Desd´o Rossio à
Estação
Do Castelo Ao Bairro
Novo,
A Marcha de S. João
Anda na boca do povo!
Desd´os Chões a S.
Vicente,
Andam cantigas no ar;
Nesta Marcha,
alegremente,
Vai Montemor a passar.
Está visto. As Memórias de Junho hão-de ser um mosaico
inacabado de versos populares, á mistura com as observações que nos ocorram e
as reflexões que julgarmos pertinentes.
Os versos saíram, há já alguns anos, da inspirada pena de
poetas da nossa terra, a propósito das Festas dos Santos Populares. Não nos
preocupamos com ordens cronológicas nem arrumações de outro tipo. Escolhemos,
um tanto ao acaso, algumas estrofes cuja musica ainda tilinta nos nossos
ouvidos e, por certo, no de muitos montemorenses. Alguns dos estimados leitores
lembrar-se-ão do estribilho desta mesma Marcha:
Menina se quer marchar,
Convide já o seu par,
Venha p´rá Marcha
depressa,
Qu´a noite de S. João,
Um arquinho e um balão
Faz-nos perder a
cabeça.
Estas Festas
populares,
Com seus alegres
cantares,
Têm sabor especial.
Venha saltar a
E andar a noite
inteira
A bailar no arraial.
(…)
1958
Se recuarmos umas décadas, não havia rua nem praça onde não
se acendesse uma fogueira, nem colectividade que não organizasse a sua
quermesse/arraial. Também, durante muitos anos, não faltarão as Marchas
Populares.
Olhem a Carlista, como
vai
Meu Deus, ai! ai!
Formosa e tão bonita!
Com a sua Marcha
Popular,
Balões no ar
E vestidos de chita!
(…)
Nicolau Catita, 1966
Noite de fogueiras era altura de afastar azedumes, de mandar
ás urtigas as dificuldades do dia-a-dia.
Perdem-se no tempo as origens das Festas dos Santos
Populares. Uns advogam que estas festividades mergulham as suas raízes nas
“Maias” ou que são a versão portuguesa das “Festas Juninas”.
No que toca propriamente ás Marchas, há quem alegue que elas
são uma importação vinda da França,
inspiradas nas chamadas “Marchas aux Flambeaux”. Em vez dos archotes
revolucionários dos franceses, em Portugal optou-se por arcos alegóricos e
balões de papel iluminados.
Foi no inicio do Estado Novo que as Marchas ganharam um
importante fôlego. Em 1932, realizou-se em Lisboa o 1º Concurso de Marchas
Populares. O espectáculo parecia agradar ao regime, já que continha
ingredientes capazes de captar a atenção dos lisboetas. Consta que a ideia
partiu de Leitão de Barros, homem próximo de António Ferro, responsável pela
propaganda e pela politica cultural do governo da época.
Por cá, sem pensar em regimes ou politicas culturais,
juntavam-se os vizinhos, os amigos, e, a espaços, aqueles que passavam a noite
a saltitar de fogueira em fogueira, de arraial em arraial.
Em tempos de vacas magras, não deixava de haver, nalguns
lugares, os tradicionais comes e bebes, que ajudavam a sobreaquecer as já de si
quentes noites de Junho: umas sardinhas assadas, uns copos de vinho ou, á falta
de outra coisa, uma saborosíssimas favas fritas.
Aqui, como já referimos, as Marchas Populares tornaram-se,
durante anos, pratica corrente. Umas vezes da responsabilidade da Carlista,
outras vezes da Pedrista ou de outras Associações como os Bombeiros, os
desfiles eram frequentemente organizados em prol de Instituições locais.
Momentos houve em que o ambiente festivo foi ensombrado por
acontecimentos trágicos. Em 1958,
a Marcha de S. João, integrada nas Festas da Pedrista,
teve de esperar pelo dia de S. Pedro para sair á rua. Nesse Verão quente,
Montemor vivei horas conturbadas. Junto à Câmara Municipal, foi assassinado, a
tiro, José Adelino dos Santos.
Em situação normal, o tempo era de festa. Moradores e
moradoras enfeitavam as respectivas ruas com balões, bandeirinhas e flores de
papel colorido. Outros decoravam com cravos e quadras populares, e vasos de manjerico. Outros ainda
montavam pequenos bazares, onde se trocavam rifas por frascos vazios e outras
velharias. Sempre se faziam uns tostões! Os mais novos rumavam em direcção ao
Castelo ou campos em redor, de onde arrastavam paus e pasto seco para alimentar
as fogueiras.
Momento ansiosamente aguardado,
Em especial pelas
solteiras, era a chegada, quase apoteótica do Zé Pereira Penteado (O Zé) e do
Francisco Abílio Cara Linda (O Chico), que vinham carregados de alcachofras.
Pouco dados a matemática e a gestão, o negócio tinha contornos singulares. Por
vezes uma alcachofra custava quase tanto como uma molhada de violáceas flores.
O desfile das Marchas era um dos pontos altos da festa. As
cantigas evocavam habitualmente os três Santos Populares ou falavam das ruas e
de outros motivos tipicamente montemorenses:
Olh a Rua da Bandeira,
Que não tem bandeira
alguma!
Também na Rua das
Ricas,
Não há lá rica nenhuma.
Chamaram Rua Direita
À mais torcida que há,
E a Rua da Parreira
Nem uma só uva dá!
(…)
Manuel Justino/António Pinto Sá – 1969
Cada grupo de marchantes, vestindo de igual, arranjava os
seus trajes. Inicialmente elas primavam por usar uma flor no cabelo, blusa com
folhos, coletinho apertado, saia rodada e garrida, a contratar com as cores do
avental. Eles levavam calças e camisa, cinta e laço ao pescoço.
Os arcos eram engalanados em casa ou nas colectividades.
Antes da moda das pilhas, o pessoal socorria-se de velas acesas em copos de
lata. Volta não volta, lá ardia o arco e o balão.
Além de marchantes, músicos e poetas, desempenhavam papel de
relevo, também os ensaiadores e os directores das colectividades, que
incentivavam os associados a manterem estas e outras tradições.
Quando se fala de Marchas Populares, há nomes que se colam
de imediato a esta realidade. É o caso do Padre David Ramos Fernandes ou de
músicos/maestros como Nicolau Catita e António Pinto de Sá. Das letras
encarregavam-se Maria Joaquina Oleiro, Celestino António, e Manuel Justino
Ferreira, que, com o seu repentismo e a sua genialidade, tão bem souberam
pintar, com palavras, Montemor. Muitos outros se empenharam entusiasticamente
na realização das marchas, que ainda perduram nos nossos sentidos.
Esta é Praça
E quando passa
O Povo diz
Que já namora…
Sempre a cantar,
Tem no olhar
O ar feliz
De quem lá mora
(…)
Manuel Justino/ Nicolau Catita, 1966
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades. Não
conseguimos ficar indiferentes, quando, há dias, passávamos os olhos por uma
edição já antiga da Folha de Montemor. Em 1990, o jornal dava conta da difícil
tarefa que era organizar as Marchas. O texto soou-nos a uma espécie de canto do
cisne, mas, por outro lado, a um moderníssimo “Yes,we can”! Aqui vai um excerto
da notícia: “ Afinal sempre houve marchas. Ultrapassadas barreiras
aparentemente intransponíveis, vencidos cepticismos que vinham sabe-se lá de
onde e porquê, as cores dos girassóis enfiaram-se num mar de gente e, aí, todos
acreditaram. Ver para crer, como dizia o velho e gasto Santinho puxado agora á
conversa sem nada que ver com os Santos Populares.
Ver para crer. Mas fazer para ver, isso é que é mais
complicado!”
Convém sublinhar que, nesse ano, as Marchas contaram com a
musica de João Luís Nabo, arranjos de José Amaro Sargaço e versos de Celestino
António e Manuel Justino Ferreira. A coreografia esteve a cargo de Joaquim José
Barras.
Terminamos com uns versos de Celestino António, alusivos à
Pedrista:
Nesta Marcha tão
bairrista
Vai a cantar a
Pedrista
Enquanto a noite
flutua!
Lá no céu até à lua
Já sabe a letra de
cor!...
É noite de lua cheia
E essa enorme candeia
Dá mais luz a
Montemor!
(…)
Celestino António/ João Luís Nabo 1990
Até breve
Vítor Guita
Transcrito do
Montemorense, edição de Junho, com a devida autorização do Autor
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