AS TABERNAS
Nos anos 50/60, sem televisão, com cinema uma vez por
semana, em que tão pouco se sonhava poder dar a volta ao mundo via internet, com
um elevado índice de analfabetismo o que impossibilitava a leitura quer de
jornais, quer de livros, poucos motivos se poderiam encontrar para uma
permanência constante em casa.
Nunca deixou o homem de sentir a necessidade de
confraternizar e ao mesmo tempo encontrar maneiras de procurar motivos de ao
fim de um dia de trabalho desanuviar o espírito, não só no convívio com os
amigos e colegas como em jogos que promovessem um salutar estreitar de relações
entre os praticantes.
Local indicado para tal encontro: As tabernas, os cafés, as
sociedades. Jogos mais praticados: as cartas (bisca, manilha, sueca), o jogo do
xito, do bilhar e do snooker.
São precisamente os cafés e as tabernas do Alandroal o
motivo das memórias de hoje.
Cafés existiam dois no Alandroal, ambos situados na Rua João
de Deus, lado a lado.Eram proprietários dos mesmos o Ilídio e o Rato.
Caracterizava o Café do Rato. o Central, (nome que ainda hoje perdura) a
existência de um bilhar e a tradição do jogo de cartas.
Pelo preço de 4 tostões se bebia um café, de saco, no Café
do Ilídio, cujo motivo de decoração consistia na pintura das paredes laterais com
dois motivos alusivos ao nosso património: A fonte das Bicas, e a Capela de S.
Sebastião. Com as devidas ressalvas, parece-me não fugir à verdade de aqui
deixar o nome do pintor: um tal de Manuel Lopes, de Vila Viçosa.
Umas já desaparecidas, outras devidamente adaptadas, outras,
agora com diferente serventia, coisa que não faltava no Alandroal eram
Tabernas.
Correndo o risco de alguma me falhar, aqui vos deixo um
breve resumo não só das tabernas do Alandroal do meu tempo, como das suas
características, e algo sobre os seus proprietários.
Na parte baixa da Vila, frente à Fonte do Botão localizava-se
a taberna do António Manuel Torcato (desaparecida), com o balcão ao fundo,
depois de se descerem alguns degraus, tinha de lado dois bancos corridos onde
os assistentes aplaudiam as renhidas partidas de chito (ou será xito?). Durante
anos um cão perdigueiro cumpriu a missão de sempre à hora certa transportar um
cesta com o almoço da sua residência na Praça até ao fundo da Vila, não se
constando que alguma vez se tenha desviado do seu trajecto ou sequer entornado
a sopa. Mais tarde após o fecho desta o António Manuel Torcato abriu uma outra
na Praça, ao lado da sua residência, e cuja principal atracção era uma espécie
de snooker, mesa pequena no meio da qual se encontravam uns “pins” com
borrachas que em contacto com a bola devidamente “tacada”, se pretendia meter a
mesmo nos buracos existentes nos cantos da mesa. Desconheço o nome de tal
“engenhoca” e nunca mais vi apetrecho igual.
“O Lica” foi talvez uma das tabernas mais típicas do
Alandroal e que manteve até 1995
a sua traça inicial, resistindo sempre a qualquer
modernice que a pudesse desvirtuar. Com porta corrida, tipo far west, tinha
chão de alcatrão, com bancos laterais. Lá estava sempre pronto o ladrilho, ou
lasca de xito, onde se armava a cápsula de bala vazia e que os vinténs haviam
ou não de derrubar, ao som de palavras como “ervido”, “revido”. “retentino”.
Possuía ainda a “tasca” do Liça um amplo reservado com acesso por detrás do
balcão, ladeado por umas dezenas de talhas, onde por vezes se fabricava a
“pomada”, e com acesso restrito. Foram várias as tentativas para reabrir esse
local, Umas vezes com mais sucesso, outras com menos, mas talvez porque o Liça
não deixou o segredo da fritura das seus famosas pataniscas de mogango, nunca
chegou a atingir a fama da Taberna do Liça.
Já mais acima, na Rua do Pinheiro, sediava-se a não menos
famosa Taberna do Domingos, ou do Cachamela.
Local obrigatório, para passar um bom bocado, motivado pela
simpatia do proprietário, pela sua conversa fluente, pelos seus dotes musicai,
pelas histórias saídas da sua fértil imaginação, fazia com que o tempo ali
passado fosse sempre dado por bem empregado.
Era petisco frequente, passarinhos fritos, que o Domingos
adquiria à miudagem muitas vezes a troco de rebuçados das rifas de cromos da
bola. Petiscos modestos, como carne cozida, orelha e porco e o celebre toucinho
cozido, propositadamente com travo a bolor e que segundo o mesmo não havia
presunto que se lhe comparasse. Presentemente e após modernas modificações lá
se encontra o Restaurante a Chaminé.
Aproveitando a paragem das camionetas da “carreira”, nesse
mesmo Largo se sediavam três tabernas: O Piçarra, O Manuel Canhoto, o Sofrino.
A taberna do Piçarra, era sempre a primeira a abrir. Antes
das seis da manhã, pois na mesma se faziam os “despachos” de produtos e
encomendas que eram transportados pela camioneta da carreira com passagem
diária precisamente às seis.
Não admira assim que
muitas vezes em “noitadas” se aguardasse a abertura para um reconfortante
chocolate ou cacau quente antes da deita.
Taberna de dimensões exíguas, com soalho de madeira e quatro
mesas normalmente atafulhadas de encomendas prontas a seguir na camioneta.
Após o balcão e por corredor estreito dava-se acesso a um
reservado.
Famoso e convidativo a um bom copo era o seu peixe do rio
frito. Ainda hoje quando se fala em tal especialidade o nome do Piçarra é
sempre lembrado.
Mantendo as características daquele tempo ainda hoje podemos
visitar o local agora com gerência e nome da Taberna da Maria Vicencia
O Manuel Canhoto, taberna com duas divisões e vocacionada
para excelentes petiscos, onde no tempo de caça não faltavam as espécies
superiormente confeccionadas à base do coelho, da lebre ou da perdiz, alem da
sempre apetitosa carne de porco frita.
Um dos principais chamarizes do Manuel Canhoto, e que muitos
fregueses atraía: Quem consumisse um “penalti” (copo de vinho avantajado) tinha
direito a uma “económica” (prato de sopa de legumes).
Mais tarde o proprietário foi o Manuel Varandas e
presentemente a mesma deu lugar a estabelecimentos de venda de produtos de
pesca, indústria de carnes, e mini mercado com gestão dos seus filhos.
Com soalho em cimento, balcão lateral e mesas encontrávamos
a taberna do Sofrino.
Para petiscar uns bons passarinhos, comer umas postas de
pescada frita era imprescindível uma visita ao Sofrino.
Com um negócio de madeiras em local que funcionava ao lado,
o pouco tempo que lhe sobrava entre aturar fregueses e o comércio das madeiras
passava-o Mestre Sofrino a caçar passarinhos, por essas hortas fora (foi talvez
o melhor atirador de pressão de ar do Alandroal) que depois vendia na taberna.
Curioso que quando a Autoridade exerceu uma maior vigilância na venda de
passarinhos, Mestre Sofrino, acautelou o pedido comunicando aos fregueses mais
fieis que nunca pedissem passarinhos, mas sim cação frito e tinha sempre um
pratinho do referido peixe pronto a substituir as aves ao menor sinal de
perigo.
Da sua existência já nada resta que a faça recordar.
Não podemos deixar de incluir neste roteiro uma das tabernas
mais pequenas do Alandroal, à semelhança do seu dono, situada em plena Praça da
Republica, mesmo ao alto, um balcão assinalava uma tasca.
Se não querias beber apenas o copo de vinho o melhor era
vires prevendo com qualquer bucha, pois Pimenta não era lá muito dado a
cozinhar fosse o que fosse.
Aliás, era do conhecimento de todos que o principal freguês
era o proprietário.
Deapareceu.
Ainda na Praça, mas mesmo ao fundo encontrava-se talvez o
único quiosque do Alandroal, A barraca do Torcatinho. Vocacionada para os
frequentadores matinais de então mercado da Praça, no mesmo se serviam bolos de
alguidar, bolos fintos, fritos no seu tempo acompanhados pelo bagacinho,
ginjinha ou traçadinho. Muito amigo de pregar partidas (algumas delas ainda
hoje recordadas no Alandroal), o trato fácil e folgazão do Torcatinho chegava a
conseguir que o freguês ali passasse uma manhã inteira.
A barraca do Torcatinho morreu na Horta do Góis, no entanto
alguém se lembrou de lhe prestar a devida homenagem colocando uma bem mais
moderna em frente onde a mesma existiu.
Duas outras tabernas recordo. Mas estas, talvez por menos
ter frequentado, pouco posso adiantar. Em tempos mais remotos a taberna do
“Escuta”, mais tarde do Gentil, situada onde presentemente está o Edmundo e que
posteriormente se sediou na Praça no
local onde foi a Barbearia do Barradas.
Já na antiga Rua Mestre de Aviz, actual Rua Dr Xavier
Rodrigues, situava-se uma das maiores tabernas do Alandroal.
A taberna do Eduardo.
Alem dos bancos laterais, existia uma mesa quadrada por
detrás da porta de entrada, destinada apenas para o jogo das cartas. Jogos de
“manilha” e de “bisca”, disputados por grandes jogadores o que fazia com que
muitas vezes fossem acompanhados por numerosa assistência.
Da qualidade do que ali se comia apenas ter presente que o
Eduardo também se dedicava à matança e arranjo das carnes de porco e
respectivos enchidos, pelo que se pode avaliar o que seria, no reservado por
detrás do balcão, degustar um bom lombo assado na brasa, uma cacholeira,
farinheira ou linguiça assada.
Mais tarde, esse mesmo espaço conheceu novo proprietário,
Manuel Melão, que seguiu exactamente as mesmas pegadas do antecessor. Ainda
hoje recordo com muita saudade as inúmeras confraternizações na taberna do
Melão, onde o sabor do lombo assado, da carne frita e afins convidavam a
prolongados serões.
Presentemente ali está a cargo do seu filho Manuel o Café
Arco- Íris
Subindo a Rua de Santo António encontrávamos a taberna do Zé
Canhoto.
Espaçosa, de um asseio irrepreensível, com vinho de fabrico
próprio, e com excelentes manjares, pois alem de taberna exercia ainda as
funções de pensão com dormidas e refeições.
Para tal muito contribuía o arranjo e preparação de carnes
de porco e a excelência da cozinha praticada.
Posteriormente foi proprietário da mesma o Manuel Honrado,
que dado ter iniciado tal oficio já bastante tarde, nunca conseguiu atingir a
fama do seu antecessor.
Presentemente desconheço se ainda hoje se mantêm em
actividade.
Por último e frente à Igreja de Santo António também com
espaço reduzido, e com banco corrido frente ao balcão, exercia a profissão o
Zeca – taberna do Zeca - .
Aproveitando a proximidade da Escola Primária estava mais
vocacionada para a venda de guloseimas (rebuçados, chupa-chupas) e venda de
rifas da bola.
Após o falecimento do proprietário também nunca mais abriu.
Ainda para os mais noctívagos não podemos deixar de aqui
referir as Sociedades, Artística e da Musica, onde também principalmente à
noite era ponto obrigatório de convívio, jogos (e que jogos), e de muitos comes
e bebes,
Ambas tiveram uma morte inglória, mas na mente de muitos nós
nunca serão esquecidas.
Qualquer dia iremos recordá-las.
Chico Manuel
6 comentários:
Porra Chico que já estou bem bebido depois de um percurso destes pelas tascas do alandroal.Se hoje com um bar ou dois é o que é com essa quantidade de tascas faço ideia ,belos tempos
viva o tinto!sem desprimor do branco
boa postagem Chico
sem tirar nem pôr
Muito bom Xico, estás de parabêns.
É curioso, melhor dizendo gratificante estas linhas que o F manuel escreveu. Fez-me regessar á minha meninice, quando pela mão do meu avô íamos ao vinho á do sr Jose Canhoto por ser a taberna mais perto do Monte, além da do Zeca. Fico~me na memória e ainda hoje sou capaz de a descrever tal como o taberneiro. De todos eles me recordo, mas pela a amizade que o Domingos Cainó nos legou é de todos o que mais evidencio. Do mestre Zofrino, padrinho e mestre ferrador de meu pai, também ainda me lembro e se não me lembra-se bastaria saber que o Dino é neto dele, e com esta gracinha e em maré de poupança envio para Ti e para o Dino, um abraço´
Helder
Havia ainda ao fundo da praça a barraca da velha Sequeira com as suas castanhas assadas
Havia sim senhor e até me lembrei dela, só que o tema era tabernas e derivados. Qualquer dia falamos dela e dos copos da mesma que foram morrer na Esplanada.
Chico Manuel
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