segunda-feira, 6 de outubro de 2014

COLABORAÇÃO DO DR. ALEXANDRE LABOREIRO

                                                 Educação e Crescimento
 «Nem sempre são as ambições perniciosas que vencem. A ambição de alguns homens pelo bem tem tido efeitos benéficos para a humanidade».
 Gustavo Soromenho
(em entrevista ao “Público”)

O valor da educação para o crescimento das economias reveste uma realidade reconhecida facilmente. Daí, o facto de  -  um pouco por todo o mundo  -  constatarmos a preocupação dos governos dos países (em especial os mais avançados) em promover iniciativas e estratégias de qualificação dos seus cidadãos: enquanto resposta à ideia que, no contexto de uma economia alicerçada no conhecimento e com livre circulação de produtos e factores de produção, a qualificação da mão-de-obra condiciona a posição dos países no escalonamento internacional de trabalho e  -  desta forma  -  o nível de vida dos seus cidadãos. Por outro lado, a relação educação-crescimento pode ser olhada no sentido inverso: este ângulo bem menos reconhecido, mas da mesma forma importante. Trata-se de reconhecer que o aumento do nível de vida permite às famílias suportar o elevado investimento em educação dos seus filhos (correspondendo aos custos de frequência escolar mais a perda de rendimentos de trabalho durante o lapso de tempo de estudos) e que gera as receitas fiscais necessárias à satisfação da procura de educação (através da rede pública ou de transferências para as famílias). O nível de desenvolvimento económico marca, assim, os investimentos das famílias em educação, e desta forma, os níveis de escolarização.
Deparamos, portanto, com um “ciclo vicioso”, em que os aumentos de qualificação são factor e efeito do crescimento da economia.
Uma análise redutora das complexas relações educação-crescimento tem sustentado, entre nós, duas correntes “imobilistas”  -  que julgamos injustificadas. A primeira reconhece o papel da educação como factor de crescimento, mas atribui à melhoria dos indicadores educativos a condição quase exclusiva (ou mesmo exclusiva) do reinício da trajectória de convergência com os países mais desenvolvidos. Segundo alguns, já fizemos «tudo o resto» que podíamos fazer para crescer  -  já estabilizámos, já liberalizámos, já privatizámos, já desregulámos -  só faltando a educação. E como as melhorias nesta vertente demoram, estamos limitados, por largos anos, a que melhor cenário seja a «não divergência» com a Europa. A consequência é o desânimo, a frustração, a inacção.
A outra corrente destaca a importância do desenvolvimento económico para a promoção da educação, ficando o ritmo desta dependente unicamente do ritmo daquele.
Coloca-se assim fora da esfera das políticas públicas, qualquer iniciativa dirigida ao aumento da procura da educação, restando às políticas educativas a gestão da oferta e uma atitude passiva perante os ritmos de crescimento. Afinal, outra tendência para a inacção.
Perante estes caminhos sem saída, achámos pertinente encontrar uma outra rota: em que a narrativa de um modelo de desenvolvimento económico para Portugal seja capaz de compatibilizar duas ideias fundamentais. A primeira ideia é que podemos potenciar o crescimento económico através de múltiplas medidas (algumas de implementação e efeitos a mais curto prazo). Aspectos, como a qualidade das instituições, a eficiência do sistema fiscal, o grau de liberdade e transparência dos mercados, ou a capacidade de integração da imigração qualificada, são condições essenciais no aumento de produtividade  -  passíveis de promover e satisfazer (em alguma medida no imediato): podendo-se mesmo destacar particularmente, a qualidade da Justiça  -  esteio basilar na garantia contratual e no funcionamento do mercado (cuja melhoria depende de factores que estão hoje (no essencial) ao nosso alcance). Resumindo: nós temos que muito fazer com impacto no curto e médio prazo.
A segunda ideia prende-se com a melhoria da qualificação (papel central na estratégia de desenvolvimento): a verdade é que pouco vale pensar em aspectos  -  como criação e transferência de tecnologias, renovação ou organização, num contexto em que 80% da população activa não completou 12 anos de escolaridade. É que é necessário um nível mínimo de qualificação e competências nas empresas  -  nos trabalhadores e sobretudo nos dirigentes e empresários  -  para vislumbrar a noção da necessidade de inovação tecnológica e organizacional, e para ser capaz de a absorver.
Desta feita, é possível (e provavelmente inevitável) que o país venha a conhecer a acentuação de um processo de desenvolvimento dual, onde coexistirão um “sector moderno” (com elevados padrões de produtividade e competitividade) e um “sector atrasado”, incapaz de gerar os mesmos rendimentos.
Mas mesmo este cenário, que terá custos sociais elevadíssimos (mas que exigirá políticas de protecção adequadas), só será possível com um esforço muito elevado de qualificação.
Para Fernando Medina (in “Educação 2020”), o desafio estrutural fundamental da sociedade portuguesa para os próximos anos, certamente até bem depois de 2020, é pois o da quantidade das qualificações, e, em particular, como fazer aumentar essa quantidade rapidamente. Este sentido de prioridade deve orientar os nossos esforços e energias. Se, no passado foi privilegiada a coesão territorial e a construção de infraestruturas, o futuro exigirá um claro objectivo de qualificação das Pessoas: tomada de decisão política (e técnica)  -  que implicará recursos financeiros, bem como executantes corajosos e virtuosos -  assente na construção de uma estratégia e capacidade de gerar a massa crítica suficiente para sustentar uma acção firme, consciente e determinada, numa área profundamente complexa e atravessada pelos mais diversos tipos de conflitos de interesses, sejam de natureza ideológica, de classe, de corporação ou outros.
O mundo conheceu, durante o último meio século, um desenvolvimento económico sem precedentes. Tendo, porém, consciência de que o modelo de crescimento actual depara com limites evidentes, devido às desigualdades que induz e aos custos humanos e ecológicos que comporta, julgamos pertinente definir a Educação não apenas de acordo, e na perspectiva dos seus efeitos sobre o crescimento económico, mas preferencialmente numa visão mais alargada: a do desenvolvimento humano.
Efectivamente, a Educação pode ser um factor de coesão, se procurar ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos (a origem cultural, social, a matriz psicológica e económica, o nível etário, etc.) evitando tornar-se um factor de exclusão social. O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui de facto, um princípio fundamental, que deve levar à exclusão de qualquer forma de ensino estandardizado.
Pretende-se uma Educação que  -  alicerçada  na oralidade, no diálogo, na leitura, na escrita, no cálculo, no conhecimento, no despertar, no humanismo  -  forme o Cidadão, o Homem integral  -  capaz de assumir o seu papel de Ser  -  Agente construtor da sua História pessoal e da História colectiva em Democracia verdadeiramente responsável: afinal, revestindo o crescimento do próprio Homem.
 José Alexandre Laboreiro

Publicado in “O Montemorense” Setembro 2014 Transcrito com a autorização do Autor



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