quarta-feira, 28 de novembro de 2012

S. GENS - UMA HISTÓRIA DO HELDER SALGADO

Final


São Gens
O único sujeito

São Gens sente-se enfraquecer
 Depois de passar uma juventude paradisíaca e despreocupada, São Gens vê-se agora cheio de dificuldades e problemas para governar o seu Povo.
 Uma nova ideia lhe aflorou o cérebro - implementar a democracia.    
 Apresentou a ideia aos conselheiros que em unanimidade concordaram.
 A mesma rocha em que antes estivera serviu de palco para o santo, que rodeado pelos conselheiros falou ao Povo.
- Queremos - Gritou em coro a população, para logo impor. 
- São Gens fica como presidente - Pela primeira vez o santo comoveu-se sentindo algo misterioso e humano que o conduziria à desgraça. Sentia uma espécie de arrependimento por se julgar santo e de impor a sua vontade, embora a achasse útil e necessária. Os acontecimentos davam-lhe razão e a maior prova é que o queriam para presidente.
Tinha ainda outra preocupação, não conseguia evitar os olhares de duas raparigas que pareciam disputá-lo entre si e lhe recordavam a mesma sensação, sempre que tomava banho no rio.
A democracia é instituída e logo surgiram as lutas de classe.
O rio continuava abundante e milagroso ia alimentando aquelas lutas.
Com estas  surgem também as lutas pelo poder.
Caem governos após governos. 
São Gens começa a ser ultrapassado e o seu poder começa a escoar-se ao mesmo tempo que o rio começa a ser menos abundante.
Quando São Gens desce ao rio para colher frutos para se alimentar, este já escasseiam. 
 Os maus negócios e a corrupção crescem impunes.
As leis são demasiado brandas e permissíveis, onde a administração se deixa corromper.
 São Gens sente, cada dia que passa, que o paraíso do rio do Prazer, se aproxima do fim e, apesar de todo o seu empenho e esforço começa a sentir-se incapaz de dominar os acontecimentos, que se tornam céleres em todas as áreas da governação. 
Pedem-se empréstimos e lançam-se mais impostos que asfixiam tudo e todos, num ciclo infernal e destrutivo.
O Concelho cai nas mãos dos credores, que ditam a sua vontade.
O Povo agita-se e o rio enfraquece com ele.
Os poetas estão incapazes de cantar, os escritores de escrever. Não há pintores que descrevam aquele desolador cenário.
As artes calam-se para sempre e a solo começa a tornar-se estéril.
Os pastores vagueiam de herdade, em herdade para alimentarem os seus rebanhos.
Ciganos e vagabundos, depois de pilharem o que o podiam, debandam do rio. A população vai, gradualmente, em busca de melhor vida abandonando o Concelho.
A estrutura administrativa é abalada pela corrupção e suborno, rindo-se perante a impunidade das leis.
São Gens já não se julga santo mas um simples frade que se penitencia a todo o momento.
O rio do Prazer secara.
 A sua milagrosa água evapora-se por encanto, tal como o menino São Gens dera com ela ao chegar.
O frade arrastando-se, dirige-se a todo o custo para a nascente, numa tentativa de salvar aquela gente, pessoas que sempre se confiaram nele e que ainda o adoravam.
  Era o que lhe restava fazer, para se livrar do peso que cada vez mais lhe atormentava a consciência.
  Entra agora sem nenhuma dificuldade na nascente. Os pombos já não o acompanham e as rãs e os sapos há muito tempo que perderam o som.
 Está seca.
 Nenhuma humidade transparece.
O frade interroga-se com o aspeto desolador da nascente.
- Porquê? - Grita São Gens desesperado.
 O eco não retornou a sua voz.
 Uma voz rouca e cavernosa soou, dos confins da terra, aos ouvidos do frade.
- Porque tu São Gens te envaideceste ao julgaste santo. Porque tu, São Gens, deverias ter atuado mais cedo e não atuaste. As tuas leis, São Gens, foram brandas e permissíveis à ganância. Agora é tarde o rio do Prazer morreu.
- Não - Gritou São Gens num esforço para tentar calar aquela voz e ao mesmo tempo justificar-se. Esforço que ele julgava não conseguir, esforço de raiva por não ver reconhecido o seu trabalho, nem a dedicação a uma causa, que julgava acertada e correta.
Tinha-se colocado, inteiramente, ao serviço daquela população e agora encontra-se sozinho, tal como os pais o deixaram naquele local, mas sem o paraíso do rio do Prazer. Maldisse o seu destino. 
 Não obtendo resposta atirou o cajado que se apoiou para subir o rio, ao teto da gruta, que logo, pedra a pedra, se foi desmoronando.
O frade não se importou, nem esboçou nenhum esforço para fugir à derrocada.
São Gens foi o único sujeito a morrer na festa do paraíso acabado do rio do Prazer.  

Helder Salgado.
25-11-2012.

Pode ler a história completa em : (http://alsul.blogspot.pt/).

Nota do Editor: Não haverá aqui uma semelhança com   o que se passa actualmente na administração nacional e porque não na administração local.


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