quinta-feira, 25 de setembro de 2014

COLABORAÇÃO DO DR. ALEXANDRE LABOREIRO

A propósito do livro “A Malta das Trincheiras” -   de André Brun

 «No enredo de relações entre os poderes criam-se muitas vezes nós górdios, impasses, choques insuperáveis. Avança então a sombra da guerra!»
 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes
(in “Portugal e a Grande Guerra”)

Vivenciamos um período que perfaz cem anos sobre a eclosão da Primeira Grande Guerra: conflito em que Portugal foi obrigado a participar  -  já por razões de defesa das colónias africanas (que corriam o risco de ocupação pelos alemães ou pelas potências aliadas  -  fosse qual fosse o vencedor do conflito), ou numa atitude de afirmação na defesa das ideias democráticas (lembrando-nos que vivíamos no regime  democrático da I República). Custou-nos a nossa participação na guerra, a mobilização de cem mil homens, e a perda (por morte na batalha ou desaparecimento) de cerca de dez mil soldados.
É certo que o Padre António Vieira, num dos seus “Sermões”, a certa altura pertinentemente acentua: «É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça ou não se tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a sua honra, o eclesiástico não tem segura a sua imunidade, o religioso não tem segura a sua cela, e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro.» Também é certo que Pedro Mexia (no “Expresso”) se refere à Primeira Grande Guerra, do seguinte modo: «A guerra trouxe mortandade, genocídios, desesperança, desumanidade. Houve soldados forçados a carregar estupidamente sobre o inimigo, caso contrário seriam abatidos pelos seus superiores. E a paz não acabou com todas as guerras, gerou apenas construções sofisticadas e ineficazes chamadas Tratado de Versalhes, República de Weimar ou Sociedade das Nações. (...) O historiador Norman Stone conta que um oficial superior do estado-maior, ao visitar o atoleiro de um campo de batalha, não conteve as lágrimas e perguntou: “Foi para ali que enviámos os homens?” »
Ora, é nesta mesma linha de pensamento que Paulo VI (in “Populorum Progressio”) se dirige às grandes potências mundiais, exortando: «Homens de Estado: incumbe-vos mobilizar as vossas comunidades para uma solidariedade mundial mais eficaz e, sobretudo, levá-las a aceitar os impostos necessários sobre o luxo e o supérfluo, a fim de promoverem o desenvolvimento e salvarem a paz. Delegados às organizações internacionais, de vós depende que perigosas e estéreis oposições de forças dêem lugar à colaboração amiga, pacífica e desinteressada, a favor de um desenvolvimento solidário da humanidade, onde todos os homens possam realizar-se (...) Seguindo o exemplo de Cristo, ousamos pedir-vos: “buscai e encontrareis”. Abri os caminhos que levam, pelo auxílio mútuo, a um aprofundamento do saber, a ter um coração grande, a uma vida mais fraterna numa comunidade humana verdadeiramente universal.»
Ora, quanto a nós, a promoção social (a concepção de todo o Homem enquanto Pessoa) só será realidade quando em todo o mundo os seres humanos forem na íntegra reconhecidos como Pessoas  -  mediante uma verdadeira Democratização, um autêntico Desenvolvimento e uma credível Descolonização (atendendo a que assistimos a um Presente Histórico que pouco augura de inversão política, económica, cultural e social num Futuro, que desejaríamos promissor): e a prova está na aflição (a todos os níveis) das Redes Sociais ao longo do Planeta.
O Ser Humano deve ver no outro de sua espécie, alguém com direitos e deveres semelhantes aos seus, na medida em que (no âmbito do Cristianismo) todos os Homens são Irmãos em Cristo: ou não invocasse a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todos os Homens nascem livres e iguais em direitos (e dignidade  -  acrescentamos nós).
Ora, no tecer da História, descobrimos os despoletadores da guerra e as vítimas da violência do inimigo que abriu o conflito: e Portugal, de 1914 a 1918, foi obrigado a defender a integridade física, política, económica e identitária do País, como compreendemos numa endopatia histórica (isto é, situando-nos na época). E a prova mais saliente dessa compreensão da política dos estadistas republicanos, da altura, está na edificação dos Monumentos aos Mortos da Grande Guerra (ao longo do País), e na edição recente de uma série de Estudos Históricos alusivos à Primeira Grande Guerra e à participação portuguesa no conflito mundial, de verdadeira pertinência se atendermos à escassez de obras de referência histórica ao primeiro conflito de repercussão planetária.
E o livro “A Malta das Trincheiras”  -  de André Brun  -  tem como fundo temático, precisamente a participação portuguesa na guerra (sobretudo, na Flandres  -  norte de França)  -  obra de fina objectividade, com uma linguagem escorreita, de raro conhecimento do humano, de invulgar capacidade de apreensão dos factos, das sociedades, das mentalidades, do significado das operações militares; porém, a faceta do livro que mais me “agarrou”, foi a beleza estética da escrita  -  ou André Brun não nos deixasse igualmente (noutro campo temático, claro!) obras de teatro e argumentos de filmes como a “Maluquinha de Arroios” e a “Vizinha do Lado”.
Diga-se, porém, que André Brun participou na I Grande Guerra (integrado no Corpo Expedicionário Português), com a patente de Major  -  a comandar o Batalhão de Infantaria 23  -  manifestando o propósito de (no cumprimento do dever cívico, patriótico e operacional) considerar cada soldado um amigo: situação que os soldados sentiam, vendo nele um chefe que sabia ser companheiro de armas. Incutia nos soldados patriotismo democrático, responsabilidade, civismo, heroísmo, companheirismo, garbo  -  e afirme-se que André Brun regressou a Portugal (após longas lutas, dificuldades, trabalho nas trincheiras, operações de “raids” em campo inimigo, respostas de tiro em casos de pressão inimiga) sem uma única baixa no seu batalhão; registe-se que o batalhão de André Brun esteve quase toda a missão militar, na vanguarda: porém, ele contava com a solidariedade, a amizade, o “profissionalismo”, o espírito de responsabilidade dos seus companheiros.
E André Brun designava os seus soldados (oriundos do português da província, da clase popular, na maioria analfabetos, mas dotados de espírito desenrascado e inteligente  -  a toda a prova) por “Folgadinho”. Era assim o “Folgadinho”  -  o típico soldado nosso  -  como Brun o designava. Soldado que cativava as raparigas francesas (que fingiam evitar as suas alarvices, com um discreto “esteja quieto!”, em português mal entoado).
André Brun também era altamente considerado na população francesa: ao ponto de uma senhora de idade que, na altura de despedida, chorava copiosamente (com a sinceridade da atitude de senhora em reservar uma fotografia da filha de André Brun, numa redoma de vidro, junto a um crucifixo).
Brun, na “Malta das Trincheiras” não deixaria de registar a atitude dos seus soldados  -  ao chegarem a uma cidadezinha francesa devastada pela artilharia alemã  -  de designarem uma imagem da Virgem Maria encontrada intacta nos destroços da igreja da pequena cidade, após a colocarem em lugar digno, por “Nossa Senhora das Trinchas”  -  colocando aos seus pés, enquanto ali permaneceram, implorando protecção, imensos ramos de flores.
No Prefácio do livro (que nos oferece cerca de trinta curtas histórias vividas pelos nossos soldados durante o conflito) José Jorge Letria anota: «O maior mérito de “A Malta das Trincheiras” reside talvez no facto de não estarmos em presença de uma narrativa épica onde o sofrimento e a morte foram a regra trágica de cada dia, mas sim de uma humaníssima abordagem do comportamento humano feita com raros humor, sensibilidade e respeito pela dor e pela dignidade do ser humano. Poucas narrativas de guerra, nos países em que viveram o trágico conflito, têm estas características. Isso deve-se ao facto de André Brun  (...) ser um talentoso cronista do quotidiano pequeno-burguês e não um dramaturgo dos grandes temas da vida e da morte como foram Paul Claudel ou Jean Anouilh.»
Edição da “Guerra e Paz”, adiantamos nós.

José Alexandre Laboreiro


1 comentário:

Anónimo disse...


OBs.


Enquanto visitante do Al tejo, sinto

todo o orgulho e respeito pela

qualidade e pela densidade desta

abordagem critica, à obra de André

Brun sobre"Malta das Trincheiras".

da autoria de JALaboreiro.

De facto, e tanto quanto sabemos,

trata-se de uma narrativa especial

e única com "uma elevada carga de

sensibilidade humana

e mística" relatando partes muito

belas da nossa participação na I

Guerra Mundial.

Tanto mais que a incursão

portuguesa na guerra, teve tudo

para nos correr mal. E, de certa

maneira, assim aconteceu, excepção

feita, ao entendimento,descrição e

leitura que Andre Brun entendeu

deixar-nos da qualidade e da

sensibilidade do Homem Português e

dos soldados portugueses que

souberam estar à altura dos mais

diversos confrontos, extremamente

desiguais que fomos travando em

defesa da nossa Pátria.

Na condição humana de cidadãos de

um Mundo que andava a fazer a

guerra sem cuidar que aquilo que os

seres humanos mais querem é a paz e

a solidariedade permanentes.

Bem haja,JAL


Melhores saudações


ANBerbem

aos demais portugueses que souberam

estar com ele