Terça, 01 Abril 2014 10:06
"Tornamo-nos no homem do uniforme que usamos" é
uma expressão atribuída a Napoleão Bonaparte. Fui buscá-la esta semana a
propósito do “magnífico” corte de cabelo do líder norte-coreano Kim Jong-un
(não sei porquê mas a palavra “líder” na minha gramática acompanha sempre muito
bem com a referência àquela nação em particular e que tem o seu máximo expoente
de aplicação quando se lhe antecede o carinhoso adjetivo “querido”).
Foi, aliás, na qualidade de líder que, determinadamente, terá imposto a
todos os homens daquele país o corte de cabelo igual ao seu. Parece que a
medida está a criar algum incómodo aos norte-coreanos que passaram de um
extenso cardápio de 10 possíveis cortes de cabelo – nem mais, nem menos – para
esta uniformização que dita o que deve ir por fora da cabeça daqueles homens.
Já as mulheres, essas têm um limite muito mais alargado, que até ver se mantém,
de 18 modelitos para se comporem nos cabeleireiros. Tudo isto em nome de um
maior conforto e capacidade de repelir os efeitos corruptíveis do capitalismo.
Imagine-se!...
Se não fosse trágico, porque o que se passa na Coreia do
Norte todos sabem embora alguns disfarcem, este assunto até era cómico, pelo
ridículo não do penteado – gostos são gostos – mas do desejo do líder em
reforçar a idolatria que acompanha e “faz pandã” com o comunismo e outros
regimes totalitários e ditatoriais. E acaba por se tornar risível a ideia de
que todas as fardas e uniformes servem para evitar o exibicionismo de uma
diferença de estatuto e que, no que me agora ocorre, só consigo ver ainda
aplicável com essa função ativa às fardas de colégios e, obviamente, aos trajes
académicos, onde a feira de vaidades tem de transferir-se, porque persiste,
humanamente, para outros sinais exteriores de diferença. Aliás, por muito
uniformes que sejam as fardas, há sempre uns acessórios, desconhecidos pela
generalidade das pessoas, mas reconhecidos pelo meio e por quem interessa, que
distinguem as diferentes hierarquias e põem cada um no seu lugar, acima ou
abaixo, mas sempre diferente, creem alguns para melhor, de quem não a usa.
Voltemos a Kim, ao seu penteado e à frase de Bonaparte.
Aquilo que seria uma versão militar do ditado popular «o hábito não faz o
monge» põe na aparência exterior um sinal com um peso simbólico, habitualmente
vindo de um passado recôndito e grandioso, que limita e influi os
comportamentos que se desejam, à partida, dignos para que se continue a merecer
envergar essa aparência. Mas ao pôr na aparência esta importância, permite-se
que muitos mais facilmente se escondam, também nela, disfarçando comportamentos
que não a mereceriam. Enfim, uma coisa apenas compreensível para quem dá às
roupas e aos cortes de cabelo não apenas o valor do conforto e do gosto, esses
inimigos do povo, para os transformar em estilo de vida e até, imagine-se,
forma de pensar, ou seja, obediência a uma determinada ideologia.
E por muito que esta manifestação do comunismo em estado
puro, uma espécie de aldeia ou quinta pedagógica da ideologia defendida onde se
criam em cativeiro exemplares para amostra, seja defendida por quem deseja que
se replique no resto do mundo, não consigo deixar de achar trágico que estas
notícias saiam a público e que esse resto do mundo se conforme com o que
transparece deste uniforme.
Até para semana.
Cláudia Sousa Pereira
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