Eduardo Luciano - Crónica estranha
Quinta, 14
Fevereiro 2013 10:29
Esta é uma
crónica estranha e até pode ser que quem me ouve ou lê a ache completamente
desprovida de sentido, mas o facto de a estar a fazer a mais de quatrocentos
quilómetros da aldeia onde vivo propicia este tipo de divagações.
Os afazeres
profissionais trouxeram-me até Vila Real e esse afastamento teve como resultado
uma certa sensação de libertação da claustrofobia provocada pela vivência numa
cidade como Évora.
É como se de repente, ao afastarmo-nos das pedras que conhecemos
e das pessoas que julgamos conhecer, nos sentíssemos aliviados e de certa forma
mais livres para reflectir sobre o espaço onde habitualmente vivemos e estamos
sujeitos à envolvente social que Vergílio Ferreira tão bem descreveu no seu
romance Aparição e que, passados mais de 50 anos e mudando as indumentárias, continua
a ser o mesmo.
Évora é hoje
uma cidade presa entre esse tempo que ainda vive dentro dos seus habitantes, a
experiência libertadora e impulsionadora de modernidade que foram os primeiros
vinte e cinco anos de poder local após a revolução de Abril e os últimos onze
anos de marasmo e paralisia decorados com promessas de excelência e discursos
eivados do muito provinciano apelo a grandiosidades de ficção.
Vive-se na
cidade um sentimento estranho que mescla a óbvia necessidade de mudança com um
encolher de ombros como se estivéssemos condenados a este caminho de mais ou
menos, de pode ser que melhore um bocadinho.
Sou dos que
entendem de Évora precisa de uma ruptura decisiva e radical com o seu passado e
encetar um processo de desconstrução do imaginário que povoa muitas das
conversas de cariz mais ou menos saudosista para poder, através de iniciativa
radicalmente pioneira, encarar o futuro sem o espectro do definhamento que
parece pairar sobre este território.
O tempo é de
intervenção política ousada e arriscada, de passarmos da discussão das miudezas
como diâmetros das rotundas e as larguras dos passeios, para a discussão séria
e apaixonada sobre que cidade queremos e para que queremos a cidade.
Os últimos onze
anos levaram Évora a uma situação tal que para muitos dos seus habitantes
começa a tornar-se indiferente aí viver ou noutro lugar qualquer.
A situação do
edifício burocrático, com a dívida astronómica e o estrangulamento financeiro
por via da ofensiva legislativa contra o poder local, é dramática.
É talvez por
isso mais importante ainda a dose sonho, de capacidade de arriscar, de um certo
desprezo pelo pragmatismo castrador, de vontade de afrontar esta construção
ideológica de que Évora está condenada a ser a cidade das pedras, que se vão
desgastando até que delas apenas fique a memória.
Sou dos que
entendem que não existe terceira via. Ou rompemos com o conservadorismo bacoco
que nos enche de medo e aproveitamos a força dos que amam a sua cidade viva, em
particular os mais jovens e os que a entendem como um lugar de cultura, ou
matamos a cidade do futuro ficando a carpir mágoas por um passado de glória
imaginada.
Peço desculpa
pelos desabafos, mas esta coisa de ver desaparecer a minha cidade pelo
retrovisor do carro, deixou-me um bocadinho angustiado.
Até para a
semana
Eduardo Luciano
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