sexta-feira, 27 de junho de 2014

COMO A MORTE DE UM GATO NOS CONDUZ A UMA MUITO SÉRIA REFLEXÃO - UMA HISTÓRIA DO HELDER.

                                     A morte do gato branco

Certamente se interrogaram e riram ao ler este título.
Também tive essa sensação, mas pelo que pensei em desenvolver acerca da minha ligação com o animal achei que o título ficaria de acordo com o que ia escrever.
O leitor o julgará.
Li, há sessenta anos, numa revista intitulada “O Mundo de Aventuras”, que eu todas as semanas comprava na barbearia do Barradas, o grande trompete da orquestra Bass, no Alandroal, que os gatos pretos davam azar.
Este gato era branco, todo branco.
Parecia até que não era filho da mãe, pois esta tem várias cores, além do branco e, segundo muitas pessoas, já com certa idade lhe dão o nome de “Mourisca”.
Tenho refletido nesta palavra “Mourisca”, e não vejo outra lógica, senão esta, que os gatos multicolores pertenceram a alguma raça, deixada no nosso país pelos árabes.
E, aqui este gato começa a ter, por analogia, alguma semelhança com os humanos, não só na cor ou raça mas no comportamento.
Há gatos, tal como as pessoas, maus e bons.
Este não era mau, mas ao minino descuido lá ia um peixe ou uma presa de carne (comi algumas açordas secas, por ele ter rapinado o bacalhau). Era o seu instinto felino, instinto de gato, que nele não lhe ficava mal, mas nos humanos é severamente condenável.
Quando chego ao Alentejo, a qualquer hora da noite, ou por conhecer o trabalhar do motor ou pela fixação das luzes enquanto abro o portão, já ele estava a espera frente á porta da cozinha.
Sabia por estar habituado que lhe levaria os restos de comida caseira, que tanto apreciava e lhe tirava, penso eu, o enjoo da ração que sempre tem para comer na minha ausência.
Habituara-me, logo de manhã, ao abrir a porta da cozinha a estar na varanda á minha espera e a acompanhar-me no lajeado e até á cave  
Comecei-o a sentir que estava a entrar num estado de saúde débil, tal como o tio dele, outro gato, este pardo, que me acompanhava, dentro da tapada, para todo o lado.
Um dia subi acima de uma oliveira para colher azeitonas para pisar e retalhar, o gato subiu também.
Estes gatos nascidos na minha propriedade, penso que são meus e por isso lhe dedico uma afeição diferente dos outros, embora quando algum estranho se aproxima na hora da comida também coma, que eles no seu instinto tentam corresponder.
Quando lhe sirvo a comida, levantam o olhar, uma ou duas vezes, enquanto comem,
procurando  cruzá-lo com o meu, sinal de reconhecimento e carinho pela minha ação de
lhe dar a comida.
Quando da morte do tio como agora na do sobrinho estava no Alentejo e, pode comparar o seu sofrimento. O tio desapareceu durante alguns dias aparecendo muito magro e sem conseguir comer. O gato branco, o sobrinho começou a emagrecer e a comer cada dia menos.
Comecei a observá-lo com a atenção que me pareceu adequada.
Notei que tinha um abcesso já rebentado na garganta.
- Branco, branco -, era assim que o chamava para comer e vinha.
Olhava para a comida e não comia. Um, dois, três dias e nada. Fui buscar leite, chamei-o, veio mas não bebeu.
Quando passava por ele ou quando passo pela mãe ou uma sobrinha que entretanto nasceu, dou-lhes sempre uma palavra, que eles correspondem com um ”miau, miau”.
Notei, porque de perto o observava, que a sonorização do seu “miau” de resposta, não lhe saía pela boca mas sim pelo rompimento da garganta. E, quanta gente há com este sofrimento.
O gato no antepenúltimo dia da sua aflição subiu a uma cadeira de fundo de buinho, com encosto para os braços, que está na cave, lugar onde entram á vontade e onde estou largo tempo com eles, Ao vê-lo subir tive a sensação que queria morrer ali.
Chamei-o para lhe dar o leite que, como já disse. não bebeu. Veio com grande dificuldade no andar.
Aprovei e fechei a porta da cave para lá não morrer.
Na manhã seguinte, com grande surpresa minha tinha subido os degraus do varandim e estava deitado á porta da cozinha.
Chamei-o no sentido de o fazer descer os degraus não fosse morrer ali.
Já não mexia a cabeça, só olhava. Fui buscar uma saca, não par o meter dentro, mas para o levar em cima da saca.
Assanhou-se e conseguindo alguma força desceu as escadas, para logo se deitar.
Pensei que seria ali o seu fim mas não. Voltei a abrir a porta da cave e quando novamente por ele fui ver, tinha descido a rampa e estava deitado á entrada da cave.
Ainda falei para ele mas já nem olhos para mim virava. Preferi não mais o chamar, pensando que morreria ali.
Naturalmente o estado de saúde do gato branco fazia parte das minhas preocupações e no outro dia logo de manhã desci á cave.
Nova surpresa o gato estava deitado na cadeira. Voltei a falar para ele e ainda cruzou os olhos com os meus.
Cerca das três da tarde já não tinha vida.
O gato branco, ainda que fosse preto não me deu sorte nem azar, porque aquela tal como o meu amigo Galante diz dá muito trabalho a ganhar, apenas me deu a possibilidade de escrever estas linhas.
Na reflexão que fiz ao procedimento do gato fiquei com uma certeza, - o animal quis morrer no ambiente onde sempre fora bem tratado -, talvez como a sua última forma de agradecimento.
Numa outra reflexão mais elevada e tendo presente o estado embrionário de vida, terminado com o aborto e, pela razão de semelhança da doença do gato branco em fase terminal de vida, com os humanos, atrevo-me a deixar esta pergunta: - Porque não será referendada, tal como aquele, a eutanásia?

Helder Salgado

Terena, 15-06-2014.

3 comentários:

Anónimo disse...

este texto revela muita sensibilidade para com os animais

Anónimo disse...



Agradeço a partilha deste tão
SENTIDO E COMOVENTE DESABAFO !

Sei o que sente..., e do que fala, porque também tenho uma "cãzinha"...



Anónimo disse...

Não me surpreendendo, o Helder manifesta assim o seu "lado" humanístico. QUE O TEM.
Foram outros os percursos de proximidade com tudo o que nos estava próximo, naqueles tempos.

É o manifesto da tua sensibilidade, de hoje e de ontem, com tudo o que te rodeava.

BEM SEI.

Gostei Helder

Tói da Dadinha