Vagueando pelo mundo dos valores: da
Educação e da Cultura
«As Culturas alimentam-se com a
comunicação dos valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua
capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade... Todo o homem está
integrado numa cultura: depende dela, e influi sobre ela. É, simultaneamente,
filho e pai da cultura em que está inserido».
João Paulo II
(in “A Fé e a Razão” -
Carta Encíclica)
É
incontornável o pressuposto de que no acto educativo, se atenda à
multiplicidade de modos de ver o Homem como ser social -
abrindo-se desde logo portas a uma variável de finalidades do Homem e do
modo (meios) de realizar esses fins. Assim, desde logo surgem claros
pensamentos de ordem filosófica, religiosa, política, económica, social -
condicionando uma discussão acesa (revelando os diferentes modos de ver
o problema). Referindo um desejo de orientar o Homem para as suas finalidades
supremas, a educação revelar-se-á diferente conforme se entender o princípio e
o fim do Homem.
Contudo,
quanto a nós, é inabalável a constatação de que o Homem participa de matéria e
espírito: que devemos procurar imbuir de um aperfeiçoamento crescente
(conduzindo-o no caminho que se inicia no ponto de partida do desconhecimento e
da incultura, percorrendo o saber e o saber fazer, até atingir ao máximo a sua
condição de sábio, de entendido - numa dialéctica do “aprender a ser”).
Considerando a
educação como um processo, mediante o qual o Homem se vai transformando,
então -
e atendendo à realidade humana
- há que desenvolver o educando
segundo princípios valorativos que permitam entender os fenómenos humanos, a
sociedade em que vive, de modo a receber o contributo que a essa sociedade ao
longo do tempo foi dado: passando a haver continuidade no processo educativo
(pressupondo o empenho que deve existir de querer tornar a comunidade no
conjunto harmónico), e conduzir cada Homem a participar no sentido de a definir
e aperfeiçoar, tendo por base todo o trabalho e contributo prestados, por
outros iguais anteriormente e simultaneamente. Desta forma, mais que num
simples processo de aperfeiçoamento do Homem
- individualmente
considerado - a Educação tornar-se-á num
processo de aperfeiçoamento do Homem como ser social, que se liga a princípios
definidores da sua Cultura. Há, pois, no fenómeno educativo uma ideia de
movimento, mas esse movimento é orientado; não brota da fonte magnífica que é o
pensamento de um homem, mas ele pressupõe princípios -
éticos, sociais - que permitirão ao Homem transcender a pura
absorção da realidade social que se lhe apresenta para criticar e aperfeiçoar a
realidade histórica, em determinado momento. É um verdadeiro “processo de
vivificação espiritual da tradição cultural” em todas as suas formas,
representando a “tradição cultural” aquele conjunto de valores - nos
quais, afinal, pensa o Homem a sociedade.
Na educação,
há assim em primeiro lugar, a receptividade
- que é seguida imediatamente de
uma capacidade de crítica e reestruturação, dos valores culturais.
Porém, a capacidade
de desenrolar uma actividade crítica estará condicionada se o Homem não se
entender a si mesmo, e ao fenómeno social. É preciso perceber-se a moral, para
se criticar princípios éticos, é preciso compreender a sociedade, os grupos
sociais, para se oferecer contributos válidos para o seu aperfeiçoamento. E
isso prende-se com os valores.
Maria Alice
Fontes (in “Escola e Educação de
Valores”) diz-nos, a dado ponto: «A interiorização pressupõe um crescimento
interior que surge à medida que cada indivíduo vai aceitando atitudes, valores,
códigos ou princípios, para formação de juízos de valor ou para a determinação
de uma conduta... Se se pretende a inculcação de valores considerados
desejáveis, o professor utiliza com frequência o reforço, que se revela eficiente.
Porém, mais eficiente ainda que o reforço é o posicionamento do próprio
professor, perante os valores, o qual funciona como modelo para os alunos pois
o professor é sempre um modelo, por mais imparcial que tente apresentar-se. A
sua imparcialidade é já ela, um modelo. A actuação conjunta do modelo e do
reforço intensificam a inculcação». E a autora, refere os valores da
solidariedade, da empatia, da alteridade, da adesão à Cultura a sensibilidade
ao Belo, o cultivo da Ética, o civismo na Cidadania, a prática da Ecologia, o
apelo e dignificação do Trabalho, a interiorização dos valores da Democracia.
Coménius
(salvo erro, no seu livro “Didáctica Magna”) acentuou: «Somos colocados num
Mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de actores.» E
isso implica que, também na Cultura se inculquem valores: desde a Pintura à
Música, passando pelo Teatro, pela Televisão, pelo Cinema, pela Escultura, pela
Arquitectura, pelo Deseign, pela Declamação, pela Literatura, etc.. E, num
mundo moderno - especialmente - a Cultura
desempenha importante papel na inculcação de valores (para além da adesão
ao Belo): o envolvimento da Arte Neo-realista na difusão dos valores
democráticos, é disso exemplo; ou o papel da Arte realista na sensibilização dos
fruidores da Arte, para as realidades socioeconómicas dos finais do séc. XIX, é
outro exemplo; ou o intuito da Arte Moderna de “desconstruir” o falso
equilíbrio socioeconómico em que nos detemos e vivemos, é ainda outro; bem como
o majestático da Arte do séc. XVIII europeu, inculcava nos povos, através da
opulência, o poder catártico de um amor nacionalista em torno do poder
central - o Rei. Isto, a par dos valores do Humanismo,
da Piedade, do Amor, da Militância, do Patriotismo, da Religiosidade, que a
Cultura (seja na Arte, seja na Literatura, na Música, no Teatro, no Cinema,
etc.) nos podem influenciar - e esta realidade assistiu-nos ao longo dos
tempos. Aliás, não é impunemente, que António José Saraiva (in “O que é a Cultura”) nos adianta: «As
circunstâncias históricas são, elas, uma consequência, a meu ver inevitável, da
própria condição humana, quer dizer da própria Cultura e das condições em que
se desenvolve». Temos então, como é dito, a História Humana a ser condicionada
pela Cultura, pelos valores culturais. Assim, a título de exemplo, se
compararmos os tempos do Estado Novo (e os valores que a arte oficial da época
nos oferecia) com os tempos actuais da Democracia (e as formas de Arte que
actualmente se vive), poderemos justificar a afirmação adiantada, e a
constatação dos valores culturais a condicionarem a História do Homem.
José Alexandre
Laboreiro
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