O Monumento a S. João de Deus
foi inaugurado há 50 anos
Em 8 de Março de 1495, pousaram pela primeira vez, os olhares paternais e felizes, no novo habitante da Rua Verde, uma das mais estreitas da área extra-muros de Montemor-o-Novo, nobre vila do Alentejo, então uma das mais importantes do Reino, numa humilde casa, na qual se fundou depois o mosteiro da sua invocação, que quase eliminou, a mundialmente conhecida – Rua Verde.
Em 8 de Março de 1495, pousaram pela primeira vez, os olhares paternais e felizes, no novo habitante da Rua Verde, uma das mais estreitas da área extra-muros de Montemor-o-Novo, nobre vila do Alentejo, então uma das mais importantes do Reino, numa humilde casa, na qual se fundou depois o mosteiro da sua invocação, que quase eliminou, a mundialmente conhecida – Rua Verde.
Seu
pai, de humilde condição, mas de bons costumes, se chamava André Cidade. O nome
da mãe não se conhece. Alguns biólogos chamam-lhe Teresa ou Ana Duarte.
O
primeiro acto, que terá decidido do seu futuro, e preparado as vias da sua
santificação, é humanamente considerado, antipático: o abandono do domicílio
paterno, aos oito anos de idade, sem deixar rasto nem dar notícias!
Este
acto juvenil e inexplicável custou a vida à mãe, que menos de um mês volvido
“morreu de saudade”. Após o duplo choque, o pai optou por recolher ao Convento
de Xabregas em Lisboa.
Filho
de judeus? Não era certamente vulgar que um rapaz abandonasse a sua casa com
tão pouca idade. A suposição da origem judia de João Cidade, pode explicar a
saída precipitada da terra natal, possivelmente, arrebatado à família, para se
pôr a salvo de eventuais perseguições. Em 1674 o Padre António Vieira no seu
“Memorial a favor da gente de nação hebreia”, defende esta hipótese. Semelhante
suposição foi seguida por vários historiadores espanhóis e portugueses.
Opinião
diferente teve o nosso conterrâneo Banha de Andrade, que em 1978 defendeu: Por
muito que se suspeite da consciência das testemunhas que, em Montemor-o-Novo,
depuseram no processo de Beatificação, convém saber que a qualidade de
cristãos-velhos, aliás exigida para a Canonização, foi inquirida, com os meios
de que se dispunha. As testemunhas depuseram que Pai e Mãe não tinham sangue
infecto, e ninguém apresentou provas em contrário. E , nestas circunstâncias, e na falta
de qualquer documento sério, por que levantar hoje a questão, sem o fundamento
de suspeita razoável?
Razão
tem o historiador francês Alexis de Tocqueville ao afirmar que, “a história é
uma galeria de quadros, onde há poucos originais, e muitas cópias”.
Incertezas
à parte, João Cidade chega a Espanha, e instala-se em Oropesa, onde passou os
primeiros anos da sua juventude a guardar ovelhas, e depois foi camponês. Não
lhe agradando estas profissões, passou à Estremadura Castelhana, e adoptou a
profissão de criado de servir. Ainda não satisfeito do seu ofício, e
organizando o Conde de Oropeza um corpo de tropas por ordem do imperador Carlos
V, que andava então em guerra com Francisco I, Rei de França, João Cidade se
alistou neste corpo, e foi um bravo militar nos diversos combates que então se
travaram, merecendo ser oficial por distinção. Terminada a campanha, sentiu o
desejo de ver a sua terra natal. Obtida a necessária autorização, encaminha-se
de seguida, para Montemor-o-Novo. Alegre, entrou na vila, desejoso de ver os
pais, e de rever os lugares da sua infância. A realidade, no entanto, não
correspondeu ao que esperava, e a morte de seus pais, teria aprofundado o vazio
das expectativas frustradas. Daí a desilusão traumática que sofreu, e o aliciar
ao corte com as suas raízes.
Disso
mesmo se fez eco, através de uma lenda, que em Montemor-o-Novo se foi
transmitindo, de geração em geração: João Cidade, profundamente desiludido com
a sua terra, e antes de a abandonar definitivamente, teve o gesto simbólico de
sacudir as alparcatas no limite do seu termo, o chamado “Alto da Abaneja”, para
que, segundo a lenda, nem a mais pequena partícula de pó, pudesse levar
consigo.
Depois
de percorrer vários locais, e de ter trabalhado nas muralhas de Ceuta,
encontrou em Granada, S. João de Ávila, homem sabedor, de grande virtude e de
incasável zelo, a quem chamavam – o apóstolo da Andaluzia. Depois, de com ele
ter trabalhado em prol dos enfermos, funda em Granada no ano de1539, um pequeno
hospital em pobre casa alugada, no qual ele é tudo: médico, enfermeiro, servo,
cozinheiro, e director de consciências. Anda em busca de doentes pelas ruas,
leva-os às costas para o seu hospital, faz-lhes os pensos e prepara-lhes as
comidas, lava-os e exorta-os à prática da Religião Cristã. Para fazer face às
despesas, mendiga pelas ruas em altas vozes, como S. Francisco de Assis, com o pregão:
“Irmãos, fazei bem a vós mesmos, dando esmola aos pobres”.
E
é ele só para tamanha lida, para tarefa tão descompassada às suas débeis
forças, tão mal mantidas em jejuns contínuos, por vezes com uma só hora de
sono.
As
esmolas vinham regularmente abundantes; as pessoas mais gradas da terra viam o
hospital com simpatia crescente, e ajudavam liberalmente às despesas; mas os
braços para o trabalho?
Pensava
nisto o caritativo montemorense, quando encontra os seus dois primeiros
auxiliares. Após estes, vêm outros. Há já fartura de braços, de dinheiro e de
corações, para auxiliarem o seu semelhante.
Ele
mostra o maior valor moral que ao homem é dado: o ter dó de todas as
fragilidades, comover-se de todas as fraquezas!
E
quando exausto da luta contra tantos, e tão graves males do mundo, morreu a um
sábado, 8 de Março de 1550, com 55 anos de idade. Jaz na igreja do seu hospício
em Granada.
Ao
entregar a Deus a formosa alma, uma grande obra ficava fundada – a dos “Irmãos
Hospitaleiros de S. João de Deus”. A obra, está hoje presente em mais de
cinquenta países dos cinco continentes, com cerca de 300 hospitais e obras
assistenciais, servidos por milhares de religiosos e de religiosas, que alguns,
ainda trajam o pobre hábito que a Bula de 2 de Fevereiro de 1571 concedeu que
usassem.
Em
21 de Setembro de 1630. João Cidade foi beatificado por Urbano VIII, que o
declarou “Glorioso”.
Sessenta
anos depois, em 16 de Outubro de 1690, foi canonizado pelo Papa Alexandre VIII.
S.
João de Deus é ainda, o padroeiro dos enfermeiros, e sua memória litúrgica é
celebrada a 8 de Março, feriado municipal na sua terra natal.
Encaixa
que nem uma luva neste artigo, o texto que Mestre Leopoldo Nunes escreveu sobre
S. João de Deus – “Ninguém no mundo depois de Cristo, o igualou em caridade”.
Em
1933, a
Comissão Administrativa da nossa Câmara Municipal presidida pelo Dr. Alfredo
Maria Praça Cunhal, solicitou aos Senhores Ministros das Obras Públicas e da
Instrução, a construção dum monumento a erigir nesta vila ao grande filantropo
S. João de Deus. O pedido não obteve a concordância do Governo.
O
regresso de S. João de Deus a Montemor-o-Novo no IV centenário da sua morte.
Desde
o Alto da Abaneja, limite do concelho, ardiam de 100 em 100 metros grandes
fogueiras que transformaram o desfile numa caminhada feérica e indescritível,
foi a chegada à vila dos restos mortais de S. João de Deus. No momento
previsto, às 21,00 horas do dia 2 de Outubro de 1950 foi a chegada à vila, ao
Rossio. Ao aparecer a preciosa e artística urna com 1,88 metros de altura,
reboaram pelo ar entusiásticos vivas a S. João de Deus, e a Portugal. O cortejo
seguiu depois, através de ruas profusamente iluminadas, até ao Largo de S. João
de Deus, incorporando-se nele todas as representações que o aguardavam, com o
Senhor Cardeal legado debaixo do palio.
As
relíquias de S. João de Deus deixaram Montemor-o-Novo às 11,00 horas do dia 4
de Outubro, e antes de regressarem a Espanha no dia 8, deslocaram-se também a
Lisboa, ao Telhal e a Fátima.
Inauguração
do Monumento – Com o objectivo de perpetuar a memória do seu filho mais
ilustre, Montemor-o-Novo engalanou-se, para receber no dia 2 de Setembro de
1963, o Senhor Presidente da República, Almirante Américo Tomás, que em visita
oficial, inaugurou o Monumento a S. João de Deus, levantado em frente à Igreja
Matriz, próximo do local onde nasceu.
O
programa foi o seguinte: Pelas 15,30 horas entrou o Venerando Chefe do Estado,
no limite do concelho, no chamado Alto da Abaneja. O Presidente da República
fez-se acompanhar dos Senhores Ministros do Interior e da Justiça, assim como,
de outras altas individualidades.
Depois
de breve sessão de Boas Vindas na Câmara Municipal, o Senhor Presidente da
República deslocou-se ao Terreiro de S. João de Deus, onde inaugurou o monumento
ao Santo Hospitaleiro. Uma imagem em bronze, no tamanho real, que mostra o
Santo transportando às costas um doente, e a sua inseparável alcofa das
esmolas. Na peanha, revestida a mármore, foram colocados caracteres em bronze,
que formaram os seguintes textos:
S. JOÃO DE DEUS 8.3.1495 – 8.3.1550;
TUDO PERECE SÓ A BOA OBRA PERMANECE e FAZEI O BEM, IRMÃOS, PARA O BEM DE VÓS
MESMOS.
Em
seguida fez uma breve visita ao Hospital Infantil de S. João de Deus, onde os
Irmãos Hospitaleiros continuam a obra do maior montemorense de todos os tempos.
O
Senhor Almirante Américo Tomás assistiu em seguida à tourada que nesse dia se
realizou na Praça de Touros desta vila, organizada por outro grande
montemorense, Mestre Leopoldo Nunes, e cuja receita reverteu para o Hospital
Infantil.
No
final da corrida, o Chefe de Estado e comitiva, seguiram para o Salão Nobre do
Teatro Curvo Semedo, onde lhes foi oferecido um “Porto de Honra, depois do qual
seguiram para Lisboa.
O
Almirante Américo Tomás, fica ligado ao monumento ao mais ilustre filho de
Montemor-o-Novo, o grande João Cidade, que a igreja canonizou sob a denominação
de S. João de Deus, pela oferta que fez, quando Ministro da Marinha, do bronze
necessário à sua construção.
O
Monumento importou em 74 326$50 (setenta e quatro mil trezentos e vinte seis
escudos e cinquenta centavos), conforme a seguir se descrimina: fundição da
estátua – 25 000$00; transporte da mesma – 1 000$00; empreiteiro – 26 500$00;
arquitectos – 3 500$00; granito polido – 9 650$00; letras (fundição e
colocação) – 6 806$50, e vários – 1 870$00.
Durante
anos, o monumento manteve-se impecável, até que, com a chegada do vandalismo à
Vila Notável, as letras cravadas no monumento, foram desaparecendo, para
espanto dos muitos peregrinos, que antes de visitarem a cripta, admiram o
monumento de homenagem ao santo montemorense.
Em
Agosto de 2008, o município mandou retirar as poucas letras ainda existentes,
substituindo-as por gravação no granito. Foi uma excelente opção, que se saúda.
Mas,
quando da minha visita ao local para preparar este escrito, verifiquei que
parte da tinta dourada que cobria as letras, desapareceu, o que torna
impossível, a leitura dos textos…
Augusto Mesquita
Augusto Mesquita
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