Terça, 18 Março 2014 11:58
O Boeing 777 da Malaysia Airlines, que já se considera o
caso mais misterioso deste tipo de ocorrência, levou-me a pensar no quanto
ficamos incrédulos quando julgamos que temos tudo devidamente controlado num ou
noutro aspeto das nossas vidas e, de repente, algo acontece que nos escapa.
Espantamo-nos mesmo sabendo que há imprevistos, mesmo sabendo que nunca pessoas
poderão controlar totalmente situações ou outras pessoas.
No limite, denúncias, aplicação de leis, revoltas, fugas, revoluções,
intervenções diplomáticas ou bélicas, e até simplesmente eleições têm tratado
de resolver esse tipo de situações em que pessoas tentam controlar outras
pessoas. Já com as falhas em matérias como as tecnológicas, como esta história
dos radares que não encontram o avião ou partes dele, ficamos tão desasados
que, perante a assunção de um erro para o qual não temos justificação,
empurramos a falha para o domínio do misterioso. E fazê-lo é, de facto, assumir
a nossa falta de controlo, às vezes óbvia e sem que se tenha de justificar. Tentar
corrigir o desconcerto perante a falha é algo que algumas vezes,
esfarrapadamente, se faz à custa de coisas que também só no universo do
mistério ganham existência. Isto acontece muitas vezes em domínios não tão
tecnológicos assim, como o das relações de poder em diferentes níveis, por
exemplo.
Ao multifacetado artista e poeta francês Jean Cocteau
atribui-se uma frase, que não consegui contextualizar mas que me pareceu
oportuna, e que diz o seguinte: «Uma vez que estes mistérios nos ultrapassam,
finjamos ser os seus organizadores.» E é assim que muitas falhas são
aproveitadas, quer por quem falha para as remeter abusivamente para a zona do
mistério, quer por quem esteja mortinho por que alguma coisa falhe e venha
recriar maldições póstumas, daquelas em que já não é preciso ser-se bruxo para
as fazer.
Parece-me que há quem muitas vezes se aproveite para
transformar uma falha, que porque é falha não devia ter acontecido ou estar a
acontecer, no tornar-se realidade ou do seu ceticismo sem fundamento ou da sua
discordância por uma razão que não aquela por que se dá a falha, mas fingindo
que é. Normalmente fala assim quem não age, ou não tem oportunidade de agir, e
se coloca na confortável posição de espetador, pois como é sabido “só não erra
quem não faz”. Fala assim quem tem dificuldade em colocar-se, benevolamente
“fingindo-se” (que é o mesmo que imaginar-se) na posição e nas circunstâncias
do outro.
Mas regressemos ao voo 370 da Malásia. Quando eram uma
pálida amostra do que são hoje os instrumentos que permitem a busca de um avião
desaparecido, não era tanta a frustração perante a incapacidade de agora (não
sei como será à hora de ouvirem ou lerem esta crónica) ainda nada se saber. E é
nestas situações de falha que há alguns que se tornam precisamente mais injustos
com os avanços que a humanidade fez e parecem esquecer o que de pior ficou para
trás.
É uma injustiça semelhante que sinto quando oiço aquelas
vozes que desancam nos últimos 40 anos da vida em Portugal e sonham com o
antes. Mas isso é assunto para outra crónica.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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