Porque no próximo fim-de-semana se vão realizar as tradicionais
Festas da Santa Cruz na Aldeia da Venda.
Porque nas mesmas se vai cumprir o Tradicional Cântico ao
Horto das Oliveiras, voltamos aqui a relembrar a descrição do mesmo, incluído no
livro «Ocupação Sexual dos Espaços e
Redes de Comunicação Social em Aldeia da Venda», da autoria da Drª Ana Paula Fitas.
Recordamo-lo porque de muita literatura que temos lido sobre
o mesmo, foi aqui , sem sombra de duvidas, onde encontramos a descrição mais
completa e fidedigna desta secular tradição.
“O “Cântico à Ordem das Oliveiras” (nome dado ao rito
religioso e cultural que anualmente se realiza no dia 3 de Maio na Aldeia da
Venda e que actualmente, por motivos ligados `disponibilidade temporal dos
participantes, se realiza nos primeiros fins-de-semana de Maio) na Aldeia da
Venda – evidencia de forma muito clara o papel estratégico fundamental do uso
do critério sexual como instrumento que estimula a reprodução social
endogâmica.
Realizado em dois dias, no primeiro dia procede-se à Entrega
da Cruz (momento que integra três partes: O Encontro, o Beijo da Cruz e a sua
Entrega na chamada Casinha da Cruz) e, no segundo, tem lugar o Regresso da
Cruz.
No Sábado o rito consta do Encontro de dois cortejos cada um
dos quais integra 7 raparigas e 6 rapazes, no local central da aldeia, lugar de
confluência dos caminhos que dão acesso às localidades vizinhas. No Domingo, o
cortejo integra num só grupo as 14 raparigas e os 12 rapazes que depositam a
Cruz nacasa onde permanecerá guardada até ao ano seguinte.
As raparigas vestem-se de branco e na cabeça levam fitas ou
flores; os rapazes vestem-se geralmente de cor creme – sendo contudo admitidas
cores como o azul, o cinzento ou o preto, nos casos em que os jovens não podem
adquirir o fato de cor clara – com um grande laço branco ou creme na lapela do
lado esquerdo. Nas mãos , as raparigas levam pandeiretas e os rapazes
espingardas de caça; elas acompanham o cantar tocando e eles, regularmente,
disparam em uníssono,
O cortejo que sobe até ao local do encontro é liderado por
Madanela (cujas companheiras levam pandeiretas de cor azul), uma jovem vestida
de negro, descalça, com o cabelo solto e fios de prata pendurados ao pescoço;
nas mãos Madanela leva o Lenço – um pano branco onde está pintado o rosto de Cristo
aureolado de roxo.
O cortejo que desce é liderado pela Mordoma (cujas
companheiras levam pandeiretas de cor rosa). Uma jovem vestida de branco,
calçada, com flores na cabeça e fios de ouro no colo; nas mãos, a Mordoma leva
a Cruz – um losango de madeira coberto por pano branco e ornamentado com fios
de ouro que as aldeãs emprestam para o efeito.
As duas personagens centrais são ladeadas, cada uma com duas
das jovens que recebem o nome de Madrinhas; atrás seguem em cada cortejo, as
outras quatro jovens. Os rapazes vão. Três de cada lado em cada cortejo, com as
armas apontadas para cima em disparos que outrora eram, segundo dizem os mais
velhos aldeãos, chumbo de verdade
Sábado, no encontro
que se realiza face a um pequeno altar – uma mesa baixinha, coberta por um pano
branco, com três laços cor de rosa, roxo e azul, de cada lado e no chão, também
de ambos os lados, são colocadas almofadas cedidas para o efeito, onde Madanela
e a Mordoma ajoelharão; enquanto as jovens cantam, em agudíssimo tom de voz,
Madanela ergue o Lenço três vezes até que a Mordoma erga, por sua vez, também
três vezes a Cruz.
A Cruz e o Lenço tocam-se três vezes no mesmo ritualistico
designado o Beijo da Cruz; depois. Num único grupo. A Madanela imediatamente
atrás da Mordoma (ladeada pelas respectivas madrinhas, seguidas das tocadoras
de pandeiretas e protegidas pelos atiradores), seguem para a Casinha da Cruz
(que varia conforme o combinado, entre as casas da Aldeia), onde, à porta
(decorada com duas folhas de palmeira) se despedem, lado a lado, do publico,
erguendo primeiro alternada e depois simultaneamente, o Lenço e a Cruz que,
entre flors, colchas cor de rosa e pequenas imagens de santos, ali ficam até ao
dia seguinte.
Na tarde de domingo, o grupo todo vai buscar a Cruz à
Casinha e leva-a cantando para a casa da Mordoma de onde só sairá no ano
seguinte.
Os jovens participantes são solteiros e as suas idades variam entre os 13 e os 25 anos.
Os jovens participantes são solteiros e as suas idades variam entre os 13 e os 25 anos.
Assim, além da profusão cultural que o evento reflecte,
neles podemos constatar um rito da passagem relativo à adolescência e juventude
cuja simbólica é ainda reiterada pelo facto dos rapazes, no dia em que pela
primeira vez participam no rito, terem direito a limpar, também pela primeira
vez. A espingarda. As raparigas começam a participar no ritual a partir do
primeiro período menstrual e podem fazê-lo até consumarem o casamento. Trata-se
por isso de um rito de emancipação juvenil em que são apresentados à comunidade
os jovens em idade casadoira.
In : Ocupação Sexual
dos Espaços e Redes de Comunicação Social em Aldeia da Venda
Autora: Ana Paula
Fitas
2 comentários:
Muito Estimado Amigo,
Muito agradeço a utilização de um texto da minha autoria para caracterizar uma das manifestações mais interessantes e preciosas do património cultural imaterial do concelho de Alandroal. É sempre uma honra e uma alegria!
Um beijinho.
Ana Paula Fitas
Sendo natural do Concelho do Alandroal e tendo assistido muitas vezes às Festas da Santa Cruz, não só na Aldeia da Venda, mas também em Cabeça de Carneiro e em tempos mais remotos em Capelins, nunca me tinha apercebido dos pormenores do cerimonial. Foi através do livro da Dra. Ana Paula Fitas, que já li há mais de quinze anos, que me foi dado conhecer o "passo a passo" deste evento secular.
Obrigado à autora do livro e obrigado ao AL-Tejo.
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