Sexta,
11 Janeiro 2013 10:00
O conhecimento público do mais recente relatório do FMI
sobre Portugal, pedido, ao que parece, pelo Governo, levou-me a revisitar o que
se passou neste nosso país ao longo destes últimos anos.
Sem desígnio nacional algum, sem orientação clara nem pensamento
estratégico estabilizado, Portugal tem andado à deriva, para não ir mais atrás,
pelo menos desde a adesão à CEE. Consequências: mar sem barcos nem
aproveitamento, terra sem produção nem desenvolvimento, interior sem gente nem
povoamento, país sem dinheiro nem crescimento.
A origem da mais recente
crise, situemo-la em 2008, fora de Portugal. Nesta altura, a resposta europeia
à crise foi, essencialmente, uma: injectar dinheiro nas economias. Portugal
era, então, governado pelo PS, que seguiu exactamente a recomendação dada pela
União Europeia.
No início de 2009 e com eleições previstas para Setembro
do mesmo ano, as sondagens em Portugal, se nos lembrarmos bem, persistiam em
dar maioria absoluta ao PS. No entanto, à medida que a crise se agudizava, apesar
do dinheiro injectado, mais o PS descia. Ao ponto de se ter dito que a
verdadeira oposição em Portugal fora a crise, tal a incapacidade dos partidos
políticos em fazerem frente ao PS. Com a crise a crescer, o PS acaba por perder
a maioria absoluta e, porque não quis ou porque não foi capaz de criar
condições para uma coligação, formou Governo sozinho. Cavaco Silva, contra os
alertas de alguns, confere-lhe, no entanto, posse.
Por essa altura, já a Europa havia invertido completamente
a sua visão sobre a resposta à crise, tentando, aliás, insidiosamente,
circunscrevê-la aos países periféricos. A recomendação passa, então, a ser
outra: austeridade, rédea curta, mais austeridade, rédea ainda mais curta.
Portugal iniciava, então, a sua série de PEC’s que continham
já, na essência, uma orientação muito próxima da que viria a estar presente nos
documentos que se lhes seguiram, já com Portugal resgatado pela Troika. Ora,
se, já na altura, se dizia que o erro dos PEC’s era o de se ter preferido
colocar a enfâse no défice orçamental em detrimento do crescimento económico -
os partidos que nessa altura estavam na oposição e que estão hoje no Governo
era isso que diziam e vice-versa –, o estranho não é que o Governo saído de
eleições tenha seguido a Troika – nossos credores! O estranho foi que o tivesse
feito, deixando cair por completo tudo quanto antes os partidos que o integram
haviam defendido. Com agravantes: a agravante, que fora vantagem, de, PSD e
CDS, saberem já, antes das eleições, que as iriam ganhar; a agravante de,
houvesse ou não química entre eles, não terem querido fazer um acordo prévio,
coisa que, como hoje está bom de ver, deveria ter acontecido, justamente em
nome do superior interesse nacional; a agravante, portanto, de se terem lançado
numa campanha eleitoral, com o país em pleno estado de emergência, pensando
primeiro neles e só depois em Portugal; e a agravante, eu diria, o erro dos
erros, de não terem querido nunca conhecer a verdadeira situação financeira do
país – nem PS nem PSD nem CDS nem Presidente da República! Era, aliás,
obrigação primeira do Presidente da República ter mobilizado todos para que
fosse conhecida a verdadeira situação financeira do país, mesmo antes da
campanha eleitoral. Desconfio que ainda hoje ninguém a conhece na sua plenitude!
Só isso explica, só isso pode explicar, por que não foram tomadas todas as
medidas necessárias e adequadas de uma só vez, mesmo que fossem só de
austeridade, e só isso pode explicar o inopinado conjunto de medidas
de austeridade adicionais, que se foram sucedendo numa cadência inesperada e de
forma tão atabalhoada.
E se é verdade que o FMI já reconheceu ter substimado o
efeito das medidas de austeridade tomadas, como o disse Christine Lagarde há já
mais de dois meses com base num documento de trabalho que, curiosamente, só
agora foi tornado público, então, se calhar já é de incompetência que estamos a
falar. Ora, recuso-me a aceitar que seja a incompetência quem esteja a decidir
o nosso cada vez mais penoso futuro...
De facto, como é que se pode compreender que, depois do que
disse e fez, haja um FMI a reconhecer que a austeridade foi demasiada, que
trouxe efeitos perversos de enormes e injustas consequências e que, por outro
lado, haja outro FMI a propor ainda mais austeridade, agora sob a capa da
reforma do Estado? E como é que se pode compreender uma Troika que, depois do
que disse e fez, tenha fixado a meta do défice das contas públicas nos 3% para
2013, e, depois, um ano depois, tenha alterado esta meta para os 4,5%? E depois
do que a Comissão Europeia disse e fez, como é que podemos assistir, impávidos
e serenos, às mais recentes declarações de Durão Barroso, ainda por cima em
Portugal, sobre a abertura da Comissão Europeia à revisão das metas e condições
do Memorando de Entendimento da Troika?
Há alguém, neste momento, capaz de explicar aos portugueses
por que é que Portugal, se o tiver, está no bom caminho? Que Portugal, se o
tiver, tem um rumo certo? E que, Portugal, se lograr chegar a algum lado, vai
chegar a bom porto?!
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 10 de Janeiro de 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário