segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

COLABORAÇÃO DR. ALEXANDRE LABOREIRO

                                    Uma harmonia desconstruída

«Entre todas as actividades que me chamaram a atenção durante a minha estada nos Estados Unidos, nenhuma me impressionou tanto como a igualdade de condições. Não tive dificuldade em descobrir a influência prodigiosa que este primeiro facto exerce no funcionamento da sociedade».

Alexis de Tocqueville
(in “Da Democracia na América”) 

  Diz-nos António José Saraiva (in “O que é Cultura”) o seguinte: «As circunstâncias históricas são, elas, uma consequência, a meu ver inevitável, da própria condição humana, quer dizer, da própria cultura e das condições em que ela se desenvolve». Ora, esta constatação, bastante assertiva, conduz-nos à necessidade  -  para compreendermos os duplos discursos, as políticas contraditórias, o comportamento de “dois pesos e duas medidas” dos políticos  -  de mergulharmos nos contextos económicos, culturais, políticos, sociais, religiosos, etc., em que submergem as suas mentalidades, actuações e interesses (por vezes “rasando” os princípios maquiavélicos, de que “os fins justificam os meios”): o que, como depreenderíamos, nos leva a concluir que a História nos poderá conceder, por vezes, um certo pragmatismo  -  mas nem sempre uma eticidade (embora tenha ocorrido, em França, uma corrente essencialmente moralista da História)  -  levando-nos, contudo, a História-Ciência a pontuarmo-nos primordialmente pela relação causa-efeito.
            Ora, vem tudo isto a propósito de Jorge Sarabando (in “A Batalha da Memória”) nos lembrar a duplicidade da política externa dos Estados Unidos  -  que levou os Americanos a punirem o Iraque por terem invadido outro país (o Koweit) com uma guerra declarada que incluiu bombardeamentos sobre alvos civis e sanções económicas (que ainda hoje duram), e que têm consequências trágicas sobre a vida de milhões de pessoas; tendo igualmente os Estados Unidos invadido outro país (o Panamá) com a finalidade expressa de prenderem o respectivo Chefe de Estado (General Noriega)  -  tendo as forças armadas americanas empossado, em cerimónia pública, um novo Chefe de Estado (Guillermo Endara)  -  tudo ocorrendo como se não se tratasse de uma intromissão na vida de um país autónomo; tendo os Estados Unidos participado e fomentado o golpe de Estado que (na Líbia) derrubou o Governo do General Kadafi (2011); como igualmente o governo norte-americano reconheceria ter ajudado o General Pinochet a derrubar o governo democrático de Salvador Allende (democraticamente eleito)  -  no Chile  -  abrindo portas a uma ditadura sangrenta que desencadearia um martírio de prisões políticas, mortes e exílios no povo chileno: isto, entre outras mais contradições da política externa dos Estados Unidos (americanos exigentes com alguns países quanto às regras da democracia política, que apresentam como condição para assinatura de acordos económicos, condescendendo  -  por outro lado  -  com outros países, como a Arábia Saudita  -  que não têm Parlamento livremente eleito e onde as mulheres não têm direito a voto e estão proibidas de conduzir automóvel); americanos que criaram uma aliança com a Indonésia (aliança que se manteve durante o genocídio indonésio sobre os Timorenses, que lutavam pela libertação face à ocupação dos indonésios).
            Outras situações contraditórias poderiam ser referidas, no âmbito da política de dois pesos e duas medidas, no seio das relações externas americanas. Porém, a nossa preocupação mais crucial é sublinhar a importância de recuperar, nas relações entre os Estados, o primado dos valores humanísticos, como também entre os humanos na sua dimensão concreta no plano colectivo, como a nível individual -  defendidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)  -  que os Estados Unidos igualmente subscreveram. Estados Unidos que nos libertaram do terror nazi-fascista que assolou a Europa em meados do século passado, é certo, mas que (atitude contraditória) assumem uma posição de controle económico mundial que raia a ditadura do dinheiro (servindo os interesses dos grandes empórios directos e indirectos espalhados pelo planeta)  -  favorecendo uma democracia formal, é certo, mas que está bastante afastada da democracia real (que preconiza que todo o Homem é livre e igual em direitos): afinal, os negros na prática, estão diminuídos em direitos em relação aos brancos, e o pobre não tem o mesmo acesso a bens que o “magnata”, e a comunicação social não favorece por igual o bem público, bem como a economia neo-liberal favorece o mais forte, a justiça continua, numa onda de puritanismo, obcecada com a preocupação da estabilidade política; tudo isto pautado, pela manutenção de uma ordem económico-financeira mundial, assente num capitalismo de mercado, em que os americanos são os parceiros primordiais (possuindo os lugares-chave na Economia, na Técnica, na Educação, na Investigação, na Ciência) -  enfim, detendo o controle de uma globalização: numa situação de força catalítica mundial, que envolve múltiplas contradições por parte da mentalidade norte-americana (com preconceitos, fobias, crenças, espírito de abertura, desejo de inovar, estimulação do saber, acolhimento à investigação, abertura ao investimento)  -  enfim, um caldeamento de idiossincrasias que vem desde George Washington, e dos colonos ingleses e escoceses, e que estão tão bem estampadas no interessante (quanto a nós) livro do escritor norte-americano John Niven, “A Segunda Vinda de Cristo”.

José Alexandre Laboreiro


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