Iniciamos hoje um pequeno ciclo de quatro crónicas sobre
cinema sempre cobertas com o título genérico “Cine-Clube Domingos Maria Peças” – Fase IV. Estas
crónicas abordam assuntos relacionados com o cinema português das décadas de
trinta e quarenta do século XX, quando Portugal já vivia sob a ditadura
salazarista. As crónicas são da autoria de Rufino Casablanca, falecido em 2010,
e foram gentilmente cedidas ao Al-Tejo por Eveline Sambraz.
Para ela vão os nossos agradecimentos.
Chico Manuel
“Alguns nomes dos primeiros
anos do cinema português”
António Ferro
Lá pelos fins de 1933 – Outubro, salvo erro – foi criado o
Secretariado Nacional de Propaganda. Este secretariado era chefiado por António
Ferro e vinha na sequência da entrada em vigor, uns meses antes, da
Constituição Política da República Portuguesa. Um dos artigos dessa
constituição dizia que Portugal passava a ser uma República Unitária e
Corporativa. Os portugueses, nos quarenta anos seguintes, viriam a descobrir o
que isso queria dizer, pois essa constituição só viria a ser completamente
substituída por aquela que hoje nos rege.
Ora o Secretariado Nacional de Propaganda tinha, entre
outras responsabilidades, a tutela do cinema português, pois era consensual que
esta arte seria uma boa via de propaganda do regime.
Em resumo, era a estreia do “Estado Novo” na legislação
destas coisas do cinema.
E o homem que iria dirigir esse secretariado, António Ferro,
embora ainda relativamente novo, era um intelectual já com nome feito na área
cultural do país: tinha estado ligado aos modernistas das primeiras décadas do
século – Almada Negreiros, Santa Rita Pintor, Amadeo Souza Cardozo, entre
outros. E até Fernando Pessoa – enfim, todo aquele pessoal que gravitava em
redor da revista “Orpheu”. Revista essa de que chegou a ser director quando
ainda não tinha vinte anos.
Era quase, quase, um menino-prodígio.
Politicamente, alinhou sempre no campo das ideias mais
antidemocráticas, conservadoras e retrógradas.
Apoiou Sidónio Paes e Filomeno da Câmara, e aquando do golpe
militar que depôs a Primeira República, em Maio de 1926, ficou do lado da
ditadura.
Admirador confesso do fascismo italiano e de Mussolini – e
mais tarde do nazismo de Hitler – não hesitou em apoiar Salazar
quando este chegou ao poder. Homem de letras, escreveu livros e fez poesia, mas
foi no jornalismo que mais se distinguiu. Como grande repórter e grande
entrevistador, fez entrevistas a muitos políticos europeus da época, entre os
quais Mussolini e, como não podia deixar de ser, a Salazar. Há até quem diga
que a imagem do Salazar, devotado à Nação, ao bem estar dos portugueses e
incansável no trabalho de Estado, foi ele quem a construiu.
Ficaram célebres as entrevistas que fez ao chefe do governo
português, e que foram publicadas no “Diário de Notícias”. Posteriormente foram
também publicadas em
livro. Foram inúmeras as funções que exerceu durante a
ditadura, umas oficiais, outras oficiosas, mas sempre na primeira linha. Entre
elas, a de director da Emissora Nacional.
Acabou como embaixador de Portugal na Suíça e no Vaticano.
Por essa altura já as relações entre ele e Salazar tinham
arrefecido.
Resta acrescentar que nasceu em 1896 e faleceu em 1956.
Embora de forma resumida, é este o perfil do homem em cujas
mãos ficou o cinema português lá pelos idos de 1933.
Mas que não se pense que António Ferro era um desconhecedor
da arte do cinema. Desde muito novo se interessou por esta nova forma de
expressão artística. Ao ponto de proferir conferências, ainda no tempo do
cinema mudo, sobre este tema.
Ainda no tempo da 1.ª República, viajou pelos Estados Unidos
da América, demorando-se em Hollywood que, por essa altura, já era a capital da
7.ª Arte. Dessas viagens escreveu dois livros que ainda hoje são indispensáveis
para quem pretende estudar a história do cinema em Portugal e a orientação que
ele lhe deu quando para isso teve poder
E a ele se devem algumas das principais iniciativas que
levaram aos grandes êxitos populares de alguns filmes realizados nas décadas de
trinta e quarenta.
Rufino Casablanca
Monte do Meio
Maio de 1995
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