Por intermédio do Luis Lobato
Faria e no espaço Raia Alentejana chegou-nos o extracto que a seguir convidamos
os nossos leitores a ler.
Foi o mesmo retirado do Livro
“MEMÓRIAS DE SANTIAGO MAIOR – UMA FREGUESIA DO ALANDROAL” da autoria de Manuel
Inácio Cotovio, nascido nas Pias em 1932, numa edição do Autor datada de 2006.
Pode o mesmo ser adquirido no
Posto de Turismo do Alandroal,
Aproveitamos a oportunidade
para dar a conhecer um novo projecto da Raia Alentejana:
Um centro de documentação onde vai
constar toda a bibliografia que se vai
descobrindo sobre a Raia Alentejana, já tem em sua posse livros na Direcção
Regional de Cultura de Évora, Câmaras do Alandroal, Barrancos e Redondo.
Um bem haja ao Luis Lobato de Faria e à Eunice
Gomes pelo muito que teem feito em prol do Concelho
do Alandroal
Chico Manuel
Memórias do contrabando - Manuel Inácio Cotovio
Memórias de Santiago Maior: Uma freguesia de Alandroal, (2006, páginas 55 e 56)
Memórias de Santiago Maior: Uma freguesia de Alandroal, (2006, páginas 55 e 56)
A nossa freguesia, o concelho e toda a região em geral, viveram sempre uma situação agreste, muito desprotegida a todos os níveis. Zona com bastante população onde predominava a fome, miséria e o desemprego. Vivia-se com dificuldades económicas, muitas vezes quem suportava toda esta crise era o pequeno comércio através do "fiado". Ou se era trabalhador rural ou em alternativa, dada a situação geográfica propícia, se praticava contrabando "não profissional", sujeitando-se ao martírio e calvário das cargas e principalmente do risco da própria vida.
Era uma tarefa ingrata, praticada normalmente de noite, por caminhos e atalhos, por meio de matos, arrífes e caminhos mais pedregosos, mais ocultos e possíveis de esconderijo, com travessia do Rio Guadiana, a nado ou de barca, afim de conseguirem ludibriar a tenebrosa Guarda Civil espanhola ou a nossa Guarda Fiscal.
É certo que qualquer autoridade ou a GNR poderiam intervir, apreendendo, prendendo ou autuando, mas o maior medo e de que mais se precaviam era da passagem da fronteira. Contrabandistas houve, que em locais mais recatados se esconderam para não serem detectados, estando vários dias sem comer nem beber, aguardando que as autoridades de cá e do lado de lá da fronteira se afastassem para outra zona, só então seguindo caminhada com o fardo de contrabando às costas. Por vezes, neste jogo de gato e rato, os guardas faziam "negaças".
A maior intensidade de contrabando aconteceu desde a década de trinta e estendeu-se até à década de sessenta. A Guerra Civil de Espanha, a 2º Guerra Mundial e a miséria em que o povo do Alentejo vivia, intensificaram esta ílícita actividade, em busca de meios de sobrevivência. O contrabando integrava homens de qualquer idade, bastava terem bom fisíco, serem possantes, não medrosos, nem tímidos e capazes de enfrentar as maiores adversidades ao longo dos percursos, para não largarem a carga de qualquer maneira, só fazendo após grande perseguição.
Esta actividade assegurava um esquema de comércio informal e de economia paralela, afectuando a permuta clandestina de produtos e géneros que escasseavam, ora num ora noutro lado da fronteira. Embora de natureza diferente, havia carências de ambos lados da raia.
Para Espanha, para além do tabaco, açúcar e café, no tempo da guerra com carência de tudo, levavam pão, farinha, enchidos, e tudo o que fosse comestível. O contrabando mais apetecido foi o café e tabaco dado a sua qualidade quando comparado com o espanhol. Para Portugal calçado, alpercatas de corda, roupas, lenços da cabeça, garridos, leques, perfumes, bebidas espirituosas, sedas, navalhas de barba, isqueiros e inclusivé medicamnetos, além de outros em maior escala como era a bombazina de excelente qualidade.
Era uma actividade cheia de riscos: o abandono das cargas com o receio de serem apanhados e que por vezes se tornava realidade; a prisão, cá ou lá, forçando-os a confessar tudo o que sabiam sobre o contrabando; os ferimentos ou mesmo a morte, quando baleados pelos guardas; o afogamento, nas travessias do Guadiana, efectuadas durante noites sem luar em que as condições do rio não eram devidamente avaliadas; a tortura em Espanha quando lá encarcerados.
Quando escondidos nos cerros, por vezes eram detectados e obrigados a fugir, normalmente já tinham a carga de tal modo escondida que, apesar das autoridades revolverem matagais,covis e esconderijos, nem sempre encontravam o material. Após afastamento dos guardas, os contrabandistas voltavam ao local, para se certificarem se a sua carga tinha sido descoberta. Foi assim uma difícil forma de sobrevivência.
Só conheci um contrabandista profissional. Um bom homem, cordial, honesto, simpático com todas as crianças. Com bastantes filhos, decidiu dedicar-se áquele "ganha pão" para os sustentar. Residia em Aldeia das Pias em frente à casa dos meus falecidos pais. Outros que conheci, apenas se dedicaram a esta actividade sazonalmente por falta de outros recursos. As residências destes lutadores, algumas vezes foram vigiadas pelas autoridades. Foi assim outrora, o contrabando pobre, saco dorsal, somente para sobreviver. Actualmente tudo se faz, noutra escala, métodos e com outros objectivos....
6 comentários:
Obs.
Gostei, gostei muito deste excerto pela sua limpidez literária pelo seu tom bastante realista e pelo modo directo como
nos conduz´e mostra a vida extraordinariamente dificil dos contrabandistas.
Quase apetece perguntar se eram mesmo contrabandistas, os que de um lado e do outro,se limitavam a fazer com o risco das suas proprias vidas um pequeno comercio para irem sobrevivendo e não morrerem à fome?
Melhores saudações
Antonio Neves Berbem
As searas crescidas protejeram muitos contrabandistas de morrer baleados...
As "molas" que as bicicletas a pedais tinham atrás "do selim" transportaram muita mercadoria (só até determinados e "convencionados" pontos de encontro e de "troca").
Há cerca de uma dúzia de anos atrás, em agendada conversa pessoal com um empresário do comércio do café instalado na região, estando os intervenientes dissertando sobre as dimensões do concelho (do Alandroal, óbviamente)procurando demonstrar dificuldades óbvias em apelo de apoio financeiro a uma iniciativa local, bem recordo estas palavras por si ditadas: Conheço melhor alguns caminhos do concelho do Alandroal, porque os fiz de bicicleta, do que os senhores...
Supostamente ainda muito há que dizer e escrever sobre as Rotas do Contrabando.
Em Barcarrota disse-o (já passaram muitos anos) numa assembleia de jovens: O Guadiana une-nos. Não nos separa!!!
Participante da conversa com o "passador".
Ao Luis e equipa permito-me deixar-lhes a minha analfabética opinião: CONTINUEM sem desfalecimentos.
E, ao Dr. Neves Berbém (para mim sempre, o Tozé), que colabore com a sua profunda experiência dos Internacionalismos.
Abraços para todos
Tói da Dadinha
OBs
Creio que o Tói da Dadinha (para mim ainda e sempre o Tói velocipédico daquela sua bela e jovem bicicleta de corrida e O da moto Famel preta) deixou aqui uma ideia oportuna que seria a de fazer e alargar a comparação do Contrabando do nosso Guadiana com outros Contrabandos nacionais e/ou internacionais.
Não tenho duvidas que a visão histórica e memorialística seria outra e mais completa. E,claro, esta interessante temática seria por certo deveras enriquecida.
As minhas melhores saudações
aos jovens que a partir de um
pouco sonham com tudo.É aliás
um
caminho que os jovens percebem
melhor do que ninguém.
Força!
Antonio Neves Berbem
Ora viva, obrigado pela divulgação e pelas palavras de apoio.
Para Março a ver se fazemos outro passeio do Contrabando em Montejuntos, vamos visitar o Forte Romano dos Castelinhos, Ermida de NS das Neves, Sepulturas Escavadas na Rocha e procurar o desaparecido Castelo de Ferreira.
Estamos a fazer o site do centro de documentação e já contamos coma colaboração de várias instituições.
Temos o filme "O Guadiana" à vossa disposição, quando quiserem podemos fazer uma tertúlia, ver o filme e falar sobre contrabando, moinhos, guerra civil, pesca,....convidamos nuestros hermanos ;-)
A ver se passamos mais textos do Sr Cotovio, excelente "fotografia" de outros tempos ;-)
5 ***** pró Luís e companheira!
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