quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

CRONICA DE OPOINIÃO DE HOJE TRANSMITIDA PELA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica  transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/
Eduardo Luciano - Crónica estranha
Quinta, 14 Fevereiro 2013 10:29
Esta é uma crónica estranha e até pode ser que quem me ouve ou lê a ache completamente desprovida de sentido, mas o facto de a estar a fazer a mais de quatrocentos quilómetros da aldeia onde vivo propicia este tipo de divagações.
Os afazeres profissionais trouxeram-me até Vila Real e esse afastamento teve como resultado uma certa sensação de libertação da claustrofobia provocada pela vivência numa cidade como Évora.
É como se de repente, ao afastarmo-nos das pedras que conhecemos e das pessoas que julgamos conhecer, nos sentíssemos aliviados e de certa forma mais livres para reflectir sobre o espaço onde habitualmente vivemos e estamos sujeitos à envolvente social que Vergílio Ferreira tão bem descreveu no seu romance Aparição e que, passados mais de 50 anos e mudando as indumentárias, continua a ser o mesmo.
Évora é hoje uma cidade presa entre esse tempo que ainda vive dentro dos seus habitantes, a experiência libertadora e impulsionadora de modernidade que foram os primeiros vinte e cinco anos de poder local após a revolução de Abril e os últimos onze anos de marasmo e paralisia decorados com promessas de excelência e discursos eivados do muito provinciano apelo a grandiosidades de ficção.
Vive-se na cidade um sentimento estranho que mescla a óbvia necessidade de mudança com um encolher de ombros como se estivéssemos condenados a este caminho de mais ou menos, de pode ser que melhore um bocadinho.
Sou dos que entendem de Évora precisa de uma ruptura decisiva e radical com o seu passado e encetar um processo de desconstrução do imaginário que povoa muitas das conversas de cariz mais ou menos saudosista para poder, através de iniciativa radicalmente pioneira, encarar o futuro sem o espectro do definhamento que parece pairar sobre este território.
O tempo é de intervenção política ousada e arriscada, de passarmos da discussão das miudezas como diâmetros das rotundas e as larguras dos passeios, para a discussão séria e apaixonada sobre que cidade queremos e para que queremos a cidade.
Os últimos onze anos levaram Évora a uma situação tal que para muitos dos seus habitantes começa a tornar-se indiferente aí viver ou noutro lugar qualquer.
A situação do edifício burocrático, com a dívida astronómica e o estrangulamento financeiro por via da ofensiva legislativa contra o poder local, é dramática.
É talvez por isso mais importante ainda a dose sonho, de capacidade de arriscar, de um certo desprezo pelo pragmatismo castrador, de vontade de afrontar esta construção ideológica de que Évora está condenada a ser a cidade das pedras, que se vão desgastando até que delas apenas fique a memória.
Sou dos que entendem que não existe terceira via. Ou rompemos com o conservadorismo bacoco que nos enche de medo e aproveitamos a força dos que amam a sua cidade viva, em particular os mais jovens e os que a entendem como um lugar de cultura, ou matamos a cidade do futuro ficando a carpir mágoas por um passado de glória imaginada.
Peço desculpa pelos desabafos, mas esta coisa de ver desaparecer a minha cidade pelo retrovisor do carro, deixou-me um bocadinho angustiado.

Até para a semana
Eduardo Luciano 


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