Terça, 25 Março 2014 09:36
Cansa-me por vezes ouvir as pessoas a falar, até
ingenuamente, do que desconhecem com a profundidade proporcional às críticas
que lhe infligem. Até porque isso dá jeito a quem discorde dos assuntos que
estão em cima da mesa e faça toda a espécie de contorcionismos para falar do que
lhe interessa e não do que lá está.
O caso do Manifesto dos 70 parece-me exemplar, já que aparece como um
“ponto de ordem” a ter de ser feito nesta espécie de vertigo em que o governo português nos
precipita. A minha crónica de hoje, “cosida” com excertos deste Manifesto é uma
tentativa de falar do que ele é e esclarecer os que foram arrastados por alguns
que o transformaram naquilo que querem que seja. É que como disse o Sartre, «a
desordem é o melhor servidor da ordem estabelecida.»
Apesar de disponível em vários meios, o que ficou e
quiseram muitos que ficasse deste Manifesto, que considero histórico, foi o
facto de ter sido subscrito por pessoas de quadrantes políticos distintos, com
a ausência do PCP-PEV que ficam assim, como o outro, “orgulhosamente só”.
O Manifesto é uma tomada de «posições diversas sobre as
estratégias que devem ser seguidas para responder à crise económica e social,
mas que partilham a mesma preocupação quanto ao peso da dívida e à gravidade
dos constrangimentos impostos à economia portuguesa». É que se à partida, em
política, partamos do princípio que o interesse comum é o objetivo e as
propostas para lá chegar é que podem variar, damo-nos conta que, demasiadas
vezes, quando se tem o poder, mesmo o da oposição, esse objetivo parece perder-se
pelo meio de outros interesses.
Os que o assinaram confirmam que foi a, jocosamente
tratada por muitos, «crise internacional iniciada em 2008 [que] conduziu, entre
outros fatores de desequilíbrio, ao crescimento sem precedentes da dívida
pública» e estão conscientes de que esta «tornar-se-á insustentável na ausência
de crescimento duradouro significativo».
Com a aproximação das eleições europeias, habitualmente
pouco participadas pelos eleitores, é também comum apelar-se à demonização do
euro. A moeda única é, de forma simplória, conotada com a desgraça em que
caímos mas, como diz ainda o Manifesto, «se o euro, por um lado, cerceia a
possibilidade de uma solução no âmbito nacional, por outro, convoca
poderosamente a cooperação entre todos os Estados-membros aderentes. A razão é
simples e incontornável: o eventual incumprimento por parte de um país do euro
acarretaria, em última instância, custos difíceis de calcular, mas
provavelmente elevados, incidindo sobre outros países e sobre o próprio euro.» E
alerta ainda que quando da «entrada em funções da nova Comissão Europeia [a que
sai das próximas e importantes eleições em maio], deverá estar na agenda
europeia o início de negociações de um acordo de amortização da dívida pública
excessiva, no âmbito do funcionamento das instituições europeias.»
Finalmente, a buzzword que me fica deste Manifesto, que
inclui propostas concretas que vos aconselho a ler, poderá resumir-se assim:
«No atual contexto, Portugal pode e deve, por interesse próprio, responsabilizar-se
pela sua dívida, nos termos propostos, visando sempre assegurar o crescimento
económico e a defesa do bem-estar vital da sua população, em condições que são
também do interesse comum a todos os membros do euro.»
Termino. O Manifesto dos 70 é uma posição de oposição.
Construtiva, responsável e moderada, muito diferente da oposição radical que
“rasga vestes”, “arranca cabelos” e promete os “amanhãs que cantam” de que
ainda estamos à espera nos sítios em que são poder.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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