Chamo a atenção de que esta
crónica cinematográfica foi escrita no ano de 1990
Chico Manuel
«O Crime da Aldeia Velha»
Este filme é uma produção
conjunta da Tóbis Portuguesa e António da Cunha Telles.
Embora haja muitos e bons
motivos para apreciar este filme, queremos, desde já, destacar que se baseia
numa peça de teatro da autoria de Bernardo Santareno. O autor da peça também
colaborou no argumento. Segundo algumas fontes, Bernardo Santareno, por sua
vez, ter-se-ia baseado em factos reais que teriam acontecido numa aldeia do
norte do país. Não sabemos se assim foi, mas reparamos que Cunha Telles, na
intenção de dar força aos filmes que produzia, procurava adaptações de peças
literárias de qualidade. Este argumento, tirado de uma peça de teatro do talvez
maior dramaturgo português do século vinte, mostra que o produtor não tinha
apenas preocupações financeiras. Tinha também preocupações artísticas e
demonstra que se rodeava de gente de prestígio nas produções em que se metia. O
que não lhe valeu de nada, diga-se de passagem: acabou por falir na mesma.
O responsável da realização é
Manuel Guimarães que já no início da década de cinquenta tinha ensaiado um tipo
de cinema mais de acordo com o que por essa época se fazia pela Europa: O
neo-realismo. “Os Saltimbancos”, 1951; “Nazaré”,1952; e “Vidas sem Rumo”,1953.
Foi, porém, sol de pouca dura. Estes filmes embora com boas críticas não
tiveram êxito de bilheteira. O mesmo aconteceu, dez anos depois, com “O Crime
da Aldeia Velha”. As preferências do público iam nessa época para os filmes que
tinham como estrelas os cançonetistas da moda: António Calvário e Madalena Iglésias em “Uma Hora de Amor”, 1964; “O
Miúdo da Bica” com Fernando Farinha, 1963; “Rapazes de Taxis” com Calvário e
Toni de Matos, 1965. Os desportistas também passaram, nessa época, pelo cinema:
Alves Barbosa, por exemplo, com “O Homem do Dia”. E os toureiros: Diamantino
Vizeu ainda fez um bico numa fita de touros, rodada ali para os lados de Vila
Franca. Canções são canções, fado é fado, touros são touros e desporto é
desporto. Tudo isto são artes e actividades respeitáveis e meritórias, mas do
que aqui se trata é de cinema, e como cinema estes últimos filmes que referimos
são autenticas pepineiras.
Título: “O Crime da Aldeia
Velha”
Realização: Manuel Guimarães
Produção: António da Cunha
Telles e Tóbis Portuguesa
Argumento: Bernardo
Santareno, M. Guimarães, J. C. Andrade
Música. Joly Braga Santos
Intérpretes: Barbara Laage,
Rogério Paulo, Mário Pereira, Maria Olguim....
O enredo passa-se nos anos
trinta deste século. No norte do país. Numa aldeia pequena e isolada vive
uma rapariga bonita. Bonita demais para
o meio em que vive. Todos os homens a querem. E todas as mulheres lhe invejam a
beleza. Quando as paixões, os ciúmes e as cobiças se misturam com as
superstições e com a ignorância, dificilmente se foge à tragédia. É o que
acontece neste filme. M. Guimarães consegue dar-nos, na medida exacta, um filme
que se situa entre o realismo e o terror.
O obscurantismo, a
superstição e a ignorância, são os maiores inimigos do ser humano enquanto ser
inteligente, criado para viver em harmonia com outros seres seu iguais no
direito à vida. Se lhe juntarmos as paixões, os ciúmes, as cobiças e os ódios,
estão reunidos todos os ingredientes para que se solte o pior que existe em nós. Esta peça de teatro
de Bernardo Santareno, este filme de Manuel Guimarães, fazem lembrar a peça de
teatro de Arthur Miller “As Bruxas de Salém”. Não só se assemelham no tema,
como têm ambas um final trágico. A maior diferença é que o americano situa a
sua peça no século dezassete e o português no século vinte. Quando as pessoas
enraivecidas, tomadas pelas condições e sentimentos atrás descritos, se
capacitam que só a fogueira pode purificar a alma de alguém, está consumada a
tragédia.
Ocorre-nos que neste filme
existe uma curiosidade muito interessante: Como a principal intérprete é
francesa, e a fita é toda falada em português, a dobragem das falas de Barbara
Laage para a nossa língua, foi feita por Maria Barroso, actualmente Primeira Dama
de Portugal. Tem o interesse que tem, bem sabemos, mas nunca será demais
recordar que Maria Barroso já foi uma das nossas maiores actrizes de teatro (no
cinema participou menos, embora ainda tenha feito meia dúzia de filmes), e uma
das vozes mais bem timbradas dos nossos palcos. De recordar que foi despedida,
por motivos políticos, da Companhia Nacional de Teatro, por ordem do governo de
então.
Não podemos deixar de
lamentar a má qualidade da cassete VHS em que este filme recentemente foi posto
à venda. O som é horrível e a imagem deixa muito a desejar.
Rufino Casablanca
Terena – Monte do Meio
Dezembro de 1990
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