Sexta, 06 Junho 2014 07:42
Era uma vez uma República que tinha uma Troika, um
Governo, uma Oposição e um Tribunal Constitucional. Todos os anos, lá para
Outubro, o Governo propunha Orçamentos do Estado e, todos os anos, à Oposição,
minoritária, só lhe restava votar contra e usar a única arma política de que
dispunha: pedir a inconstitucionalidade das normas que lhe parecia serem contra
a Constituição. E, todos os anos, por alturas da época estival, o Tribunal
Constitucional brindava a Oposição e os que haviam sido prejudicados pelo
Orçamento do Governo, com o anúncio de uma ou mais inconstitucionalidades. O
Governo, respondia como podia, vendo-se obrigado a encontrar medidas
substitutivas e de igual alcance orçamental.
Em 2014, o Tribunal Constitucional, para gáudio da oposição e não só,
voltou a declarar inconstitucionais várias medidas do Orçamento do Estado, em
vigor ia para seis meses. Como se previra, com o anúncio destas últimas
inconstitucionalidades, logo apareceram as esperadas reacções. Mas, desta vez,
o Governo e os partidos do Governo voltaram a surpreender ao dramatizarem muito
mais a resposta do Tribunal Constitucional. Já em anos anteriores também haviam
sido os partidos do Governo a surpreender ao declararem sentir-se
surpreendidos, quando o Primeiro-ministro, quando fora eleito Presidente do seu
partido, tinha como principal bandeira exactamente a da revisão constitucional
e o, agora, Vice-Primeiro-ministro era o Presidente do único partido que havia
votado contra a Constituição da República...!
Todavia, todos naquela República sabiam que boa parte da
responsabilidade das recentes inconstitucionalidades – e de outras – eram, não
apenas do Governo em funções como de outros Governos anteriores e também do
Tribunal Constitucional. De facto, os sucessivos exercícios de contorcionismo
que os Governos tinham vindo a empreender para poderem conformar as suas
decisões políticas à Constituição da República e as sucessivas respostas,
igualmente resultado de laboriosos exercícios de contorcionismo que os
colectivos de Juízes do Tribunal Constitucional tinham também vindo a dar,
pareciam estar a conduzir a República para uma espécie de beco sem saída.
Mas diziam muitos que, encetar um debate em torno do que é
e do que deve ser o Tribunal Constitucional exactamente no momento em que este
contraria o Governo, nunca fora boa opção; fazê-lo quando, ao mesmo tempo,
poderia a Assembleia da República assumir poderes constituintes, isto é,
poderes para rever a Constituição, e não lutar por uma revisão profunda da
mesma, era revelador do poucochinho da polémica! De facto, considerar como um
combate perdido a circunstância de não haver maioria suficiente para o ganhar
imediatamente é, na verdade, curto, já que quando as ideias são virtuosas, elas
são vencedoras e, por isso, o combate pagará. E, no entanto, todos sabiam que,
mais cedo ou mais tarde, esse debate se iria fazer e a Constituição, rever.
Será, então, nessa altura, que a República, à semelhança e de par com a
repetidamente anunciada e nunca começada Reforma do Estado, perceberá o tempo
perdido e o mal que, também por esta via, lhe foi infligido.
Mas a dramatização que o Governo e os partidos do Governo
fizeram nesse ano de 2014, levou o sábio povo dessa República a pensar que a
verdadeira razão dessa dramatização estaria nas eleições legislativas do ano
seguinte. E a pensar que, afinal, o objectivo do Governo era o de evitar a todo
o custo que o Orçamento do Estado para 2015 contivesse uma única norma
inconstitucional. Porque o que o Governo não iria querer, nesse Verão de 2015, em
vésperas de eleições, era ser apanhado em contrapé. Daí a
persistência em querer conhecer o pensamento do Tribunal Constitucional.
Conhecendo-o, já poderia, então, elaborar um Orçamento do Estado usando
integralmente os argumentos do Tribunal. De resto, a antecipação de
determinadas medidas legislativas para que pudessem ser, o quanto antes,
constitucionalmente fiscalizadas, sustentava e confirmava a tese do sábio povo
desta República.
E foi assim que o Orçamento para 2015 foi aprovado. E que
a oposição repetiu, uma vez mais, o seu papel. E que, uma vez chegados ao Verão
de 2015, o Tribunal Constitucional declarou o Governo ... Constitucional.
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 5 de Junho de 2014
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