(in “O estado da Nação”)
Nos alvores do
terceiro milénio, a sociedade portuguesa revela-se parada e perplexa ante uma
encruzilhada histórica, sem capacidades de escolher um caminho e lançar-se rumo
à construção de um porvir que lhe almeje uma felicidade.
É que, para
grande parte da elite portuguesa, a situação emerge como um beco sem saída, a
não ser o regresso a um passado - onde se perfile um modelo social onde os
salários possam competir com os da China ou Indonésia, em que os custos de
trabalho não sejam onerados com encargos sociais, e em que a saúde, ensino e
pensões transitem para a esfera privada
- sendo os impostos a transferir
maiormente para um dever a recair sobre os trabalhadores por conta de outrem
(sendo papel do Estado, o de apoiar financeiramente as suas empresas e
actividades, enquanto a União Europeia acciona medidas de salvaguarda e
protecção dos mercados face a indesejáveis invasões bárbaras).
Poder-nos-emos
interrogar, se as actuais elites que nos dirigem, estão em condições de desatar
o nó górdio, e de - com a sua liderança -
conduzirem a nossa sociedade na senda de um progresso (a nível político,
económico, cultural, científico e étnico).
Receamos que
as actuais elites - com o seu conservadorismo, egoísmo, a
sua aversão ao risco e à inovação, a
ausência de apetência à modernização, com a carente identificação com a
cultura - não estejam em condições de inverter o plano
inclinado que nos está a levar rumo a um crepúsculo triste e amargurado.
É certo que, durante a nossa
História, encontrámos desafios à nossa Nacionalidade - em
que uma renovação de elites operou uma viragem de perspectiva, procurando o seu
próprio caminho (lembrando-nos de 1380, 1640, 1820, 1910, 1974). Porém, quando
comparamos a nossa condição actual com níveis médios de outras sociedades
avançadas, o nosso padrão de progresso inferioriza-nos.
Francisco
Louçã (in “Os donos de Portugal”)
constata que as elites financeiras portuguesas
- durante estes últimos três
séculos - predominantemente investiram os seus capitais
em negócios bancários e especulativos
- preterindo o investimento na
indústria e agricultura (onde poderiam criar postos de trabalho e dinamizar
economicamente o País). Na mesma onda interpretativa, Antero de Quental
queixa-se (in “Causas da Decadência
dos Povos Peninsulares”) do abandono das verdadeiras elites económicas e
financeiras portuguesas (no séc. XVI)
- que tiveram de fugir de
Portugal, pois eram perseguidos pela Inquisição: a partir daí, foi o descalabro
económico (deixando de haver o nível civilizacional que auferíamos durante o
período áureo das Descobertas) - desaparecendo o “nervo económico-financeiro” das nossas elites de então. E a prova
do que afirma Antero de Quental, encontramo-lo nas opiniões de visitantes
estrangeiros, como Beckford (no séc.XVIII), ou Maria Ratazzi (no séc. XIX), ou
Barry Hatton (recentemente) - pondo a tónica na constatação de que em
Portugal não se valoriza suficientemente o esforço intelectual e que o dinheiro
sem cultura não muda as mentalidades dos novos-ricos.
Nesta âmbito,
é sintomático o facto de que se tenha atribuído à gestão governamental, na
Cultura, apenas uma Secretaria de Estado
- com um desinvestimento na
Cultura (apesar desta ser uma área estratégica na sociedade contemporânea):
considerando Malreaux a Cultura, como a soma de todas as formas de arte, amor e
pensamento que, ao longo dos séculos, permitiram ao homem ser menos
escravizado; afirmando, por sua vez, Fernando Savater que “um dos ingredientes mais perversos da miséria é a ignorância, pois onde
há a ignorância, aí reina a miséria e não há liberdade”. E ainda neste
campo, deparamos no “Público” com a constatação de que a recente revisão
curricular no Ensino Básico e Secundário, não assentou nos cânones da
pedagogia, mas nas referenciais da ideologia da modernização, que tentam
regular a educação segundo o modelo empresarial e orientar o desenvolvimento do
indivíduo exclusivamente na perspectiva académica -
esquecendo a formação integral do aluno, e promovendo práticas que
hipotecam a emancipação e a dignificação do sujeito (debilitando o pensamento e
a experiência humana).
Nesta linha,
Carvalho da Silva anota (em entrevista à “Visão”) que há empresários que não
foram à escola, não tiveram tempo nem condições para ter outras visões do mundo
e que fazem um esforço de formação. Há bons empresários. Mas nem sempre lhes é
exigida a formação e a qualificação que se exige aos trabalhadores. Assim,
consideramos que as condições do nosso atraso (económico, cultural, social,
educacional, cívico) não está em razões étnicas, ou em determinismos
sociopsicológicos ou sociológicos, mas nos condicionalismos políticos que nos
regem -
conforme nos elucida Fernando Pereira Marques (in “Sobre as causas do atraso nacional”); diz-nos ele: “os portugueses... uma vez libertos dos
condicionalismos estruturais e conjunturais da sociedade de origem, evidenciam
qualidades que lhes permitem inserir-se, sem grandes dificuldades, nos países
que os acolhem e até destacarem-se em certos contextos e circunstâncias.
Observa-se isso com os emigrantes que, incentivados e motivados, são até muitas
vezes capazes de superarem as insuficiências educacionais e de formação que
possuíam à partida”. Sucedeu, e sucede, com os emigrantes, como aconteceu e
acontece, com os “estrangeirados”
(escol de intelectuais que - tal como os emigrantes económicos -
procuram em países desenvolvidos melhores condições ao seu
desenvolvimento no âmbito do conhecimento); lembrando-nos de Luís António
Verney e de Ribeiro Sanches (que chamaram a atenção para o nosso atraso no
ensino e na formação), bem como podemos relevar a carreira (em Itália, França,
Rússia) da cantora lírica Luísa Toddi, para além de - mais
recentemente - podermos salientar a violoncelista Guilhermina
Suggia, o filósofo Frederico Gil ou o neurologista António Damásio, entre
outros (como o nosso Infante D. Pedro a escrever ao rei D. Duarte, no séc. XV,
a célebre Carta de Bruges - fascinado com o impressionante avanço dos
Países Baixos em relação a Portugal). Não é impunemente, que Eça de Queirós
aguardava com ansiedade (sempre) a chegada do “Sud-Expresso”, que lhe trazia os
jornais e os livros com as últimas novidades do pensamento, vindas de Paris.
Vicente Jorge Silva denunciou no
“Público”, há já algum tempo, que as classes e os “lobbies” dominantes podem o que podem porque o País é como é. E o
País é como é porque quem pode tem conveniência em que seja assim. Como diz o
poema de Gedeão, “sempre que um Homem
sonha, o mundo pula e avança”: Luther King, no seu discurso aos negros
norte-americanos, enunciou o seu sonho de libertação. Nós também, certamente,
haveremos de ter o nosso sonho libertador, colocando-nos a par do Conhecimento,
da Igualdade de Oportunidades, da Cultura, do Humanismo, da Tecnologia
avançada: basta termos vontade, e método, para materializar o sonho. Como o
nosso Rei Fundador.
José Alexandre
Laboreiro
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