de qualificação das
Pessoas: tomada de decisão política (e técnica)
- que implicará recursos
financeiros, bem como executantes corajosos e virtuosos - assente na construção de uma estratégia e
capacidade de gerar a massa crítica suficiente para sustentar uma acção firme,
consciente e determinada, numa área profundamente complexa e atravessada pelos
mais diversos tipos de conflitos de interesses, sejam de natureza ideológica,
de classe, de corporação ou outros.
O mundo conheceu, durante o último meio século, um
desenvolvimento económico sem precedentes. Tendo, porém, consciência de que o
modelo de crescimento actual depara com limites evidentes, devido às
desigualdades que induz e aos custos humanos e ecológicos que comporta,
julgamos pertinente definir a Educação não apenas de acordo, e na perspectiva
dos seus efeitos sobre o crescimento económico, mas preferencialmente numa
visão mais alargada: a do desenvolvimento humano.
Efectivamente, a Educação pode ser um factor de coesão, se
procurar ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos (a
origem cultural, social, a matriz psicológica e económica, o nível etário,
etc.) evitando tornar-se um factor de exclusão social. O respeito pela
diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui de facto, um
princípio fundamental, que deve levar à exclusão de qualquer forma de ensino
estandardizado.
Pretende-se uma Educação que
- alicerçada na oralidade, no diálogo, na leitura, na
escrita, no cálculo, no conhecimento, no despertar, no humanismo -
forme o Cidadão, o Homem integral
- capaz de assumir o seu papel de
Ser -
Agente construtor da sua História pessoal e da História colectiva em
Democracia verdadeiramente responsável: afinal, revestindo o crescimento do
próprio Homem.
Publicado in “O Montemorense”
Setembro 2014 Transcrito com a autorização do Autor
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