Sexta, 13 Junho 2014 08:21
Cavaco Silva discursou. Alguns comentadores de serviço
vieram tentar decifrar o que disse o Presidente da República. Os outros,
também! Mas uns disseram uma coisa, outros disseram outra. O que de comum
vieram dizer foi que Cavaco Silva veio novamente apelar a um acordo tripartido,
isto é, a um acordo plurianual entre os três partidos que têm sido Governo.
O que parece estar em causa, do ponto de vista do Presidente da
República, é que, fechado o programa de ajustamento e com a Troika a mandar
menos, é tempo de os partidos que costumam formar maiorias se entenderem num
conjunto de matérias fundamentais para o futuro do país. Portanto, PS, PSD e
CDS devem equacionar os pontos em que se podem entender, encontrá-los,
destacá-los, isolá-los e fechá-los. De preferência assepticamente, de molde a
não poderem ser contaminados nem poderem contaminar outros. E, isso, até
Outubro próximo.
Perguntar-se-á: é realista apelar agora a esse acordo? É
sempre tempo de se poder chegar a um acordo de natureza política quanto ao
futuro do país. Mesmo com o PS no estado em que está? Eu diria: sobretudo com o
PS no estado em que está, precisamente porque podem os militantes do PS
discutir agora essa matéria. Portanto, o problema até poderia não estar no PS.
A questão pode é ser outra: quererá verdadeiramente o PS, pós-clarificação
interna, firmar um acordo com a maioria antes de serem realizadas eleições
legislativas?
E pelo lado da maioria? Estarão o PSD e o CDS disponíveis
para um acordo com o PS pós-clarificação interna? Em princípio, sim. Se as
coisas correrem mal, parece óbvio. Mas se ambos os partidos estiverem a contar
com melhorias acentuadas na economia e, portanto, a querer elaborar um
Orçamento de Estado para 2015 claramente diferente de todos os que
anteriormente fizeram, o acordo poderia até ser uma forma de manietar o PS.
A ser assim, parece ter sido o PS o principal destinatário
do discurso de Cavaco Silva.
A questão não deve, no entanto, ficar por aqui. Talvez
toda a gente ache que um acordo tripartido é a solução. Mas, independentemente
do que poderão os partidos querer, será mesmo desejável um acordo tripartido
para o país? E que matérias deve esse acordo tripartido incluir? Apenas
questões económico-financeiras? Apenas questões orçamentais? E os parceiros
sociais, devem ficar de fora? Pois é! Há tantas questões que podem ser
colocadas que, das duas, uma: ou não haverá nunca um acordo ou o acordo que
vier a existir poderá acabar por ser tão reduzido que, afinal, não passe de um
“acordinho”. Quando já se veio propor uma simples alteração cirúrgica à
Constituição, de maneira a integrar as obrigações do chamado Tratado
Orçamental, como solução para o problema, tudo pode vir a ser possível!
Mas se o acordo tripartido, de tão restritivo, for mesmo
um “acordinho”, não deixará livre o flanco da contestação para que outros
partidos ou novas forças políticas o possam aproveitar? Imagine-se, por um
momento, que o PS tinha integrado o Governo em 2011, juntamente com o PSD e o
CDS, como tantos defenderam. Qual teria sido o resultado das eleições europeias
do passado dia 25 de Maio? E com que consequências? E, numa segunda leitura,
teriam sido mesmo más?
Pôr o PS, o PSD e o CDS de acordo na tomada de medidas
difíceis comporta, na verdade, alguns riscos. Para os minimizar, poderia
alargar-se o acordo a mais participantes (aos parceiros sociais) e a mais
matérias (como, por exemplo, à reforma do sistema político e à revisão
constitucional). Para isso, era preciso que o Presidente da República tivesse
ido mais longe. Não no dia 10 de Junho de 2014, mas algures em 2011, quando
ficou contente por ter visto Sócrates sair e antes de ter ficado contente por
ter visto a maioria PSD-CDS ganhar. Agora, parece-me já ser tarde. Talvez
consiga ainda um “acordinho”, o tal “acordinho”. Mas, a solução para o país já
não passa por ele e duvido mesmo que passe pelos actuais protagonistas. Receio,
creio mesmo, que a próxima nova oportunidade só vá surgir depois de eleições
legislativas e muito provavelmente sem qualquer intervenção marcante do
Presidente da República.
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 11 de Junho de 2014
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