Real Hospital de
Montemor-o-Novo
A
história dos hospitais confunde-se com a
própria história dos povos, não fosse a sobrevivência, o primeiro, e mais forte
instinto do ser humano.
Antes
da existência dos hospitais, os doentes eram conduzidos ao mercado para se
exporem. Os que passavam pelo doente, interpelavam-no com o intuito de
verificar se eles próprios tinham sofrido o mesmo mal, ou sabiam de outros, que
o tivessem tido. Podiam, assim, propor o tratamento que lhes fora eficaz. Não
era permitido passar pelo doente em silêncio. Todos deviam indagar a causa da sua
moléstia
O
mais famoso manuscrito sobre o hospício, é o chamado “papirus de Ebers”, datado
de 1550 antes de Cristo, depositado na biblioteca da cidade alemã de Leipzig.
Compõe-se de 108 páginas com 25 linhas em média, cada uma, e contém 875
prescrições sobre afecções viscerais, oculares, ginecológicas e verminosas.
A criação dos hospitais
Quando,
e onde foi criado o primeiro hospital, é uma questão aberta. Sabe-se que o
hospital tem a sua origem em época muito anterior à era cristã.
Em
Portugal, os primeiros estabelecimentos surgiram na época da fundação do país,
em que existiam os grupos dos religiosos, e os grupos dos médicos judeus e
árabes, que possuíam ideologias diferentes, respectivamente à prática da
medicina. Os primeiros praticavam uma medicina popular apoiada no divino,
enquanto os segundos, praticavam uma medicina administrada por bases
científicas. Os primeiros hospitais que possuímos, eram mais asilos para
pobres, do que recolhimento para doentes.
Com
o decorrer do tempo, o Estado passou a ter um poder centralizador, provocando o
surgimento no século XV, dos hospitais modernos. D. João II mandou construir em
Lisboa o “Real Hospital de Todos os Santos” com capacidade para 200 camas, e
nas Caldas da Rainha, homenageou sua esposa, com a construção do “Hospital
Termal Rainha D. Leonor”, que possuía 100 leitos.
Hospital em Montemor
Com
o objectivo de prestar assistência a peregrinos e enfermos, Montemor-o-Novo
acolheu no ano de 1300 a
Albergaria de Santo André, com igreja anexa.
Foram
nomeados primeiros mordomos, Miguel Domingues e Domingos de Araça, mercadores,
que legaram todos os seus bens à novel instituição.
Situada
a nordeste da cidade, alcança-se através da estrada para Mora, na distância
aproximada de 2 km ,
e foi construída em grossa alvenaria, na plataforma de um íngreme cerro. O
espaço adjacente está plantado de oliveiras seculares, destinadas a alimentar
perpetuamente, as candeias do altar.
A
Courela de Santo André do Outeiro era em 1763, património do padre-cura de
Arraiolos, e estava aforada à Misericórdia da vila.
Estes
terrenos murados, destinados a repouso dos romeiros do Apóstolo André, foram
depois, património do Conde de Santo André, Cipriano Justino da Costa. Este
antigo titular, antes de ser elevado a Conde, em 24 de Fevereiro de 1887,
estando o templo já abandonado ao culto, ordenou certas escavações nos terrenos
circundantes. Foi localizado o cemitério da albergaria, e descobertas muitas
moedas antigas.
Nas
suas baixas, e junto à estrada nacional n.º 2, subsiste a velha “Fonte Santa”,
de fresquíssima água calcária, destinada desta vez, a matar a sede aos
caçadores, e aos proprietários das terras.
Vinte
e quatro anos depois, o sopé do Monte Maior, alojou uma nova albergaria – a
Albergaria do Espírito Santo. Esta hospedaria, surgiu no dia 14 de Novembro de
1324, segundo se conclui da escritura original existente no Cartório de D.
Diogo de Sousa, feito pelo tabelião de Évora, Afonso Anes.
João
Vicente, arcediago do Barroso e cónego de Lisboa e Évora determinou, em cédula
testamentária a fundação, nas casas de seu pai, no espaço hoje designado por
Rua do Espírito Santo, de um hospital/albergaria, destinado a recolher enfermos
e peregrinos. Para a sua sustentação, deixou, além de outros imóveis urbanos,
as quintas da Amoreira da Torre, na freguesia da Represa, e a Torre da Gadanha,
então confinada com a herdade de Vale de Asna. Foram seus primeiros
administradores a sobrinha do doador, Iria Anes, seus filhos, e ulteriormente
Maria Afonso. Em 1460, uma carta sentença passada por D. Afonso V, em benefício
de Brites Rodrigues, confirmava a existência da albergaria.
Hospital Real
Estas
duas albergarias juntaram-se, e dessa agregação, surgiu o Real Hospital de Montemor-o-Novo.
O
acordo de junção das duas irmandades foi autorizado por D. João III, em 1531. A este monarca, se
deve a edificação do Real Hospital de Montemor-o-Novo, embora levantado em
empreitadas diferentes. O corpo hospitalar propriamente dito, nos meados da
década de 1530, e a igreja, na data aproximada da morte do mesmo rei – 1557. No
ano de 1531 tomou posse da gerência do Real Hospital, a Ordem dos Cónegos
Regrantes de S. João Evangelista (Lóios) – sendo primeiro provedor, o Padre
Luís de Santa Maria – a qual apenas administrou até 1567, período em que o
Cardeal Infante D. Henrique, Arcebispo de Évora, determinou a sua entrega à
Irmandade da Misericórdia.
Hospital de S. João de Deus
Montemor-o-Novo,
Terra Natal de S. João de Deus, pode orgulhar-se, de ter acolhido o primeiro
Hospital da Ordem Hospitaleira, no nosso país. No ano de 1625, junto ao local
onde João Cidade nasceu, foi inaugurado no convento construído para o efeito, o
Hospital de S. João de Deus, onde se instalou, uma comunidade de 15 religiosos,
que desenvolveu um trabalho meritório na assistência aos enfermos que o
procuravam.
Por
decreto de D. João IV, datado de 3 de Maio de 1643, a Ordem Hospitaleira
de S. João de Deus, ficou incumbida de administrar toda a rede de hospitais militares
de campanha espalhados pelo país.
Para
tratar os feridos dos confrontos armados, travados entre o reino de Portugal e
Espanha, durante a Guerra da Restauração (1640-1668), foram criados vários
hospitais de campanha e de retaguarda. Um hospital de campanha, foi instalado
segundo parece, no Convento de S. João de Deus em Montemor-o-Novo.
Todavia,
no ano de 1764, a
requerimento dos procuradores do povo de Montemor-o-Novo, presentes nas cortes
do Reformador, o Real Hospital de Montemor-o-Novo, passou para os religiosos
hospitaleiros de S. João de Deus, que nem por isso, deixaram o seu Convento e
os seus doentes, passando a trabalhar e a morar, nos dois conventos.
O
Real Hospital teve duas enfermarias altas: uma para homens com 40 camas e outra
para mulheres, com 8 leitos; roda de expostos, instituída em época
indeterminada, botica e albergue de pobres de Cristo. Tratava enfermos,
mendigos, peregrinos e militares em trânsito.
O
corpo administrativo compunha-se, no tempo dos religiosos, de um capelão, boticário,
dois enfermeiros, um advogado, um escrivão, dois médicos, dois cirurgiões,
sangrador, barbeiro, servos, ama da roda, cozinheiro, moço da enfermaria e
almocreve.
Por
decreto de 30 de Maio de 1834 Joaquim António de Aguiar extingue todas as
ordens religiosas, e expropria os seus bens, pelo que a Congregação de S. João
de Deus teve que abandonar o território nacional.
Uma
lei de 21 de Agosto de 1835 removeu para a Mesa da Misericórdia a sua
administração.
. Dentro das possibilidades existentes, o Real Hospital de
Montemor-o-Novo, foi cumprindo a sua missão de cuidar dos doentes, até que, na
sessão de 18 de Abril de 1878, por proposta do provedor, António Maria de
Oliveira e Silva, a Mesa da Santa Casa da Misericórdia chegou à conclusão que
as actuais instalações “não satisfazem as mais triviais exigências duma casa
destinada a restaurar a saúde dos enfermos”.
Hospital Civil de Santo André
A
solução encontrada foi trasladar o hospital que funcionava no Largo do Espírito
Santo, actual Joaquim Pedro de Matos, para outro edifício instalado no Rossio,
o extinto Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, vazio já em 1872. As obras
iniciaram-se em 5 de Novembro de 1881, sendo a data da inauguração do novo
hospital, que recebeu o nome de “Hospital Civil de Santo André” o dia 6 de
Agosto de 1882.
O
soberbo edifício mandado construir por D. João III em 1531 para albergar o Real
Hospital de Montemor-o-Novo, foi vendido pouco depois de 1882 pela Mesa da
Santa Casa da Misericórdia a particulares.
De
repente, a igreja passou a ser utilizada por uma fábrica de moagem de
panificação, (que originou a atribuição do nome de Rua da Indústria, à actual
Capitão Pires da Cruz), depois, como casa de espectáculos, e finalmente, como
armazém de mercearias. As galerias rasteiras, foram transformadas em
estabelecimentos comerciais, e o claustro e corpo alto das enfermarias, para
sede do Grupo União Sport, e uns anos mais tarde, para sede do Clube
Montemorense.
A
portaria do antigo hospício, de jambas rectas, molduradas e verga quebrada, de
granito, ostenta, no centro, a esfera armilar simbólica da casa reinante.
Actualmente,
o espaço encontra-se arrendado ao município de Montemor-o-Novo, que o tem
cedido esporadicamente ao Projecto Ruínas.
Antevemos
um triste fim, para este imóvel classificado como “valor edificado”, no
Regulamento do Plano de Urbanização da cidade.
Augusto Mesquita
1 comentário:
interessante.... parabéns ao investigador!
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