A Associação de Socorros
Mútuos Montemorense 1.º de Maio foi fundada há 75 anos
A
história do mutualismo em Portugal, uma estratégia popular de sobrevivência,
está intimamente ligada à história do movimento associativo, que brotou da
Revolução Liberal Portuguesa, ocorrida no Porto em 24 de Agosto de 1820, que
decretou uma Constituição, que eliminava as estruturas do absolutismo. As
ideias liberais fizeram germinar por todo o país, diversas associações, nas
quais se incluem as mutualistas.
Os
primeiros organismos mutualistas surgiram nos anos cinquenta do século XIX, com
o objectivo de melhorar a situação das classes trabalhadoras. E, apesar de
encarado com desconfiança, e até hostilidade, pelo patronato, e por sectores
sociais conservadores, enraizou-se e espalhou-se gradualmente por todo o país.
O mutualismo, abrangia especialmente, as modalidades de assistência médica e
medicamentosa, mas algumas associações, dispunham de outras valências –
cooperativas de consumo e de produção, caixas de crédito, e seguros de vida,
entre outras.
A actividade destas organizações
caracteriza-se pela ausência de finalidades lucrativas.
Num
período em que os sistemas de protecção social obrigatórios eram apenas uma
miragem, o mutualismo constituía praticamente a única resposta de auxílio, na
área da assistência médica e medicamentosa.
Em
Portugal, as primeiras instituições que se intitularam como associações de
socorros mútuos terão sido provavelmente a Associação de Socorros Mútuos dos
Artistas Bejenses, e a Associação de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas
(Porto), ambas criadas em 1856.
Dois
anos depois, a 16 de Setembro de 1858, foi criada em Montemor-o-Novo, a
Associação de Beneficência Montemorense, cujos estatutos viriam a ser
superiormente aprovados em 1860, e que abrangeu 130 associados. Tinha por
objectivo prestar auxílio aos sócios e suas famílias em caso de doença,
desemprego e morte do associado, e ainda quando o mesmo se sentisse
incapacitado por razões de velhice (artigo 6.º dos Estatutos). Esta associação
deu lugar em 30 de Março de 1867 à Associação Montemorense de Socorros Mútuos.
Em
1876 existiam em Portugal 300 associações de socorros mútuos, com 70.000
associados.
Apesar
do abandono a que o movimento mutualista sempre foi votado pelos governantes,
ele floresceu e alastrou por todo o país.
No
início do século XX surgiu na sede do concelho, uma outra instituição – a
Associação de Socorros Mútuos da Classe Operária Montemorense 1.º de Maio de
1901. Nas freguesias, nasceu em Cabrela, a Associação de Socorros Mútuos
Cabrelense, e em Vendas
Novas , então freguesia do concelho de Montemor-o-Novo, foi
constituída a Associação de Socorros Mútuos Vendasnovense.
A
finalidade das referidas quatro associações, era socorrer os sócios e
familiares doentes, facultando-lhes assistência médica e medicamentosa. Os
sócios tinham direito a 25% de desconto nos medicamentos, e a assistência
médica gratuita, prestada na sede das agremiações, por um médico contratado.
Em
17 de Abril de 1939, as duas instituições sediadas na Vila Notável fundiram-se,
e deram lugar a uma associação da mesma natureza, que passou a denominar-se –
Associação de Socorros Mútuos Montemorense 1.º de Maio, mais conhecida por
“Associação Operária”.
Pouco
antes das 8,00 horas, daquela segunda-feira, as bandas de música do Círculo
Montemorense e da Sociedade Carlista, percorrendo as principais ruas da vila,
deram a primeira nota festiva e alegre do dia, lançando pelos espaço os acordes
do Hino “1.º de Maio” – símbolo do Dia do Trabalhador.
Às
10,00 horas, realizou-se no cemitério, pela Direcção da Nova Associação de
Socorros Mútuos Montemorense 1.º de Maio, a romagem junto ao túmulo do saudoso
benemérito e grande amigo da Associação, Joaquim José Faísca, que entre outras
dádivas, ofereceu o edifico destinado à sede.
Pelas
17,00 horas, iniciou-se, junto da Associação, o cortejo cívico, em que se
incorporaram as duas bandas locais, uma representação da Banda Municipal do
Redondo, Liga dos Combatentes da Grande Guerra, representantes do Montepio, Grupo
União Sport e Bombeiros Voluntários.
No
numeroso cortejo – em que se queimaram algumas dezenas de foguetes e as duas
músicas tocaram, alternadamente o “1.º de Maio” – figuravam os estandartes da
Associação Operária, do Montepio, da Liga dos Combatentes, das duas Bandas
locais, do Grupo União Sport e da Banda Municipal do Redondo.
Findo
o cortejo, que percorreu as principais ruas, efectuou-se a sessão solene na
sede da Associação Operária, a qual foi presidida pelo Senhor Adolfo José
Coelho da Silva e secretariada – a convite deste senhor – pelos presidentes das
associações fusionadas, Senhores Custódio José Mareco e Torcato Gaspar
Ferreira.
Pelo
escriturário da Associação Operária, Senhor António Samina Coelho, foram lidos
alguns telegramas e cartas de saudação, dirigidos à nova Associação de Socorros
Mútuos por várias entidades.
Em
seguida usaram da palavra com bastante brilho, evocando um pouco do passado
sobre o que foram os primeiros passos dados para a fundação da Associação
Operária, os nossos saudosos conterrâneos, Senhores José Gregório de Almeida,
grande amigo da Associação e um dos seus impulsionadores desde a primeira hora,
que apear de ausente em Lisboa não quis faltar ao acto da fusão das duas
Associações e Leopoldo Nunes, redactor de “O Século”, que encontrando-se de
visita à sua Terra Natal, ali foi associar-se aquela modesta festa de
solidariedade humana.
Ambos
os oradores, depois de haverem historiado a vida cheia de sacrifícios e
dificuldades passadas pelas duas Associações de há uns anos a esta parte, a
ponto de se verem agora obrigadas a unir os seus destinos para não se perderem
de todo, relembraram os nomes de alguns dedicados operários fundadores da
Associação Operária e do Montepio. Por fim, demonstraram quanto de útil, tanto
para o pobre, como para o remediado ou mesmo para o rico, era o Mutualismo.
Terminados
os seus discursos, a numerosa assistência ovacionou os dois oradores com
bastantes palmas.
Em
seguida foi servido a todos os presentes, sandes, vinhos e bolos, o que serviu
de pretexto para alguns vivas à nova Associação e a Montemor-o-Novo.
E
assim, acabou a simpática festa mutualista, que se por um lado registou o
desaparecimento para sempre de duas velhas associações locais, sem
possibilidades de existência, por outro, criou com a fusão, a nova Associação
de Socorros Mútuos Montemorense 1.º de Maio.
O
frontispício da Associação, devidamente embandeirado e com algumas decorações,
oferecia à noite, com a iluminação eléctrica, a cores, um aspecto de feérico
efeito.
A
extraordinária janela da sua sede, na qual estão expostas as mais variadas
ferramentas, foi construída na desaparecida oficina do Senhor Joaquim Manuel
Soeiro.
Com
o aparecimento da Previdência Social obrigatória, em meados de 1962, as
associações mutualistas viram a sua actividade relegada para posição
secundária, ao contrário do que sucedeu noutros países da Europa, onde as
associações foram chamadas a colaborar activamente com os esquemas oficiais.
A
esta situação não é estranha a política do Estado Novo claramente contrária ao
direito de livre associação, razão pela qual, das mais de 400 associações
mutualistas que existiam apenas resistiram algumas.
Durante
a ditadura do Estado Novo, a comemoração do 1.º de Maio era reprimida pela
polícia. Mas, a instituição, todos os anos no 1.º de Maio, hasteava a bandeira
na sua sede e lançava foguetes.
Para
fazer face às despesas, a instituição alugou nos finais da década de quarenta,
o rés-do-chão da sua sede. Instalou-se um estabelecimento de venda de louça de
barro, e uma carpintaria denominada “A Suta” (instrumento ajustável utilizado
para medir e traçar ângulos), que deu origem à agência funerária com o mesmo
nome.
O
surgimento em Março de 1977, do regime de previdência social obrigatório para
os empresários em nome individual, foi o culminar de uma morte anunciada da
Associação de Socorros Mútuos Montemorense 1.º de Maio.
Não
resistindo às imposições governamentais e à concorrência da Caixa de
Previdência e da Casa do Povo, a Associação entraria em declínio a partir da
década de 1960, desaparecendo definitivamente na década de 1980.
Actualmente,
e de acordo com a Direcção-Geral da Segurança Social, encontram-se registadas,
93 associações mutualistas. Destas, 2 localizam-se no Distrito de Évora –
Legado do Caixeiro Alentejano e Legado do Operário de Évora.
A
população montemorense esteve sempre solidária com as mais diversas
iniciativas, que visavam a angariação de fundos para a associação mutualista.
Organizaram-se representações teatrais e variedades com artistas amadores e
profissionais, no Rádio Cine e no Curvo Semedo, e espectáculos de folclore na
Praça de Touros. Pelas feiras de Maio, Julho e Setembro, diversas jovens,
percorriam as ruas da vila, distribuindo o logótipo da instituição, impresso em
cartolina, em troca de uma moeda.
No
seu Salão Nobre, funcionou uma escola primária, a sede provisória dos Bombeiros
Voluntários, e, quando o ciclone destruiu a sede da Sociedade Carlista, o salão
da Travessa do Calvário foi cedido à popular colectividade montemorense.
Já
possuiu mais de 400 sócios, mas hoje, conta com pouco mais de duas dezenas de
associados (no grupo dos quais eu me incluo), e que teimosamente, mantêm de pé
(?), esta instituição mutualista.
No
dia 15 de Fevereiro último, os sócios reuniram-se na sede social em Assembleia Geral
Extraordinária , na qual foram aprovadas propostas inseridas
na Ordem de Trabalhos, entre elas, a alteração dos estatutos, conforme previsto
no actual Código das Instituições Mutualistas.
Augusto Mesquita – Abril 2014-04-13
Publicado na Folha de Montemor e transcrito com a devida autorização do
Autor
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