Umas curtas palavras em jeito de recensão crítica
(Viriato -
citado por Diodoro Sículo)
Lamentamos
o facto de não ter sido possível inserir a conferência do Prof. Fernando Rosas,
no livro que vimos referindo - uma vez que consideramos (embora todas elas
nos tivessem preenchido o espírito) a conferência mais conseguida, mais
entusiasmante e arrebatadora (porque mais articulada na relação causa-efeito da
multiplicidade de factos e condicionalismos da História da I República) -
ausência de Fernando Rosas na edição da Antologia, explicada aliás,
durante o lançamento do livro na Biblioteca Almeida Faria.
Incide
este estudo antológico, com certo particularismo, sobre o “interland” de Montemor-o-Novo: atitude feliz, uma vez que
Montemor-o-Novo vivenciou as esperanças e as expectativas do Movimento
Republicano - como o comprova os cerca de 80 topónimos de
Ruas, Travessas, Largos e Praças deste Concelho, designações toponímicas de
inspiração republicana. Como feliz foi a edição desta Obra Historiográfica - uma
vez que uma comunidade que apaga a sua memória, é uma comunidade morta; ou, por
outras palavras, um país sem História não tem qualquer importância aos olhos
dos outros países, no concerto das nações (como nos diz Joseph Hours in “O Valor da História”). É certo que
foi curta a vigência da I República (com alguns desencontros e sombras que não
permitiram a consecução dos ideais que acompanharam os republicanos do “31 de
Janeiro”, da propaganda republicana em finais da Monarquia, dos parlamentares
republicanos nas Cortes, do “5 de Outubro”, das vítimas da “noite sangrenta” de
19 de Outubro de 1921, dos que enfrentaram as incursões monárquicas (armadas pela
monarquia espanhola), dos que generosamente combateram os alemães (e a sua
ideologia arrogantemente ultra-conservadora) em França, na Bélgica, e no
alto-mar). «O sonho comanda a vida» - dir-nos-ia mais tarde Gedeão. E, realmente, é
mais fácil governar um povo sem sonho, alienado, sem mente pensante - daí
as ditaduras.
O
propósito da I República era precisamente ginasticar as inteligências,
instruir, consciencializar, aculturar, tirar a venda dos olhos aos 80% das
pessoas analfabetas que recebera da Monarquia
- no propósito de uma vida mais
feliz. E, para isso, surgiram as Universidades de Lisboa e Porto, o
desenvolvimento dos Politécnicos, apareceriam as Universidades Populares, a
expansão do Ensino Primário, aparecem os livros de bolso, surgem revistas
culturais (como a “Seara Nova”), divulgam-se Conferências, Concertos de Música
Erudita (a baixo preço), Exposições de Artes Plásticas, Espectáculos de Ópera;
com o Republicanismo, surge uma plêiade de escritores de cunho autenticamente
democrático e português (como Junqueiro, Gomes Leal, António Patrício ou Raul
Brandão, entre outros), surgem os livros infantis, emergem grandes oradores
(como Cunha Leal, António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga,
Ramada Curto), surge uma Imprensa Livre; no campo da Ciência, surge o Instituto
do Cancro, progride imenso a Psiquiatria, Ricardo Jorge faz avançar grandemente
o combate às doenças infecto-contagiosas; os estudos aeronáuticos avançam com
Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Brito Pais e Sarmento de Beires. Avançam as
leis de Família, as leis sindicais, a lei do divórcio.
Durante
os curtos 16 anos - altamente perturbados pelos inimigos da
Democracia (os facciosismos, sobretudo os monárquicos e os dos proprietários
mais poderosos) - muito foi feito (teremos de admitir) no campo
da criação de consciências autónomas, de valores éticos e cívicos: sobretudo
contra as circunstâncias, como - aquando da implantação da República - a da
grande fuga de capitais, por parte das grandes famílias monárquicas. Só uma
forte convicção política, cívica e ética republicana, poderia construir uma
consciência democrática, que sobreviveria ao 28 de Maio de 1926 (o emergir da
Ditadura do Estado Novo). E com a Ditadura, foram os Republicanos os únicos que
pegaram em armas para recuperar a Democracia
- anotaria e sublinharia Fernando
Rosas, aquando do lançamento do seu recente livro “Salazar e o Poder”.
Alain
Touraine (in “Carta aos Socialistas”)
adverte: “Aos conceitos de solidariedade
e de subjectivação é necessário acrescentar o de diversidade. Trata-se aqui de
um reconhecimento da alteridade, pois o “Alter” é aquele que é simultaneamente
semelhante ao “Ego” e diferente dele. Reconhecer as diferenças não resolve
nenhum problema e agrava muitos deles, ao passo que reconhecer a diversidade
permite ver em cada indivíduo a presença do universal e necessariamente a do
particular. É descobrir nos outros um esforço de subjectivação, que associa
competências técnicas, uma imagem da liberdade, portanto direitos humanos
fundamentais e uma pertença social.”
Constitui
esta advertência, um acto democrático
- que não existiu, nem na fuga de
capitais, nem nas incursões dos inimigos da República, nem no golpe de 28 de
Maio que degenerou numa ditadura de 48 anos. Agostinho dos Reis Monteiro (in “Educação e Constituição de Abril”)
põe em destaque o papel da Escola na formação do cidadão, essencial para
enfrentar os ataques à Democracia; apontando ele que circunstâncias como
segregação escolar, discriminação escolar, insucesso escolar, enfim o “massacre
dos inocentes”, poderiam - enquanto autoritarismo opressivo - ser
dirimido pelo trabalho de grupo, pelo esforço de dar lugar à livre expressão,
pela instituição de assembleias gerais onde todos poderiam expor os seus pontos
de vista e assumir responsabilidades.
E
seria esta a metodologia, que a I República pretendia institucionalizar - e
que os inimigos da República inviabilizaram
- face ao arrojo ideológico
democrático.
José Alexandre
Laboreiro
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