Sexta, 14 Fevereiro 2014 10:25
Nunciatura é o substantivo feminino normalmente entendido
como o cargo de núncio, a residência do núncio ou a representação diplomática
do Vaticano noutro país. Mas, núncio, pode também ser entendido como o
anunciador. Sendo Paulo Núncio o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do
Governo de Portugal, então, a nunciatura pode ser entendida como a factura de
Núncio.
Abstendo-me
de falar, pela negativa, do enorme aumento de impostos e do IVA da restauração
e, pela positiva, da reforma do IRC, três medidas cuja responsabilidade não
atribuo apenas a Paulo Núncio. Vejamos, então, o actual legado de Núncio.
A obrigatoriedade de pedir factura sobre todo e qualquer
consumo que façamos em Portugal, acrescida do estímulo – nessa altura, não se
chamava prémio - de podermos poupar 250 euros anuais em IRS, foi a sua primeira
emblemática medida, mas que continha um mal maior: o de, o Estado, poder ter
acesso aos dados pessoais dos cidadãos e poder conhecer todos os seus passos,
isto é, poder saber por onde cada um de nós andou e o que andou cada um de nós
a fazer. Na verdade, ao pedirmos uma factura e ao fornecermos o nosso número de
contribuinte, estamos, ao mesmo tempo, a expor a nossa vida perante quem -
evidentemente, com maldade - pode usar esses dados contra nós!
Depois,
o mesmo Paulo Núncio, tomou duas medidas positivas. A primeira, conhecida por
“IVA de caixa”, embora se aplique apenas a empresas cuja facturação anual não
exceda os 500.000 € tem, por detrás, uma filosofia correcta já que não faz
sentido nenhum que uma empresa tenha de entregar ao Estado o IVA de bens e
serviços que vendeu, mas cujo pagamento ainda não recebeu, como não faz sentido
nenhum que, sendo o Estado devedor a uma empresa, o Estado exija dessa empresa
a entrega do IVA, já recebido ou não dos seus clientes, quando ainda não lhe
pagou o que lhe deve. A segunda medida positiva, foi a autodesignada de
“supercrédito fiscal” e que dizia respeito a uma redução da taxa efectiva de
IRC para os 7,5% durante 5 anos para as empresas que fizessem investimentos até
ao valor de 5.000.000 €. Desconheço, todavia, a eficácia da medida.
Em contrapartida, veio, depois, um perdão fiscal que permitiu a empresas e particulares a
regularização parcial dos montantes em dívida. Sabe-se
hoje que a medida permitiu ao Estado recolher rapidamente mais de 1.200 milhões
de euros e que foram perdoados quase quinhentos milhões de euros. No entanto, a dúvida permanece: é
justo o Estado agir desta maneira? Ou seja, sabendo o Estado que houve muitas
empresas que se prejudicaram e que faliram precisamente porque deviam ao
Estado, o Estado, ao agir assim, não beneficiou o infractor? Sempre achei que
sim...
Aqui chegados, chegámos à factura da sorte, à factura de
Núncio, à nunciatura! Sou triplamente contrário a esta medida. Primeiro, porque
explora o que de pior há no ser humano: ganhar dinheiro, de preferência, sem
fazer nenhum. O chamariz do prémio, é isso que se está a explorar. Depois, ao
estimular-se o pedido da factura sem ser através do benefício que o cidadão
possa ter via Estado, rompendo, portanto, com a filosofia que até agora
presidia à cobrança de impostos, o que se está a fazer é a acabar com a relação
existente entre o cidadão e o Estado e, portanto, paradoxalmente, a agravar-se
a relação entre o Estado e o contribuinte. Assume o Governo - há que dizê-lo -
de forma pragmática, que o Estado é uma coisa má e para a qual só estamos
dispostos a pagar se a isso formos obrigados - daí a necessidade do prémio. Mas
passa-se, errada e erroneamente, a pior das mensagens: a de que nada no Estado
é bom a não ser o prémio. A terceira razão pela qual sou frontalmente contra a
factura da sorte é a mesma que me fez e faz ser contra a obrigatoriedade de ter
de pedir facturas: a de não me ter sido dada qualquer garantia de que, ao pedir
facturas, a minha liberdade individual se encontra completamente salvaguardada.
Algo que, podem os ouvintes da Rádio Diana escrever, um dia se virará contra os
que, agora, assim agem. Nesse dia, queixar-se-ão.
Pode ser, como muitos dizem, que a factura da sorte seja uma
medida muito eficaz. Mas ela é irrevogável – no sentido mais moderno do termo,
claro!
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014
Martim Borges de Freitas
Sem comentários:
Enviar um comentário