Há 25 anos O Rio Almansor foi
vítima de um grave crime ecológico
O Rio Almansor é o curso de água
mais importante do concelho de Montemor-o-Novo. Nasce na Herdade do Almansor no
concelho de Arraiolos, corre de este para oeste, entrando na margem esquerda do
Rio Tejo junto a Samora Correia. É um dos dez afluentes do Rio Tejo, e conta
com a Ribeira de Lavre como seu único afluente. A área da bacia hidrográfica do
Almansor é de 1 081 Km2, e tem um comprimento de 97,535 Kms.
O Rio Almansor tem as suas glórias e
os seus dramas. Na parte positiva, o Almansor teve ao longo dos tempos, um
papel vital para a região. Colaborava na fabricação da farinha, pois fazia
movimentar as mós dos vinte e oito moinhos, situados no nosso concelho, e
fornecia o peixe que servia para alimentar uma significativa percentagem da
população. Que saudades das caldetas com carpas e barbos, e da massa que se
cozia no seu caldo, das pardelhas fritas espetadas em palitos, das enguias
(para mim eiroses) fritas, e ainda, dos inesquecíveis bordalos grelhados,
temperados com azeite, vinagre, alho e coentros. Estes peixes, muito mais
baratos que o peixe pescado no mar, podiam ser adquiridos no Mercado Municipal,
na banca do Senhor Torrinha, afamado pescador profissional. O Almansor era
ainda, utilizado pelas diversas lavadeiras, que colocavam nas suas margens, a
roupa branca a corar, e pelas vendedoras de tremoços, que adoçavam na sua
límpida água, o marisco dos pobres.
Histórias do Rio
O seu vasto caudal, permitiu que em
1943 fosse aprovada uma concessão de reserva de pesca, desde o Porto da
Amendoeira até à Ponte de Alcácer, na qual os associados do Grupo de Pesca
Desportiva à Linha de Montemor-o-Novo, podiam praticar livremente o seu
desporto favorito.
Conforme a foto publicada, tirada
num verão dos anos cinquenta, o nosso Rio mantinha durante todo o ano um caudal
extraordinário. No tempo em que as piscinas eram uma miragem, os pegos da Rata,
da Pintada, do Zangalho, do Poço, do Porto das Lãs, e das Badanelas, entre
outros, funcionavam como praias fluviais, para os residentes na antiga vila, e
nos arredores.
O nosso rio foi tão importante no
passado, ao ponto de figurar no Brasão de Armas da cidade desde o reinado de D.
Manuel I.
Na parte negativa, está ligado à
lendária história de Santa Quitéria, que no dia 30 de Março de 300, foi lançada
como castigo de suas virtudes cristãs, do alto do monte maior, amarrada a um
pedregulho, para o Pego do Poço, à morte por afogamento, de um vasto número de
montemorenses, e por fim, os diversos crimes ecológicos de grandes dimensões de
que foi alvo, o último dos quais, em
1987.
A 26 de Março de 1987, milhares de
peixes mortos boiavam no Rio Almansor, fruto de descargas efectuadas no rio por
uma suinicultura.
O Grupo Pró-Comissão Municipal da
Juventude distribuiu o seguinte comunicado:
O Rio morreu
Ontem, dia 26 de Março, cerca das 5
horas da manhã, uma das sociedades que exploram malhadas na Zona da Adua, peto
da vila, decidiu descarregar directamente nas águas do Rio Almansor um dos seus
depósitos de resíduos da exploração, causando desta forma a maior tragédia
ecológica dos últimos anos no nosso concelho.
O Grupo Pró-Comissão Municipal da
Juventude de Montemor-o-Novo, ao tomar conhecimento no próprio local do estado
da situação, decidiu alertar a população em geral, e os jovens em particular,
para a grave situação que se depara.
Mais que chamar a atenção para o
perigo que daí ocorre para a saúde pública, principalmente para as populações
que habitam perto das margens, queremos aqui destacar os perigos para o
equilíbrio ecológico da zona.
O Rio Almansor tem vindo a
recuperar, em termos de fauna piscícola, desde os anos de seca que praticamente
despovoaram as águas, de muitas espécies que até aí procriavam nesta zona.
Passado o período normal de recuperação
e quando se verificava a total recuperação da fauna piscícola e o equilíbrio do
ecossistema fluvial, alguém, por interesse próprio e sem qualquer tipo de
preocupação para com a restante comunidade, decide empreender uma acção que em
poucas horas levou à total destruição das espécies. Com efeito, de toda a fauna
existente, apenas se conseguem encontrar rãs e ratazanas.
Para quem teve oportunidade de
presenciar ao longo das margens o enorme desfile de espécies mortas, com
certeza não se irá esquecer, para os outros, podemos dizer que desapareceram
por completo espécies como a enguia, a carpa, o barbo, etc.
De salientar que para agravar a
situação, todas as espécies do rio se encontravam em período de defeso à
excepção da enguia e do Bordalo.
Resta destacar que esta acção
decorre precisamente 5 dias decorridos da data da abertura oficial do Ano
Europeu do Ambiente, e que no nosso país, acções como esta só estão
salvaguardadas (?) por lei através de um castigo pecuniário de 1 500$00 (mil e
quinhentos escudos).
O rio “era” uma área de lazer para
crianças e adultos, e talvez um dia o volte a ser, mas quantos anos irão passar
para que voltemos a ver o Almansor vivo?
A Câmara Municipal, no dia 30 de
Março, distribuiu o comunicado que se transcreve:
POLUIÇÃO NO RIO ALMANSOR
1. No dia 26 de Março, na sequência de informações
chegadas à autarquia de que algo de anormal se passava no Rio Almansor,
vereadores da Câmara Municipal deslocaram-se a diversos locais da ribeira.
Verificaram então que milhares de peixes mortos boiavam nas águas pestilentas e
cheias de vestígios de agentes químicos poluentes.
2. Foram de imediato realizadas várias diligências que
levaram à conclusão de que na origem do desastre estariam descargas efectuadas
na ribeira por uma exploração pecuária situada na zona da Adua – Suinimor Agro
Pecuária de Montemor, Ld.ª – durante a referida noite de 26 de Março. O Centro
de Saúde de Montemor-o-Novo pôde também verificar as causas e consequências
deste crime contra a natureza e a saúde pública.
3. A Câmara Municipal tem alertado insistentemente todas
as explorações pecuárias do concelho de que lhes é vedado realizar despejos
para as linhas de água. A autarquia e o Centro de Saúde manifestaram junto dos
proprietários abertura para se encontrarem soluções para o problema.
Os proprietários não têm acatado as orientações e
estão a poluir gravemente as reservas líquidas do concelho (poços particulares,
linhas de água, etc. …).
4.
A Câmara Municipal
e as autoridades sanitárias irão actuar energicamente para impedir que a falta de consciência cívica e o
desprezo pelos direitos da comunidade exibidas por diversos proprietários levam à
destruição do meio ambiente
e ao desenvolvimento de
focos de doenças. O lucro individual deste ou daquele proprietário não pode
significar o prejuízo da comunidade.
A gravidade
da situação exige
a tomada de
medidas que não
cabem exclusivamente à
autarquia.
No imediato a Câmara Municipal e o Centro de Saúde
irão apresentar participação conjunta ao Delegado do Procurador da República
contra os responsáveis deste caso de despejos poluentes no Almansor.
A Câmara irá atacar o problema até às últimas
consequências, e outras medidas serão tomadas, certos de que não continuará a
haver impunidade para os prevaricadores que destroem a qualidade de vida das
populações.
A Câmara Municipal
Por estranho que pareça, este crime
certamente ficou impune, pois a autarquia não comunicou aos munícipes o seu
desfecho.
O presente e o futuro
Vinte cinco anos depois, o Almansor
continua moribundo, não obstante o Plano de Urbanização aprovado em 1991,
prever a recuperação do rio. A única acção desenvolvida na vigência deste
Plano, que vigorou 13 anos, foi a limpeza das margens e do leito do rio,
ocorridas em 1994, a
cargo do Ministério do Ambiente.
O actual artigo 23.º do revisto
Plano de Urbanização aprovado em 2005, prevê nas suas oito alíneas,
melhoramentos no rio e nas suas margens, com destaque para a beneficiação de
açudes e criação de espelhos de água. Decorridos oito anos, tudo continua na
mesma. É necessário passar das intenções à prática, nem que seja por etapas.
Que o exemplo da obra no Sorraia na vizinha vila de Coruche sirva de tónico,
para o avanço da prevista obra, só possível, com a comparticipação do Estado, e
de Fundos Europeus.
Sempre atento ao que se passa na sua
terra, Carlos André publicou na “Folha” de Junho de 2007, um bem elaborado, e
alertante artigo denominado – suiniculturas e alterações climáticas – “Montemor
é um ponto negro” no mapa de poluição nacional.
Perante o relatado crime, e outras
infracções semelhantes, de que foi alvo o nosso Rio Almansor durante anos,
encaixa que nem uma luva, o seguinte provérbio: “Somente quando observar a
última árvore derrubada, o último animal extinto, e o último rio poluído, o
homem verá que não se come dinheiro”.
Augusto
Mesquita
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