quarta-feira, 5 de junho de 2013

CENAS DA VIDA REAL

«....
.... Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura
Vai formosa e não segura....»

Luís de Camões

Foi nas festas de Montejuntos – em Honra de Nossa Senhora da Conceição – se ao autor destas linhas não falha o nome da Padroeira da aldeia.
Assim pode começar esta crónica.
O visitante inesperado (homem habituado, embora estrangeiro, ao beira-mar algarvio, praticante de línguas bárbaras no desempenho das suas funções profissionais, mas desconhecedor em absoluto dos nossos dialectos, do interior alentejano e das formas de convívio por aqui praticadas, convidado para um almoço de ensopado de borrego num dos cafés do largo da aldeia), pensou que tinha aterrado em cheio num filme do Federico Fellini.
Depois duma farta e rica pratada de ensopado, acompanhada de meia dúzia de copos de tinto alentejano, ainda o levaram de visita ao “Alvalade XXI”, do compadre Zé Luís.
No estádio, como quem não quer a coisa, ainda meteu umas postas de barbo, trinchadas com sabedoria e temperadas de véspera, e outros tantos copos de tintol. O amigo Zé Pereira, também conhecido por Pacheco, homem atento e preocupado, que ajudava o dono da casa na lufa-lufa das mesas, ainda avisou o escriba desta crónica, da seguinte e directa forma: «Olha que arrebentam com o “gringo”»
E arrebentaram, na verdade.
Quando chegámos ao café do Matías, ou melhor dizendo, da Maria, só teve tempo de ver cair uma garrafa de gás na cabeça do Sabino, provocando um lanho que seria agrafado com doze pontos e um enorme capacete de ligaduras. O Sabino parecia um daqueles antigos garrafões de vinho. Daqueles que vinham selados com gesso. Todos se lembram.
O inglês sentou-se naquela cadeira que fica mesmo debaixo da televisão e, antes de ferrar o galho, disse-me: «Acorda-me quando o filme acabar»
Não foi necessário acordá-lo.
Já dormia há duas horas quando o Góis, esse mesmo, o do taxi, fadista de renome, com aquela voz enorme, que enchia a casa, o sobressaltou. Acordou assarapantado e através da montra viu uma cena que o convenceu de que o filme ainda não tinha terminado.
Foi assim:
( Passava a procissão da Padroeira e atrás do andor a banda do Alandroal aprimorava-se no desempenho. Mestre Alfaiate lá ia dirigindo a sua rapaziada, enquanto uma chuva miudinha arreliava toda a gente. Um pouco desalinhada da formatura caminhava a compasso, a executante da flauta. Gentil figura, empenhada na sua função, alheia a tudo que não fosse a sua arte. A seu lado caminhava outra jovem, fazendo o possível por acertar o passo, também de gentil figura, trajada à civil e segurando uma sombrinha que protegia da chuva a flautista e o instrumento.)
Depois desta cena, esfregou os olhos e convencido que o filme ainda não tinha terminado, ajeitou-se melhor na cadeira e continuou a dormir. Nem o Dino, que a seu lado dedilhava a viola com a mestria que lhe conhecemos, o convenceu que devia permanecer acordado.

Só mais tarde, bastante mais tarde, é que procurei junto da flautista, que é miúda das relações da minha neta, a explicação para a protecção que a amiga lhe fez durante a procissão. Ficou explicado e entendido.

Quanto ao “gringo”, depois daquela festa em Montejuntos, não deixa de me chatear para que o leve outra vez ao cinema.

Sean

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