terça-feira, 6 de maio de 2014

PONTO ALTO DAS FESTAS DA SANTA CRUZ – ALDEIA DA VENDA

Porque no próximo fim-de-semana se vão realizar as tradicionais Festas da Santa Cruz na Aldeia da Venda.
Porque nas mesmas se vai cumprir o Tradicional Cântico ao Horto das Oliveiras, voltamos aqui a relembrar a descrição do mesmo, incluído no livro «Ocupação Sexual dos Espaços e Redes de Comunicação Social em Aldeia da Venda», da autoria da Drª Ana Paula Fitas.
Recordamo-lo porque de muita literatura que temos lido sobre o mesmo, foi aqui , sem sombra de duvidas, onde encontramos a descrição mais completa e fidedigna desta secular tradição.
 Chico Manuel


“O “Cântico à Ordem das Oliveiras” (nome dado ao rito religioso e cultural que anualmente se realiza no dia 3 de Maio na Aldeia da Venda e que actualmente, por motivos ligados `disponibilidade temporal dos participantes, se realiza nos primeiros fins-de-semana de Maio) na Aldeia da Venda – evidencia de forma muito clara o papel estratégico fundamental do uso do critério sexual como instrumento que estimula a reprodução social endogâmica.

Realizado em dois dias, no primeiro dia procede-se à Entrega da Cruz (momento que integra três partes: O Encontro, o Beijo da Cruz e a sua Entrega na chamada Casinha da Cruz) e, no segundo, tem lugar o Regresso da Cruz.
No Sábado o rito consta do Encontro de dois cortejos cada um dos quais integra 7 raparigas e 6 rapazes, no local central da aldeia, lugar de confluência dos caminhos que dão acesso às localidades vizinhas. No Domingo, o cortejo integra num só grupo as 14 raparigas e os 12 rapazes que depositam a Cruz nacasa onde permanecerá guardada até ao ano seguinte.
As raparigas vestem-se de branco e na cabeça levam fitas ou flores; os rapazes vestem-se geralmente de cor creme – sendo contudo admitidas cores como o azul, o cinzento ou o preto, nos casos em que os jovens não podem adquirir o fato de cor clara – com um grande laço branco ou creme na lapela do lado esquerdo. Nas mãos , as raparigas levam pandeiretas e os rapazes espingardas de caça; elas acompanham o cantar tocando e eles, regularmente, disparam em uníssono,
O cortejo que sobe até ao local do encontro é liderado por Madanela (cujas companheiras levam pandeiretas de cor azul), uma jovem vestida de negro, descalça, com o cabelo solto e fios de prata pendurados ao pescoço; nas mãos Madanela leva o Lenço – um pano branco onde está pintado o rosto de Cristo aureolado de roxo.
O cortejo que desce é liderado pela Mordoma (cujas companheiras levam pandeiretas de cor rosa). Uma jovem vestida de branco, calçada, com flores na cabeça e fios de ouro no colo; nas mãos, a Mordoma leva a Cruz – um losango de madeira coberto por pano branco e ornamentado com fios de ouro que as aldeãs emprestam para o efeito.
As duas personagens centrais são ladeadas, cada uma com duas das jovens que recebem o nome de Madrinhas; atrás seguem em cada cortejo, as outras quatro jovens. Os rapazes vão. Três de cada lado em cada cortejo, com as armas apontadas para cima em disparos que outrora eram, segundo dizem os mais velhos aldeãos, chumbo de verdade
Mas que actualmente – ainda que haja algum -  são de pólvora seca e pedacinhos de papel colorido.

 Sábado, no encontro que se realiza face a um pequeno altar – uma mesa baixinha, coberta por um pano branco, com três laços cor de rosa, roxo e azul, de cada lado e no chão, também de ambos os lados, são colocadas almofadas cedidas para o efeito, onde Madanela e a Mordoma ajoelharão; enquanto as jovens cantam, em agudíssimo tom de voz, Madanela ergue o Lenço três vezes até que a Mordoma erga, por sua vez, também três vezes a Cruz.
A Cruz e o Lenço tocam-se três vezes no mesmo ritualistico designado o Beijo da Cruz; depois. Num único grupo. A Madanela imediatamente atrás da Mordoma (ladeada pelas respectivas madrinhas, seguidas das tocadoras de pandeiretas e protegidas pelos atiradores), seguem para a Casinha da Cruz (que varia conforme o combinado, entre as casas da Aldeia), onde, à porta (decorada com duas folhas de palmeira) se despedem, lado a lado, do publico, erguendo primeiro alternada e depois simultaneamente, o Lenço e a Cruz que, entre flors, colchas cor de rosa e pequenas imagens de santos, ali ficam até ao dia seguinte.
Na tarde de domingo, o grupo todo vai buscar a Cruz à Casinha e leva-a cantando para a casa da Mordoma de onde só sairá no ano seguinte.
Os jovens participantes são solteiros e as suas idades variam entre os 13 e os 25 anos.
Assim, além da profusão cultural que o evento reflecte, neles podemos constatar um rito da passagem relativo à adolescência e juventude cuja simbólica é ainda reiterada pelo facto dos rapazes, no dia em que pela primeira vez participam no rito, terem direito a limpar, também pela primeira vez. A espingarda. As raparigas começam a participar no ritual a partir do primeiro período menstrual e podem fazê-lo até consumarem o casamento. Trata-se por isso de um rito de emancipação juvenil em que são apresentados à comunidade os jovens em idade  casadoira.

In : Ocupação Sexual dos Espaços e Redes de Comunicação Social em Aldeia da Venda
Autora: Ana Paula Fitas





2 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Muito Estimado Amigo,

Muito agradeço a utilização de um texto da minha autoria para caracterizar uma das manifestações mais interessantes e preciosas do património cultural imaterial do concelho de Alandroal. É sempre uma honra e uma alegria!
Um beijinho.
Ana Paula Fitas

Anónimo disse...

Sendo natural do Concelho do Alandroal e tendo assistido muitas vezes às Festas da Santa Cruz, não só na Aldeia da Venda, mas também em Cabeça de Carneiro e em tempos mais remotos em Capelins, nunca me tinha apercebido dos pormenores do cerimonial. Foi através do livro da Dra. Ana Paula Fitas, que já li há mais de quinze anos, que me foi dado conhecer o "passo a passo" deste evento secular.
Obrigado à autora do livro e obrigado ao AL-Tejo.