Sexta, 24 Janeiro 2014 12:24
A última vez que me pronunciei sobre a co-adopção, aquando
da aprovação na generalidade do projecto de lei que permite a co-adopção por
pares homossexuais, terminei essa minha reflexão dizendo que, mais uma vez, por
oposição a uma esquerda determinada em vencer pelas ideias, a direita tinha
claudicado. E porquê? Porque não tendo ou não querendo saber de princípios,
essa mesma direita pede-nos para nos esquecermos dos nossos próprios valores.
Com a co-adopção na Assembleia a República do referendo sobre a
co-adopção - o PSD propô-lo e votou-o favoravelmente e o CDS absteve-se -
infligiu-se, na verdade, uma golpada no método de decisão parlamentar, que,
sendo da inteira responsabilidade do PSD e sendo de lamentar, resulta de uma
virtude como eu já não via há bastante tempo em política: é que, sobretudo, o
PSD percebeu a irresponsabilidade com que tratou o assunto na altura da
aprovação do diploma na generalidade, quando não quis saber nem dos seus
militantes nem do seu eleitorado para nada, ou seja, quando não quis saber da
sua base social de apoio para coisa nenhuma! Ora, com esta manobra, o PSD o que
veio reconhecer foi que, ao contrário do que tem sido dito e feito, os partidos
devem representar os seus eleitores. Se o PSD o tivesse feito no momento certo
e tivesse tratado o assunto com a seriedade que merece, muito provavelmente nem
o projecto de lei sobre a co-adopção por pares homossexuais teria sido aprovado
na generalidade nem o PSD teria tido necessidade de enveredar por um caminho a
todos os títulos reprovável, que põe até em causa o instituto do referendo, que
deve ser defendido e protegido.
Não será difícil aceitar que quer a base social de apoio
do PSD quer a base social de apoio do CDS olhem para esta co-adopção, isto é,
para a adopção por uma pessoa casada ou em união de facto com outra do mesmo
sexo, quando em relação a esta já esteja estabelecida a filiação, natural ou
adoptiva, pensando que o superior interesse da criança, mais do que violado ou
até ignorado, é substituído. Na verdade, com a adopção propriamente dita, o que
se pretende é dar à criança o pai e a mãe que pelas circunstâncias da sua vida
ela perdeu. E é este direito – este é que é direito da criança – que, uma vez
observado, garante o superior interesse da criança justamente pela
possibilidade de poder ser reintegrada no modelo familiar que perdeu. É normal
que a generalidade do eleitorado do PSD e do CDS assim pensem.
Além disso, na realidade, não existe um direito a ter
filhos. Pode vir a ter-se filhos ou não. Mas não existe esse direito. Ao
contrário, existe, sim, o direito a ter pai e mãe. E o que aquele projecto de
lei visa, é conferir o direito a certos homossexuais a co-adoptarem crianças.
Dizer-se, por conseguinte, que, ao permitir que uma criança seja entregue a
dois pais ou a duas mães, o projecto de lei visa o superior interesse da
criança, é que não faz sentido algum, pela simples razão de que ao permitir-se
essa co-adopção está automaticamente a impedir-se que a criança, exactamente
essa criança em concreto, possa vir a ser adoptada num ambiente familiar. Salvo
melhor opinião, isso é vedar-lhe um direito: o direito a ter pai e mãe.
Discutir, por outro lado, se dois homens ou duas mulheres
estão a ser discriminados porque não podem co-adoptar, esse, é um assunto
completamente diferente, já que, neste caso, o debate é sobre o que é bom para
eles e não o que é bom para a criança. Mas, não é isso, digo eu, que está em
discussão!
Em conclusão, o que nos deve preocupar enquanto sociedade
é, sim, e em primeira linha, o que é bom para a criança. E é isso, justamente
isso, que todos, enquanto sociedade, devemos ser capazes de assegurar.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2014.
Martim Borges de Freitas
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