sexta-feira, 7 de junho de 2013

CINE CLUBE DOMINGOS MARIA PEÇAS - FASE IV - CICLO DO CINEMA PORTUGUÊS

Chamo a atenção de que esta crónica cinematográfica foi escrita no ano de 1990
Chico Manuel

                                   «O Crime da Aldeia Velha»

Este filme é uma produção conjunta da Tóbis Portuguesa e António da Cunha Telles.
Embora haja muitos e bons motivos para apreciar este filme, queremos, desde já, destacar que se baseia numa peça de teatro da autoria de Bernardo Santareno. O autor da peça também colaborou no argumento. Segundo algumas fontes, Bernardo Santareno, por sua vez, ter-se-ia baseado em factos reais que teriam acontecido numa aldeia do norte do país. Não sabemos se assim foi, mas reparamos que Cunha Telles, na intenção de dar força aos filmes que produzia, procurava adaptações de peças literárias de qualidade. Este argumento, tirado de uma peça de teatro do talvez maior dramaturgo português do século vinte, mostra que o produtor não tinha apenas preocupações financeiras. Tinha também preocupações artísticas e demonstra que se rodeava de gente de prestígio nas produções em que se metia. O que não lhe valeu de nada, diga-se de passagem: acabou por falir na mesma.
O responsável da realização é Manuel Guimarães que já no início da década de cinquenta tinha ensaiado um tipo de cinema mais de acordo com o que por essa época se fazia pela Europa: O neo-realismo. “Os Saltimbancos”, 1951; “Nazaré”,1952; e “Vidas sem Rumo”,1953. Foi, porém, sol de pouca dura. Estes filmes embora com boas críticas não tiveram êxito de bilheteira. O mesmo aconteceu, dez anos depois, com “O Crime da Aldeia Velha”. As preferências do público iam nessa época para os filmes que tinham como estrelas os cançonetistas da moda: António Calvário e Madalena  Iglésias em “Uma Hora de Amor”, 1964; “O Miúdo da Bica” com Fernando Farinha, 1963; “Rapazes de Taxis” com Calvário e Toni de Matos, 1965. Os desportistas também passaram, nessa época, pelo cinema: Alves Barbosa, por exemplo, com “O Homem do Dia”. E os toureiros: Diamantino Vizeu ainda fez um bico numa fita de touros, rodada ali para os lados de Vila Franca. Canções são canções, fado é fado, touros são touros e desporto é desporto. Tudo isto são artes e actividades respeitáveis e meritórias, mas do que aqui se trata é de cinema, e como cinema estes últimos filmes que referimos são autenticas pepineiras.



Título: “O Crime da Aldeia Velha”
Realização: Manuel Guimarães
Produção: António da Cunha Telles e Tóbis Portuguesa
Argumento: Bernardo Santareno, M. Guimarães, J. C. Andrade
Música. Joly Braga Santos
Intérpretes: Barbara Laage, Rogério Paulo, Mário Pereira, Maria Olguim....

O enredo passa-se nos anos trinta deste século. No norte do país. Numa aldeia pequena e isolada vive uma  rapariga bonita. Bonita demais para o meio em que vive. Todos os homens a querem. E todas as mulheres lhe invejam a beleza. Quando as paixões, os ciúmes e as cobiças se misturam com as superstições e com a ignorância, dificilmente se foge à tragédia. É o que acontece neste filme. M. Guimarães consegue dar-nos, na medida exacta, um filme que se situa entre o realismo e o terror.
O obscurantismo, a superstição e a ignorância, são os maiores inimigos do ser humano enquanto ser inteligente, criado para viver em harmonia com outros seres seu iguais no direito à vida. Se lhe juntarmos as paixões, os ciúmes, as cobiças e os ódios, estão reunidos todos os ingredientes para que se solte o pior que existe em nós. Esta peça de teatro de Bernardo Santareno, este filme de Manuel Guimarães, fazem lembrar a peça de teatro de Arthur Miller “As Bruxas de Salém”. Não só se assemelham no tema, como têm ambas um final trágico. A maior diferença é que o americano situa a sua peça no século dezassete e o português no século vinte. Quando as pessoas enraivecidas, tomadas pelas condições e sentimentos atrás descritos, se capacitam que só a fogueira pode purificar a alma de alguém, está consumada a tragédia.
Ocorre-nos que neste filme existe uma curiosidade muito interessante: Como a principal intérprete é francesa, e a fita é toda falada em português, a dobragem das falas de Barbara Laage para a nossa língua, foi feita por Maria Barroso, actualmente Primeira Dama de Portugal. Tem o interesse que tem, bem sabemos, mas nunca será demais recordar que Maria Barroso já foi uma das nossas maiores actrizes de teatro (no cinema participou menos, embora ainda tenha feito meia dúzia de filmes), e uma das vozes mais bem timbradas dos nossos palcos. De recordar que foi despedida, por motivos políticos, da Companhia Nacional de Teatro, por ordem do governo de então.
Não podemos deixar de lamentar a má qualidade da cassete VHS em que este filme recentemente foi posto à venda. O som é horrível e a imagem deixa muito a desejar.

Rufino Casablanca
Terena – Monte do Meio
Dezembro de 1990


Sem comentários: