quinta-feira, 20 de junho de 2013

VASCULHAR O PASSADO - Uma rubrica de Augusto Mesquita

                         Há 25 anos O Rio Almansor foi vítima de um grave crime ecológico

O Rio Almansor é o curso de água mais importante do concelho de Montemor-o-Novo. Nasce na Herdade do Almansor no concelho de Arraiolos, corre de este para oeste, entrando na margem esquerda do Rio Tejo junto a Samora Correia. É um dos dez afluentes do Rio Tejo, e conta com a Ribeira de Lavre como seu único afluente. A área da bacia hidrográfica do Almansor é de 1 081 Km2, e tem um comprimento de 97,535 Kms.
O Rio Almansor tem as suas glórias e os seus dramas. Na parte positiva, o Almansor teve ao longo dos tempos, um papel vital para a região. Colaborava na fabricação da farinha, pois fazia movimentar as mós dos vinte e oito moinhos, situados no nosso concelho, e fornecia o peixe que servia para alimentar uma significativa percentagem da população. Que saudades das caldetas com carpas e barbos, e da massa que se cozia no seu caldo, das pardelhas fritas espetadas em palitos, das enguias (para mim eiroses) fritas, e ainda, dos inesquecíveis bordalos grelhados, temperados com azeite, vinagre, alho e coentros. Estes peixes, muito mais baratos que o peixe pescado no mar, podiam ser adquiridos no Mercado Municipal, na banca do Senhor Torrinha, afamado pescador profissional. O Almansor era ainda, utilizado pelas diversas lavadeiras, que colocavam nas suas margens, a roupa branca a corar, e pelas vendedoras de tremoços, que adoçavam na sua límpida água, o marisco dos pobres.

Histórias do Rio

            O seu vasto caudal, permitiu que em 1943 fosse aprovada uma concessão de reserva de pesca, desde o Porto da Amendoeira até à Ponte de Alcácer, na qual os associados do Grupo de Pesca Desportiva à Linha de Montemor-o-Novo, podiam praticar livremente o seu desporto favorito.
            Conforme a foto publicada, tirada num verão dos anos cinquenta, o nosso Rio mantinha durante todo o ano um caudal extraordinário. No tempo em que as piscinas eram uma miragem, os pegos da Rata, da Pintada, do Zangalho, do Poço, do Porto das Lãs, e das Badanelas, entre outros, funcionavam como praias fluviais, para os residentes na antiga vila, e nos arredores.
            O nosso rio foi tão importante no passado, ao ponto de figurar no Brasão de Armas da cidade desde o reinado de D. Manuel I.
            Na parte negativa, está ligado à lendária história de Santa Quitéria, que no dia 30 de Março de 300, foi lançada como castigo de suas virtudes cristãs, do alto do monte maior, amarrada a um pedregulho, para o Pego do Poço, à morte por afogamento, de um vasto número de montemorenses, e por fim, os diversos crimes ecológicos de grandes dimensões de que foi alvo, o último dos quais, em 1987.
            A 26 de Março de 1987, milhares de peixes mortos boiavam no Rio Almansor, fruto de descargas efectuadas no rio por uma suinicultura.
            O Grupo Pró-Comissão Municipal da Juventude distribuiu o seguinte comunicado:
           
O Rio morreu

            Ontem, dia 26 de Março, cerca das 5 horas da manhã, uma das sociedades que exploram malhadas na Zona da Adua, peto da vila, decidiu descarregar directamente nas águas do Rio Almansor um dos seus depósitos de resíduos da exploração, causando desta forma a maior tragédia ecológica dos últimos anos no nosso concelho.
            O Grupo Pró-Comissão Municipal da Juventude de Montemor-o-Novo, ao tomar conhecimento no próprio local do estado da situação, decidiu alertar a população em geral, e os jovens em particular, para a grave situação que se depara.
            Mais que chamar a atenção para o perigo que daí ocorre para a saúde pública, principalmente para as populações que habitam perto das margens, queremos aqui destacar os perigos para o equilíbrio ecológico da zona.
            O Rio Almansor tem vindo a recuperar, em termos de fauna piscícola, desde os anos de seca que praticamente despovoaram as águas, de muitas espécies que até aí procriavam nesta zona.
            Passado o período normal de recuperação e quando se verificava a total recuperação da fauna piscícola e o equilíbrio do ecossistema fluvial, alguém, por interesse próprio e sem qualquer tipo de preocupação para com a restante comunidade, decide empreender uma acção que em poucas horas levou à total destruição das espécies. Com efeito, de toda a fauna existente, apenas se conseguem encontrar rãs e ratazanas.
            Para quem teve oportunidade de presenciar ao longo das margens o enorme desfile de espécies mortas, com certeza não se irá esquecer, para os outros, podemos dizer que desapareceram por completo espécies como a enguia, a carpa, o barbo, etc.
            De salientar que para agravar a situação, todas as espécies do rio se encontravam em período de defeso à excepção da enguia e do Bordalo.
            Resta destacar que esta acção decorre precisamente 5 dias decorridos da data da abertura oficial do Ano Europeu do Ambiente, e que no nosso país, acções como esta só estão salvaguardadas (?) por lei através de um castigo pecuniário de 1 500$00 (mil e quinhentos escudos).
            O rio “era” uma área de lazer para crianças e adultos, e talvez um dia o volte a ser, mas quantos anos irão passar para que voltemos a ver o Almansor vivo?
           
            A Câmara Municipal, no dia 30 de Março, distribuiu o comunicado que se transcreve:
            POLUIÇÃO NO RIO ALMANSOR
1.      No dia 26 de Março, na sequência de informações chegadas à autarquia de que algo de anormal se passava no Rio Almansor, vereadores da Câmara Municipal deslocaram-se a diversos locais da ribeira. Verificaram então que milhares de peixes mortos boiavam nas águas pestilentas e cheias de vestígios de agentes químicos poluentes.
2.      Foram de imediato realizadas várias diligências que levaram à conclusão de que na origem do desastre estariam descargas efectuadas na ribeira por uma exploração pecuária situada na zona da Adua – Suinimor Agro Pecuária de Montemor, Ld.ª – durante a referida noite de 26 de Março. O Centro de Saúde de Montemor-o-Novo pôde também verificar as causas e consequências deste crime contra a natureza e a saúde pública.
3.      A Câmara Municipal tem alertado insistentemente todas as explorações pecuárias do concelho de que lhes é vedado realizar despejos para as linhas de água. A autarquia e o Centro de Saúde manifestaram junto dos proprietários abertura para se encontrarem soluções para o problema.
Os proprietários não têm acatado as orientações e estão a poluir gravemente as reservas líquidas do concelho (poços particulares, linhas de água, etc. …).
            4.   A  Câmara  Municipal  e  as autoridades sanitárias irão  actuar energicamente          para  impedir que a falta de consciência cívica e o desprezo pelos direitos da        comunidade  exibidas por diversos proprietários levam à destruição do meio                        ambiente  e  ao  desenvolvimento  de  focos  de  doenças. O lucro individual                            deste ou daquele proprietário não pode significar o prejuízo da comunidade.
                   A  gravidade   da  situação  exige  a   tomada  de  medidas  que  não  cabem            exclusivamente à autarquia.
No imediato a Câmara Municipal e o Centro de Saúde irão apresentar participação conjunta ao Delegado do Procurador da República contra os responsáveis deste caso de despejos poluentes no Almansor.
A Câmara irá atacar o problema até às últimas consequências, e outras medidas serão tomadas, certos de que não continuará a haver impunidade para os prevaricadores que destroem a qualidade de vida das populações.
                                                                                          A Câmara Municipal
           
            Por estranho que pareça, este crime certamente ficou impune, pois a autarquia não comunicou aos munícipes o seu desfecho.

O presente e o futuro

            Vinte cinco anos depois, o Almansor continua moribundo, não obstante o Plano de Urbanização aprovado em 1991, prever a recuperação do rio. A única acção desenvolvida na vigência deste Plano, que vigorou 13 anos, foi a limpeza das margens e do leito do rio, ocorridas em 1994, a cargo do Ministério do Ambiente.
            O actual artigo 23.º do revisto Plano de Urbanização aprovado em 2005, prevê nas suas oito alíneas, melhoramentos no rio e nas suas margens, com destaque para a beneficiação de açudes e criação de espelhos de água. Decorridos oito anos, tudo continua na mesma. É necessário passar das intenções à prática, nem que seja por etapas. Que o exemplo da obra no Sorraia na vizinha vila de Coruche sirva de tónico, para o avanço da prevista obra, só possível, com a comparticipação do Estado, e de Fundos Europeus.
            Sempre atento ao que se passa na sua terra, Carlos André publicou na “Folha” de Junho de 2007, um bem elaborado, e alertante artigo denominado – suiniculturas e alterações climáticas – “Montemor é um ponto negro” no mapa de poluição nacional.
            Perante o relatado crime, e outras infracções semelhantes, de que foi alvo o nosso Rio Almansor durante anos, encaixa que nem uma luva, o seguinte provérbio: “Somente quando observar a última árvore derrubada, o último animal extinto, e o último rio poluído, o homem verá que não se come dinheiro”.

Augusto Mesquita



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