sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

CRÓNICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


Sexta, 17 Janeiro 2014 09:08
Li, há dias, um artigo de Bagão Félix sobre mentiras e falácias relativas a pensões pagas pelo Estado. Socorro-me desse seu artigo, para aqui o repetir e reproduzir a preocupação que cada vez mais tenho pelo desprezo a que os mais velhos da nossa sociedade têm vindo a ser votados, consubstanciada na tentativa cada vez mais forte de quebrar a solidariedade intergeracional e a confiança dos cidadãos no Estado.
Já aqui dediquei pelo menos uma crónica a defender que devemos caminhar para uma lógica em que cada um possa ser livre para criar a sua própria reforma, onde o sistema desobrigue as pessoas de terem de descontar para o Estado demasiado dinheiro, obrigando-as, no entanto, a descontar uma parte, com a garantia de que receberão do Estado a partir de determinado momento o equivalente ao salário mínimo nacional. Nesse sistema que defendo, quem quiser descontar mais poderá sempre fazê-lo. Mas com dois limites: um, nos descontos a fazer agora e, outro, o da pensão a auferir depois. Ou seja, nem agora seria possível descontar mais de x, nem depois seria possível receber mais de y.
Não fora o conjunto inverdades que se vão dizendo por aí e até seria fácil perceber como este sistema é possível, com a vantagem de manter a solidariedade intergeracional intocada, a sustentabilidade da Segurança Social controlada e a confiança no Estado enquanto pessoa de bem assegurada.
Vejamos. Diz-se que as pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública. Mas não se diz que no OE de 2014 a percentagem é, no entanto, de 42,2%, sendo que, quanto às pensões, é ainda preciso descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. O valor que sobra é, então, de 8,1% da despesa das Administrações Públicas.
Diz-se que o sistema público de pensões é insustentável. Mas não se diz que, se o risco existe, ele é cada vez mais consequência do efeito do desemprego e da crise demográfica.
Diz-se que a Contribuição Extraordinária de Solidariedade não é um imposto e que 95% dos pensionistas da Segurança Social escapam à CES. Mas não se diz que é pelo facto de 90% das pensões estarem abaixo dos 500 € que isso acontece nem se diz que, além de ser um imposto duplo sobre o rendimento, a CES trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia carreiras longas e nem sequer distingue idades como até o fazia a chumbada convergência das pensões da CGA.
Diz-se, ainda, que as pensões podem ser cortadas e que os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros. Mas também não se diz que o crédito dos detentores da dívida pública é intocável nem que as pensões tiveram o seu maior aumento do IRS por via da fortíssima redução da dedução específica.
Infelizmente, é assim que se vão tratando os mais velhos, é assim que os mais novos vão tratando os mais velhos. Talvez sem consciência de que um dia também eles serão os mais velhos. Deve ser a isto que se chama ética social da austeridade! Bagão Félix, no exemplo com que ilustrou o seu artigo, foi mais longe e disse que, no Governo, há assessores, jovens promissores de 20 e poucos anos, a ganhar 3.000 € mensais, e que só pagam IRS. Não lhes sendo, portanto, aplicada nenhuma Contribuição Extraordinária! De solidariedade ou outra. A que se deve, então, este ataque aos pensionistas? Qual é, afinal, o objectivo? Porquê?

Lisboa, 16 de Janeiro de 2014

Martim Borges de Freitas

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