terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

COLABORAÇÃO DO DR. LABOREIRO

As elites e o subdesenvolvimento
 «É o eixo da qualificação, isto é, o tripé educação/ciência/cultura, que define hoje o perfil e a estratégia dos governos. É a aposta neste eixo  -  que é o lance que faz cada vez mais a diferença entre governos conservadores e inovadores  -  que propicia o conhecimento, estimula a criatividade e aumenta a produtividade».
 Manuel Maria Carrilho
(inO estado da Nação”)

Nos alvores do terceiro milénio, a sociedade portuguesa revela-se parada e perplexa ante uma encruzilhada histórica, sem capacidades de escolher um caminho e lançar-se rumo à construção de um porvir que lhe almeje uma felicidade.
É que, para grande parte da elite portuguesa, a situação emerge como um beco sem saída, a não ser o regresso a um passado  -  onde se perfile um modelo social onde os salários possam competir com os da China ou Indonésia, em que os custos de trabalho não sejam onerados com encargos sociais, e em que a saúde, ensino e pensões transitem para a esfera privada  -  sendo os impostos a transferir maiormente para um dever a recair sobre os trabalhadores por conta de outrem (sendo papel do Estado, o de apoiar financeiramente as suas empresas e actividades, enquanto a União Europeia acciona medidas de salvaguarda e protecção dos mercados face a indesejáveis invasões bárbaras).
Poder-nos-emos interrogar, se as actuais elites que nos dirigem, estão em condições de desatar o nó górdio, e de  -  com a sua liderança  -  conduzirem a nossa sociedade na senda de um progresso (a nível político, económico, cultural, científico e étnico).
Receamos que as actuais elites  -  com o seu conservadorismo, egoísmo, a sua  aversão ao risco e à inovação, a ausência de apetência à modernização, com a carente identificação com a cultura  -  não estejam em condições de inverter o plano inclinado que nos está a levar rumo a um crepúsculo triste e amargurado.
É certo que, durante a nossa História, encontrámos desafios à nossa Nacionalidade  -  em que uma renovação de elites operou uma viragem de perspectiva, procurando o seu próprio caminho (lembrando-nos de 1380, 1640, 1820, 1910, 1974). Porém, quando comparamos a nossa condição actual com níveis médios de outras sociedades avançadas, o nosso padrão de progresso inferioriza-nos.
Francisco Louçã (in “Os donos de Portugal”) constata que as elites financeiras portuguesas  -  durante estes últimos três séculos  -  predominantemente investiram os seus capitais em negócios bancários e especulativos  -  preterindo o investimento na indústria e agricultura (onde poderiam criar postos de trabalho e dinamizar economicamente o País). Na mesma onda interpretativa, Antero de Quental queixa-se (in “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”) do abandono das verdadeiras elites económicas e financeiras portuguesas (no séc. XVI)  -  que tiveram de fugir de Portugal, pois eram perseguidos pela Inquisição: a partir daí, foi o descalabro económico (deixando de haver o nível civilizacional que auferíamos durante o período áureo das Descobertas)  -  desaparecendo o “nervo económico-financeiro” das nossas elites de então. E a prova do que afirma Antero de Quental, encontramo-lo nas opiniões de visitantes estrangeiros, como Beckford (no séc.XVIII), ou Maria Ratazzi (no séc. XIX), ou Barry Hatton (recentemente)  -  pondo a tónica na constatação de que em Portugal não se valoriza suficientemente o esforço intelectual e que o dinheiro sem cultura não muda as mentalidades dos novos-ricos.
Nesta âmbito, é sintomático o facto de que se tenha atribuído à gestão governamental, na Cultura, apenas uma Secretaria de Estado  -  com um desinvestimento na Cultura (apesar desta ser uma área estratégica na sociedade contemporânea): considerando Malreaux a Cultura, como a soma de todas as formas de arte, amor e pensamento que, ao longo dos séculos, permitiram ao homem ser menos escravizado; afirmando, por sua vez, Fernando Savater que “um dos ingredientes mais perversos da miséria é a ignorância, pois onde há a ignorância, aí reina a miséria e não há liberdade”. E ainda neste campo, deparamos no “Público” com a constatação de que a recente revisão curricular no Ensino Básico e Secundário, não assentou nos cânones da pedagogia, mas nas referenciais da ideologia da modernização, que tentam regular a educação segundo o modelo empresarial e orientar o desenvolvimento do indivíduo exclusivamente na perspectiva académica  -  esquecendo a formação integral do aluno, e promovendo práticas que hipotecam a emancipação e a dignificação do sujeito (debilitando o pensamento e a experiência humana).
Nesta linha, Carvalho da Silva anota (em entrevista à “Visão”) que há empresários que não foram à escola, não tiveram tempo nem condições para ter outras visões do mundo e que fazem um esforço de formação. Há bons empresários. Mas nem sempre lhes é exigida a formação e a qualificação que se exige aos trabalhadores. Assim, consideramos que as condições do nosso atraso (económico, cultural, social, educacional, cívico) não está em razões étnicas, ou em determinismos sociopsicológicos ou sociológicos, mas nos condicionalismos políticos que nos regem  -  conforme nos elucida Fernando Pereira Marques (in “Sobre as causas do atraso nacional”); diz-nos ele: “os portugueses... uma vez libertos dos condicionalismos estruturais e conjunturais da sociedade de origem, evidenciam qualidades que lhes permitem inserir-se, sem grandes dificuldades, nos países que os acolhem e até destacarem-se em certos contextos e circunstâncias. Observa-se isso com os emigrantes que, incentivados e motivados, são até muitas vezes capazes de superarem as insuficiências educacionais e de formação que possuíam à partida”. Sucedeu, e sucede, com os emigrantes, como aconteceu e acontece, com os “estrangeirados” (escol de intelectuais que  -  tal como os emigrantes económicos  -  procuram em países desenvolvidos melhores condições ao seu desenvolvimento no âmbito do conhecimento); lembrando-nos de Luís António Verney e de Ribeiro Sanches (que chamaram a atenção para o nosso atraso no ensino e na formação), bem como podemos relevar a carreira (em Itália, França, Rússia) da cantora lírica Luísa Toddi, para além de  -  mais recentemente  -  podermos salientar a violoncelista Guilhermina Suggia, o filósofo Frederico Gil ou o neurologista António Damásio, entre outros (como o nosso Infante D. Pedro a escrever ao rei D. Duarte, no séc. XV, a célebre Carta de Bruges  -  fascinado com o impressionante avanço dos Países Baixos em relação a Portugal). Não é impunemente, que Eça de Queirós aguardava com ansiedade (sempre) a chegada do “Sud-Expresso”, que lhe trazia os jornais e os livros com as últimas novidades do pensamento, vindas de Paris.
Vicente Jorge Silva denunciou no “Público”, há já algum tempo, que as classes e os “lobbies” dominantes podem o que podem porque o País é como é. E o País é como é porque quem pode tem conveniência em que seja assim. Como diz o poema de Gedeão, “sempre que um Homem sonha, o mundo pula e avança”: Luther King, no seu discurso aos negros norte-americanos, enunciou o seu sonho de libertação. Nós também, certamente, haveremos de ter o nosso sonho libertador, colocando-nos a par do Conhecimento, da Igualdade de Oportunidades, da Cultura, do Humanismo, da Tecnologia avançada: basta termos vontade, e método, para materializar o sonho. Como o nosso Rei Fundador.
José Alexandre Laboreiro

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