Terça, 10 Junho 2014 10:39
Prosseguindo às voltas e em volta do conceito de cultura,
neste dia de Portugal, falarei sobre a cultura da solidariedade, algo que
podendo ser inerente à bondade quase inata das pessoas, também se pode ensinar
e tornar-se uma prática civilizacional na organização de uma sociedade
evoluída.
De certa forma, este cultivar da solidariedade, surgiu-me a propósito de
alguns assuntos recentes, sendo um deles o facto de se terem passado e
assinalado os 70 anos do desembarque na Normandia, Dia D que marca a solidariedade
dos povos aliados e que queria aqui simplesmente evocar.
A solidariedade às vezes parece-se com os almoços, que
nunca são de graça. E tal como a caridade está para o estado social, também o
antepassado mais comum da solidariedade se pode confundir com o conceito, por
exemplo, de favor. Relações que hierarquizam forças entre quem pode mais e
menos, mas de forma não absoluta, isto é para sempre, mas circunstancial, ou
seja, em diferentes momentos da vida. É esta declinação do conceito de
solidariedade que o autor francês das fábulas La Fontaine evoca quando
escreve "Há que, na medida do possível, prestar favores a toda a gente:
quantas vezes não precisamos de quem é menos do que nós."
Este princípio da solidariedade que existe também entre os
Estados, por exemplo da União Europeia, mesmo quando em alguns desses Estados
se implementem políticas neoliberais que põem em causa o próprio papel do
Estado, faz com que todos contribuam para uma espécie de conta, com quantias
dependentes das diferentes situações económico-financeiras de cada um, de forma
a que, quando um deles atravessa um período de crise, todos os outros
contribuam para essa situação de emergência. Foi o que até Portugal fez, em
relação à Grécia ou, numa escala maior que a europeia, aquando da tragédia do
tsunami na Tailândia também várias nações contribuíram para ajudar aquele país.
Claro está que estas doações são feitas partindo do princípio que aqueles a
quem é doado se empenharão em recompor-se, até porque aquilo que damos agora
pode fazer-nos falta mais tarde e devemos esperar para além da solidariedade a
reciprocidade. É aqui que entra a história dos almoços que nunca são grátis…
Tudo isto parece-me simples de entender, quando o caminho
é evitar que haja os cada vez mais pobres e os cada vez mais ricos. As pinturas
murais do tempo do PREC eram muito claras em relação a esta espécie de justiça
social, ainda que só se referissem ao primeiro movimento de dar e não ao outro
de retribuir. E refiro-me em particular às frases como «os ricos que paguem a
crise» da extinta UDP que têm agora um outro discurso mais elaborado, mas que
todos continuamos a perceber, que é o de taxar as grandes fortunas.
Está bom de ver que quando se dá alguma coisa a alguém se
investe nesse alguém ou no relacionamento que se tem com esse alguém,
esperando-se a dita reciprocidade. Por isso nos indignamos quando vemos a
Alemanha a indispor-se quando tem de ajudar a Grécia ou Portugal, como se nós
com esse dinheiro não fossemos até comprar produtos exportados pela Alemanha. O
que é estranho é ouvir da boca de certos governantes que entendem que os
governos que estão mais folgados não estão naturalmente dispostos a ajudar
aqueles que, por razões várias e nem sempre de responsabilidade própria, têm
menos capacidade de governar para que os seus cidadãos tenham o mesmo bem-estar
social que os outros. Mas aconteceu.
A Câmara de Évora esteve presente na discussão de uma
proposta do Governo sobre a criação do Fundo de Apoio Municipal, um fundo que
servirá para os municípios recorrerem em caso de dificuldade e para o qual
contribuirão os municípios e o estado central. Na discussão, que ainda decorre,
as partes ou dotações que cabiam a uns e a outro eram visivelmente
desequilibradas, sobretudo quando pensamos em autarquias que se substituem ao
estado central em inúmeras áreas, dada a relação de proximidade e conhecimento
do território. Mas eis senão quando o que também suscitou dúvidas, imagine-se,
foi o facto de as autarquias que estão em boas condições financeiras terem de
dar mais do que as outras. Desta vez e neste caso, os ricos não estão para
pagar a crise! Onde está então a cultura da solidariedade?
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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