São Gens
O
único sujeito
São Gens sente-se enfraquecer
Depois de passar uma juventude paradisíaca e
despreocupada, São Gens vê-se agora cheio de dificuldades e problemas para
governar o seu Povo.
Uma nova ideia lhe aflorou o cérebro -
implementar a democracia.
Apresentou a ideia aos conselheiros que em
unanimidade concordaram.
A mesma rocha em que antes estivera serviu
de palco para o santo, que rodeado pelos conselheiros falou ao Povo.
- Queremos - Gritou em coro a população,
para logo impor.
- São Gens fica como presidente - Pela primeira vez o santo comoveu-se sentindo algo
misterioso e humano que o conduziria à desgraça. Sentia uma espécie de
arrependimento por se julgar santo e de impor a sua vontade, embora a achasse
útil e necessária. Os acontecimentos davam-lhe razão e a maior prova é que o
queriam para presidente.
Tinha ainda outra preocupação, não conseguia
evitar os olhares de duas raparigas que pareciam disputá-lo entre si e lhe
recordavam a mesma sensação, sempre que tomava banho no rio.
A democracia é instituída e logo surgiram as
lutas de classe.
O rio continuava abundante e milagroso ia
alimentando aquelas lutas.
Com estas
surgem também as lutas pelo poder.
Caem governos após governos.
São Gens começa a ser ultrapassado e o seu
poder começa a escoar-se ao mesmo tempo que o rio começa a ser menos abundante.
Quando São Gens desce ao rio para colher
frutos para se alimentar, este já escasseiam.
Os maus negócios e a corrupção crescem
impunes.
As leis são demasiado brandas e
permissíveis, onde a administração se deixa corromper.
São Gens sente, cada dia que passa, que o
paraíso do rio do Prazer, se aproxima do fim e, apesar de todo o seu empenho e
esforço começa a sentir-se incapaz de dominar os acontecimentos, que se tornam
céleres em todas as áreas da governação.
Pedem-se empréstimos e lançam-se mais
impostos que asfixiam tudo e todos, num ciclo infernal e destrutivo.
O Concelho cai nas mãos dos credores, que
ditam a sua vontade.
O Povo agita-se e o rio enfraquece com ele.
Os poetas estão incapazes de cantar, os
escritores de escrever. Não há pintores que descrevam aquele desolador cenário.
As artes calam-se para sempre e a solo
começa a tornar-se estéril.
Os pastores vagueiam de herdade, em herdade
para alimentarem os seus rebanhos.
Ciganos e vagabundos, depois de pilharem o
que o podiam, debandam do rio. A população vai, gradualmente, em busca de
melhor vida abandonando o Concelho.
A estrutura administrativa é abalada pela
corrupção e suborno, rindo-se perante a impunidade das leis.
São Gens já não se julga santo mas um
simples frade que se penitencia a todo o momento.
O rio do Prazer secara.
A sua milagrosa água evapora-se por
encanto, tal como o menino São Gens dera com ela ao chegar.
O frade arrastando-se, dirige-se a todo o
custo para a nascente, numa tentativa de salvar aquela gente, pessoas que
sempre se confiaram nele e que ainda o adoravam.
Era o que lhe restava fazer, para se livrar
do peso que cada vez mais lhe atormentava a consciência.
Entra agora sem nenhuma dificuldade na
nascente. Os pombos já não o acompanham e as rãs e os sapos há muito tempo que
perderam o som.
Está seca.
Nenhuma humidade transparece.
O frade interroga-se com o aspeto desolador
da nascente.
- Porquê? - Grita São Gens desesperado.
O eco não retornou a sua voz.
Uma voz rouca e cavernosa soou, dos confins
da terra, aos ouvidos do frade.
- Porque tu São Gens te envaideceste ao julgaste
santo. Porque tu, São Gens, deverias ter atuado mais cedo e não atuaste. As
tuas leis, São Gens, foram brandas e permissíveis à ganância. Agora é tarde o
rio do Prazer morreu.
- Não - Gritou São Gens num esforço para tentar calar aquela voz e ao mesmo
tempo justificar-se. Esforço que ele julgava não conseguir, esforço de raiva
por não ver reconhecido o seu trabalho, nem a dedicação a uma causa, que
julgava acertada e correta.
Tinha-se colocado, inteiramente, ao serviço
daquela população e agora encontra-se sozinho, tal como os pais o deixaram
naquele local, mas sem o paraíso do rio do Prazer. Maldisse o seu destino.
Não obtendo resposta atirou o cajado que se
apoiou para subir o rio, ao teto da gruta, que logo, pedra a pedra, se foi
desmoronando.
O frade não se importou, nem esboçou nenhum
esforço para fugir à derrocada.
São Gens foi o único sujeito a morrer na
festa do paraíso acabado do rio do Prazer.
Helder
Salgado.
25-11-2012.
Pode ler
a história completa em : (http://alsul.blogspot.pt/).
Nota do Editor: Não haverá aqui uma semelhança com o que se passa actualmente na administração nacional e porque não na administração local.
Nota do Editor: Não haverá aqui uma semelhança com o que se passa actualmente na administração nacional e porque não na administração local.
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