Em jeito de glosa à Conferência “A literatura e o 25
de abril”
Almeida Faria, Hortênsia Menino, Luís Carmelo, Vitor Guita
«Lisboa é a maior aldeia do mundo. Quando chegar, conto-te desta
revolução.».
Gabriel Garcia Marquez
(Verão de 1975)
Igualmente, em Montemor-o-Novo, se vitoriou a Revolução de
1974: mais uma vez celebrada, no recente 25 de Abril, com uma Conferência em
redor de “A literatura e o 25 de abril”,
proferida pelos escritores Almeida Faria e Luís Carmelo, e que ocorreu - com
o Salão Nobre preenchido com bastante assistência - na
Biblioteca Almeida Faria. É que, certamente aos presentes na Palestra,
far-se-ia sentir no espírito a lembrança de que «a violência preventiva (no
Estado Novo) era um esteio essencial da segurança e da durabilidade do regime.
Na desmobilização, no medo, na memorização da obediência, numa sociedade onde o
peso social e cultural da ruralidade se prolongou bem para além do seu peso
económico, ou seja, na eficácia dessa violência preventiva (incluindo a
censura) assentou em larga medida o “saber durar” salazarista», como nos refere
Fernando Rosas - e assim, numa catarse cultural e de
compensação de Liberdade, o público acorreu à feliz iniciativa.
E acentuamos a pertinência do tema da Conferência, e do
convite a estes dois escritores (eles também vítimas da Censura), uma vez que
«sem cultura e sem arte há um viver empobrecido, um achatamento do mundo, uma
perigosa deriva para a grande noite em que todos os gatos são pardos, da qual,
sabemos, é difícil desprender e remover o olhar que tudo achata e neutraliza.
Ora, “não é o mundo que é chato; o que acontece é que há olhares que
irremediavelmente o achatam” (Barata Moura)»
- anota-nos Pedro de Santos Maia,
in “Vértice”. E foi efectivamente reconfortante o diálogo em redor da
Literatura, enquanto possibilidade de dar a conhecer, por meio da leitura, o
conteúdo e o sentido daquilo que chamamos a existência humana em oposição à
vida puramente vegetativa - tanto, quando revestindo um valor gramatical,
de construção e sentido lógico, para além do ritmo, do fonético e do valor
estético-estilístico (de emoção e qualidade espiritual).
Oportuno, seria igualmente o momento da leitura de excertos
da “Reviravolta” (peça de
Dramaturgia de Almeida Faria), por alunos da Universidade Sénior de
Montemor-o-Novo, e de extratos da obra de Luís Carmelo -
encerrando a Palestra com um interessante diálogo com os circunstantes,
e rematando com o “Acordai !” - de
Lopes-Graça (música) e José Gomes Ferreira (poema) - pelo
Coral de S. Domingos, de Montemor-o-Novo.
Momentos aculturadores do espírito, só possíveis com o
Movimento Libertador do “25 de Abril”: afinal, como nos recorda António José
Saraiva (in “O que é Cultura”), «as circunstâncias históricas são, elas, uma
consequência a meu ver inevitável, da própria condição humana, quer dizer da
própria cultura e das condições em que ela se desenvolve» -
ambiência cultural, política e social lembrada por Raquel Varela, in “História
do Povo na Revolução Portuguesa - 1974/75”: «No verão de 1975, Lisboa
recebe um dos maiores escritores do mundo, Gabriel Garcia Marquez ... que ficará no país 15 dias, onde fará um
conjunto de reportagens que publicará na Colômbia. Encontrou-se com escritores
e poetas, comoveu-se com o processo revolucionário. Maria Velho da Costa, Luís
de Sttau-Monteiro, José Gomes Ferreira, José Cardoso Pires, Saramago, estiveram
entre os encontros que Garcia Marquez organizou naqueles dias». E seria esse
substrato histórico, criado pelo “Abrilismo” de 1974, que permitiria a Manuel
Alegre lembrar em acto de saudação: «Contra a Censura, contra a PIDE, contra a
repressão, contra a guerra, não tínhamos outras armas: tínhamos a poesia, a
canção, a guitarra. E foram elas que, de outro modo, na madrugada do 25 de
Abril, floriram também nas armas libertadoras»: Revolução que faria emergir a
libertação do acto criador, na tradição oral ou no livro -
livro que constitui, de facto, um dos últimos refúgios do individuo, e
do pensamento, acossado constantemente nas TVs e na imprensa, no quotidiano,
pela gritaria dos mercadores e as graçolas dos “entertainers”; livro, único local respirável -
quando as próprias livrarias, antes locais vagarosos e de tranquilidade
e descoberta, crescentemente asfixiam sob o peso insuportável dos “best-sellers” e das novidades. E quanto
os homens precisam de solidão, de se escutar a si mesmos na numerosa voz dos
livros ! E, em tempos como estes, barulhentos e estridentes, de silêncio!
Manuel António Pina deixou-nos um poema (assertivo,
belamente ritmado, inteligentemente reflectido) que constituem um verdadeiro
hino ao livro - intitulado de “Livros”: «É então isto um
livro, // este, como dizer? murmúrio, //
este rosto virado para dentro de
// alguma coisa escura que ainda
não existe // que, se uma mão subitamente //
inocente a toca, // se abre desamparadamente // como uma boca //
falando com a nossa voz? // É
isto um livro, // esta espécie de
coração (o nosso coração) // dizendo “eu” entre nós e nós?»
Livro, objecto mágico, que
- quando verdadeiramente
aculturador e assimilado - transforma consciências: instrumento,
sub-repticiamente fundamental, na conscientização dos portugueses em finais da
Monarquia e na “resistência” ao Estado
Novo, recurso ainda hoje fundamental na personalização do Cidadão, com vista ao
Futuro dos Seres Humanos: com vista à Formação da Pessoa (passível de
releitura, reflexão pausada, anotação, arquivo, novas consultas).
E, sem darmos por tal, teria sido o Livro (enquanto meio de
Cultura por excelência, por enquanto), o grande suporte da Palestra “A literatura e o 25 de abril” - afinal, o instrumento de libertação e a
revolução libertadora.
Publicado na Folha de Montemor de Maio 2014 e transcrito com
a devida autorização do Autor
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