Em memória de Vittorio de Sica
Este realizador italiano foi um dos poucos que nunca se
afastou do neo-realismo.
O seu cinema, enquanto actor, e enquanto realizador (e
também enquanto autor de argumentos), nunca deixou de bater e rebater a tecla
deste movimento artístico, surgido no pós-guerra.
Houve colegas seus, italianos também, que depois do início
da carreira (Roberto Rossellini, Luchino Visconti, entre outros), se dedicaram
mais tarde a outros géneros, mas ele, Vittorio de Sica, manteve uma grande fidelidade
a este novo conceito de contar histórias.
Aliás, e isto é apenas uma opinião pessoal, nunca apareceu
nenhum outro que as contasse tão bem.
Deixou de lado os cenários faustosos e passou a filmar o
povo nas ruas, passou a filmar a situação calamitosa em que a guerra deixou a
Itália, os dramas do dia a dia, a luta pela sobrevivência.
As personagens do seu cinema nunca foram as meninas bonitas
e casadoiras. E os galãs bem vestidos, bem falantes, montados em brutos
automóveis, também não aparecem na sua maneira de contar histórias.
E não raras foram as ocasiões em que se serviu de actores
amadores, como é o caso do filme sobre o qual hoje vamos escrever.
Emergem neste tipo de cinema as personagens populares, os
sobreviventes, aqueles para quem a luta pelo pão nosso de cada dia é o maior e
mais importante objectivo.
É o movimento neo-realista no seu melhor, achamos nós.
Título Original: “Umberto D”
País de Origem: Itália
Realizador: Vittorio de Sica
Ano de Produção: 1952
Produtores: Giuseppe Amato. Vittorio de Sica....
Idioma: Italiano
Argumento: Cesare Zavattini
Intérpretes: Carlo Battisti, Maria-Pia Casillio, Lina
Gennari....
O enredo do filme conta uma história bem ao jeito do
realizador: Um velho, professor reformado, com uma reforma de miséria e que
vive num quarto alugado, cuja renda anda sempre atrasada. Para além da luta
pelo sustento tem que, diariamente, se bater com a senhoria que anseia vê-lo
pelas costas. Tem como única companhia um cão com quem divide a miséria. Dias havia em que apenas um deles comia. Uns dias
comia o homem, noutros dias comia o cão. Um velho que sempre se bateu por
ideais justos e correctos, mas a quem a guerra, e a crise que se seguiu,
arruinou. Embora já se tenha conformado com a sua situação, conserva ainda uma
réstia de dignidade que o faz andar de cabeça erguida e a fazer uso da sua
antiga sabedoria, passando a outros os conhecimentos de toda uma vida de
ensino. Em determinada altura do filme, o cão desaparece. E é então que
empreende uma busca pela cidade na esperança de encontrar o animal, pois tem
receio que o cão seja abatido num dos canis da autarquia.
Um melodrama bem ao jeito italiano.
Como o filme é inteiramente filmado nas ruas de Roma,
Vittorio de Sica ,aproveita para nos mostrar como era a vida numa cidade
acabada de sair do maior conflito que assolou a Itália.
Uma das características deste realizador, como já alguém um
dia disse, era contar uma história individual e, a partir dessa história,
desenvolver todas as denúncias e condições sociais que rodeavam a
personagem.
Já antes, em 1948, o realizador tinha experimentado esta
receita: só que nessa altura o objecto de busca pela cidade era uma bicicleta.
Aconteceu isso no famoso e muito premiado ”Ladrões de Bicicletas”. Filme de boa
memória, diga-se de passagem.
Voltando ao neo-realismo, tema da minha afeição, como
facilmente se detectará por estes meus escritos sobre cinema, gostaria de
acrescentar que este tipo de fitas também foi tentado em Portugal. Sem
grandes resultados, é verdade. Perdigão Queiroga foi um dos realizadores
portugueses que mais tentativas fez nesse sentido, nomeadamente com os filmes
“Sonhar é Fácil” e “Madragoa”. Mas o regime que então governava Portugal, por
motivos óbvios, não permitiu uma produção continuada.
O argumento de “Umberto D”, de Cesare Zavattini, foi nomeado
para os Óscares em 1952.
Não é do meu conhecimento que este filme tenha passado no
circuito comercial em
Portugal. Acabei por encontrá-lo numa edição de VHS, nos anos
oitenta. De muito má qualidade, diga-se!
Vittorio de Sica nasceu em 1901 e morreu em 1975.
Rufino Casablanca
Terena – Monte do Meio – 1996
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