Terça, 22 Outubro 2013 09:27
O escritor americano Mark Twain é dos mais presentes em
compilações de citações, e também daqueles que mais humor põe nas suas
sentenças, muitas delas retiradas de romances e novelas. Terá escrito um dia
que "se estiver zangado,
conte até cem; se estiver mesmo muito zangado, blasfeme."
A blasfémia é também coisa do sagrado, ou por outra, é coisa contra o
sagrado. Mas nos tempos de ciberespaço que atravessamos, a blasfémia é, ou
podia ser, apenas o grau mais elevado de quem se ofende porque se sente alvo de
crítica, contestação, insulto ou difamação. Assim, em diferentes graus que
arrumo em crescendo, numa escala muito minha. Crítica, contestação, insulto,
difamação.
Se a crítica e a contestação me parecem naturais, e por
isso quando somos alvo delas podemos ficar apenas um-bocado-chateados-mas-adiante,
já o insulto e a difamação são uma blasfémia para quem deles é vítima. Só uma
raiva ou um descontrolo muito grandes fazem com que uma crítica ou uma
contestação se transformem em insulto ou em difamação. Mas
começa a acontecer de forma cada vez mais frequente e a vários níveis.
A escalada da violência verbal, em espaço público, começou
no momento em que dizer a alguém que está a mentir e não ser punido por uma
acusação que se prove não ser verdade passou a dar muito trabalho e, por isso,
chegar o encolher de ombros, ou a explicação que não querem ouvir ou,
lamentavelmente, dar uma resposta a descer ao nível. Aqui chegados, até se deu
azo a que não se distinga quem mentiu mesmo, de quem apenas tomou uma decisão
com consequências que se preveem de desfechos diferentes por quem ofende e por
quem é ofendido. E o insulto passa a servir não apenas para desmascarar,
deixando de ser insulto e passando a acusação, mas simplesmente como forma
baixa de contestação.
A blasfémia dessacralizou-se na mesma medida em que o
insulto se popularizou. E acho que foi um direito que se conquistou,
considerar-se blasfémia o que é dirigido a pessoas e não a deuses. O insulto
popularizou-se tanto que se massificou e tem os seus momentos de explosão em
manifestações que também seguem essa “lei”, chamemos-lhe assim, de proporções.
Quanto mais o grupo ou a multidão se compõe de gente que individualmente se
sente atacada, maior é a agressão verbal. Por isso também as manifestações têm
sido não as da ordem, a dos sempre zangados com tudo e todos, e que deviam
contar até cem, para passaram a ser momentos de catarse em que o desespero se
alivia na blasfémia.
E aqui acode-me um outro inglês, o poeta Ralph Hodgson,
que terá afirmado que "as
blasfémias proferidas em estado de angústia valem o mesmo que as orações." É o perdão em tempos de angústia.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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