Uma harmonia desconstruída
«Entre todas as actividades que
me chamaram a atenção durante a minha estada nos Estados Unidos, nenhuma me
impressionou tanto como a igualdade de condições. Não tive dificuldade em
descobrir a influência prodigiosa que este primeiro facto exerce no
funcionamento da sociedade».
Alexis de Tocqueville
(in “Da Democracia na
América”)
Ora,
vem tudo isto a propósito de Jorge Sarabando (in “A Batalha da Memória”) nos lembrar a duplicidade da política
externa dos Estados Unidos - que levou os Americanos a punirem o Iraque
por terem invadido outro país (o Koweit) com uma guerra declarada que incluiu
bombardeamentos sobre alvos civis e sanções económicas (que ainda hoje duram),
e que têm consequências trágicas sobre a vida de milhões de pessoas; tendo
igualmente os Estados Unidos invadido outro país (o Panamá) com a finalidade
expressa de prenderem o respectivo Chefe de Estado (General Noriega) -
tendo as forças armadas americanas empossado, em cerimónia pública, um novo
Chefe de Estado (Guillermo Endara)
- tudo ocorrendo como se não se
tratasse de uma intromissão na vida de um país autónomo; tendo os Estados
Unidos participado e fomentado o golpe de Estado que (na Líbia) derrubou o
Governo do General Kadafi (2011); como igualmente o governo norte-americano
reconheceria ter ajudado o General Pinochet a derrubar o governo democrático de
Salvador Allende (democraticamente eleito)
- no Chile -
abrindo portas a uma ditadura sangrenta que desencadearia um martírio de
prisões políticas, mortes e exílios no povo chileno: isto, entre outras mais
contradições da política externa dos Estados Unidos (americanos exigentes com
alguns países quanto às regras da democracia política, que apresentam como
condição para assinatura de acordos económicos, condescendendo - por
outro lado - com outros países, como a Arábia Saudita - que
não têm Parlamento livremente eleito e onde as mulheres não têm direito a voto
e estão proibidas de conduzir automóvel); americanos que criaram uma aliança
com a Indonésia (aliança que se manteve durante o genocídio indonésio sobre os
Timorenses, que lutavam pela libertação face à ocupação dos indonésios).
Outras
situações contraditórias poderiam ser referidas, no âmbito da política de dois
pesos e duas medidas, no seio das relações externas americanas. Porém, a nossa
preocupação mais crucial é sublinhar a importância de recuperar, nas relações
entre os Estados, o primado dos valores humanísticos, como também entre os
humanos na sua dimensão concreta no plano colectivo, como a nível individual
- defendidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) - que os Estados Unidos igualmente
subscreveram. Estados Unidos que nos libertaram do terror nazi-fascista que
assolou a Europa em meados do século passado, é certo, mas que (atitude
contraditória) assumem uma posição de controle económico mundial que raia a
ditadura do dinheiro (servindo os interesses dos grandes empórios directos e
indirectos espalhados pelo planeta)
- favorecendo uma democracia
formal, é certo, mas que está bastante afastada da democracia real (que
preconiza que todo o Homem é livre e igual em direitos): afinal, os negros na
prática, estão diminuídos em direitos em relação aos brancos, e o pobre não tem
o mesmo acesso a bens que o “magnata”,
e a comunicação social não favorece por igual o bem público, bem como a
economia neo-liberal favorece o mais forte, a justiça continua, numa onda de
puritanismo, obcecada com a preocupação da estabilidade política; tudo isto
pautado, pela manutenção de uma ordem económico-financeira mundial, assente num
capitalismo de mercado, em que os americanos são os parceiros primordiais
(possuindo os lugares-chave na Economia, na Técnica, na Educação, na
Investigação, na Ciência) - enfim,
detendo o controle de uma globalização: numa situação de força catalítica
mundial, que envolve múltiplas contradições por parte da mentalidade
norte-americana (com preconceitos, fobias, crenças, espírito de abertura,
desejo de inovar, estimulação do saber, acolhimento à investigação, abertura ao
investimento) - enfim, um caldeamento de idiossincrasias que
vem desde George Washington, e dos colonos ingleses e escoceses, e que estão
tão bem estampadas no interessante (quanto a nós) livro do escritor
norte-americano John Niven, “A Segunda Vinda de Cristo”.
José Alexandre Laboreiro
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