Ermida de São Lázaro
É
milenar a utilização do nome “Lázaro” para designar a pessoa que está acometida
de lepra, ou seja, “o leproso”. Por detrás disto está uma parábola de Jesus
Cristo registada no Evangelho segundo São Lucas, que a seguir, transcrevo:
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e todos os
dias se regalava esplendidamente. Ao seu portão, alguém deitou um mendigo,
chamado Lázaro, todo coberto de úlceras, que se alimentava (?) com as migalhas
que caíam da mesa do rico. Os próprios cães vinham lamber-lhe as úlceras.
Após
a sua morte, o mendigo, foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. Pouco
tempo depois, morreu o rico. No inferno, estando em tormentos, ergueu os olhos
e viu ao longe Abraão com Lázaro a seu lado. E chamando, disse: Pai Abraão tem
misericórdia de mim, e envia-me Lázaro para que molhe na água a ponta do dedo e
me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém
Abraão: Filho, lembra-te que em vida, embolsaste os teus bens, e Lázaro de
igual modo, os males; agora também ele aqui é consolado, e tu atormentado.
Este
mendigo, chamado Lázaro, que não deve ser confundido com o Lázaro de Betânia,
que foi ressuscitado por Jesus, é o único personagem das parábolas de Jesus que
possui nome próprio. Por causa disso, muitos teólogos e estudiosos indicam que
ele realmente existiu. A tradição da Igreja Católica o venera como santo
protector dos males da lepra e dos mendigos. Sua festa litúrgica é celebrada em
21 de Junho.
Falar de
Lázaro, padroeiro dos leprosos e mendigos é falar de lepra.
A
lepra é uma doença muito antiga e a sua expansão deve-se às conquistas,
cruzadas e colonizações entre diferentes continentes e países; é uma doença
bacteriana crónica da pele, dos nervos das mãos e dos pés e das membranas do
nariz. O doutor norueguês Armauer Hansen descobriu em 1876 o bacilo responsável
da lepra: o Mycobacterium Lapre.
Há
quem classifique o HIV (sida) e a Gripe A como a Peste Negra do século XXI; da
mesma maneira a tuberculose foi a peste negra do século XIX, e a pneumónica a
do início do século XX, tudo devido ao gigantesco número de mortes que
provocaram no passado…
Mas
afinal, o que foi a Peste Negra, surgida na Europa no século XIV? Apenas uma
doença, na altura de origem desconhecida, que em dois anos, levou à morte um
terço da população europeia.
A
visita da peste a Portugal ocorreu no Outono de 1348 e ficou registada por
escrito: “morria-se quase em saúde e os que hoje estavam sãos, iam amanhã a caminho
da sepultura”. Esta enfermidade levou a nação ao caos. Foram inclusivamente,
convocadas cortes em 1352 para restaurar a ordem pública.
As
gafarias, criadas por iniciativa do rei, dos municípios e dos próprios
leprosos, foram surgindo ao ritmo da expansão da lepra. Houve épocas em que os
doentes tinham que andar vestidos todos de negro, com duas mãos brancas cosidas
no peito do vestuário, e com um grande chapéu preto, também com uma fita
branca.
Em
Portugal os contagiados com a doença, não eram obrigados a internamento em
gafaria; este era voluntário ou decidido pela família. Claro que os que
recusavam viver nas leprosarias, tinham que viver igualmente isolados, mas em
locais por eles escolhidos, e podiam deslocar-se, desde que avisassem os
transeuntes, para o que tocavam uma espécie de castanholas, para todos saberem
que eles se aproximavam.
Na
Vila Notável, no sopé da colina, que ao norte da vila velha, se reclinava junto
a uma linha de água, e às hortas de Montemor-o-Novo, surgiu em data desconhecida,
uma gafaria, destinada a internamento dos gafos ou leprosos. As gafarias eram
também designadas por leprosaria (e mais tarde, lazareto, termo que deriva do
facto de a lepra ser então igualmente conhecida como o mal de Lázaro).
Encontrava-se afastada do povoado, tal como todas as outras Gafarias do Reino,
devido ao perigo de contágio. Em caso de declaração de peste eram colocadas
bandeiras brancas à entrada da vila – sinal identificador de que a urbe estava
sob quarentena e, portanto com acesso condicionado. Parece que a gafaria
montemorense, foi depois mudada para Santo André do Outeiro. Situada a dois
quilómetros ao norte da vila, à esquerda e perto da estrada que segue para
Mora, eleva-se um cerro com sua ermida no alto. É um templo romano modificado pelo
gótico.
A
lepra, é chamada “a doença mais antiga do mundo”, afectando a humanidade há
pelo menos quatro mil anos.
Em
Portugal a doença está praticamente erradicada, e os avanços no combate à
enfermidade têm sido enormes. No nosso país, nos últimos anos, surgiram apenas
11 casos.
No
último Domingo do mês de Janeiro de cada ano, celebra-se o Dia Mundial de Luta
Contra a Lepra.
Junto
ao primitivo estabelecimento de assistência aos leprosos, foi construída em
data ignorada (1400?), a ermida de São Lázaro, na Rua da Guarda (actual Rua de
Lisboa).
Administrada
pela Câmara Municipal e possuindo muitos foros passivos, El-Rei D. Manuel
autorizou, segundo Alvará de 25 de Agosto de 1513, que os mesmos fossem
alienados, e transformados em monetário, para benefício dos pobres e
pestíferos. Ulteriormente, foi gerida pela Mesa da Misericórdia, voltando ao
senado municipal em 1837, que até épocas modernas procedeu ao seu culto divino.
O senado municipal era o órgão deliberativo de cada um dos municípios de
Portugal, na organização administrativa em vigor entre 1913 e 1936.
Em
meados do séc. XIX, o edifício sofreu um corte substancial na estrutura
primitiva, promovido pelo Estado, durante a rectificação do leito da Rua da
Guarda, transformada em estrada nacional, que lhe diminuiu os volumes e o
carácter ancestral, sendo-lhe imposta a presente fisionomia arquitectónica
exterior, com alçado recoberto por cortina de ameias de fantasia, campanário
sobrepujante à sacristia, com cronograma sumido, e frontaria na mesma orientação
ocidental, cunhada de falsas pilastras rústicas, friso com pequeno elemento
decorativo em forma de trevo, portada de ogiva lanceolada e jambas reproduzindo
fustes góticos.
Muito
abandonada dos poderes públicos nos primeiros lustres do séc. XIX, foi reaberta
ao culto em princípios de 1946, após obras de conservação dirigidas pelo
arquitecto portuense Brito e Cunha, com subsídios angariados pelo Jornal “A
Folha do Sul”, da direcção do engenheiro Filipe Malta da Costa.
O
corpo interno sofreu, logicamente, as consequências da obra, incluindo a
decoração de tintas de água, muito embora mantivesse os volumes quinhentistas
dos benefícios post-manuelinos.
Dispõe-se
em estrita nave de planta rectangular, coberta por abóbada de três tramos
nervurados, com toros redondos, muito compactados e fechados por bocetes
cilíndricos, hoje cegos, de alvenaria. Arranque de mísulas em forma de pinhas
estilizadas.
O
altar-mor, integrado no mesmo vão, e que substituiu o primitivo, de material
ignorado, é constituído por retábulo de alvenaria trabalhada e escaiolada, de
inspiração rococó mas de factura recente. Dividido em três nichos porticados,
tem as imagens do Senhor Crucificado, no axial, e lateralmente uma Virgem
Orante e S. Brás (este medindo de altura 1,05 m ), peças de madeira, restauradas e
redouradas, com carácter setecentista.
Estas
esculturas, excluindo o Cristo que saía em procissão anual, com a irmandade,
foram recolhidos no templete depois de 1758, data em nele existiam, o padroeiro
“S. Lázaro” e o “Senhor dos Remédios”, ambos desaparecidos.
Nos
alçados subsistem três pinturas murais, talvez oitocentistas, metidas em
medalhões alipsoides, representando, na Epístola, “S. Francisco de Assis” e no
Evangelho, “S. Brás”, Beato e Mártir e “Santa Maria Madalena”.
Dimensões
interiores do templo: 5,70 m
de comprimento por 2,70 m
de largura.
Actualmente,
esta ermida, apenas abre as suas portas, quando do percurso dos Santos Passos,
que é uma invocação de Jesus Cristo, e uma devoção especial da Igreja Católica
a Ele dirigida, que faz memória ao trajecto percorrido por Jesus Cristo desde a
sua condenação à morte no pretório, até ao seu sepultamento, após ter sido
crucificado no Calvário.
Augusto Mesquita
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