sexta-feira, 2 de novembro de 2012

CRÓNICA DE OPINIÃO DE HOJE NA DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Martim Borges de Freitas - A justeza do segredo de justiça


Sexta, 02 Novembro 2012 10:21
Na passada semana, a propósito de umas escutas efectuadas ao Primeiro-ministro de Portugal, voltou a falar-se do segredo de justiça. Ou melhor, da falta dele! Tratando-se de um assunto que há muito tem vindo a ser objecto de controvérsia, mas que tarda em ser debatido como deve ser, foi bom ouvir o Governo avançar com a ideia de que o quer revisitar.
Dirão muitos que este assunto não merece que percamos tempo com ele, dados os enormes problemas com que estamos hoje confrontados. Faz lembrar aquela outra tirada, também em voga, segundo a qual, pela mesmíssima razão, é uma perda de tempo o debate sobre uma eventual revisão constitucional. Mas, depois, vêmo-los a queixarem-se do Tribunal Constitucional e a alcandorá-lo como força de bloqueio! Sejamos sérios: há debates que vale sempre a pena iniciar, ter e manter até que alguma coisa mude. E, destes, são exemplo o do segredo de justiça e o da revisão constitucional. O resto é conversa.
Hoje, é o segredo de justiça que vou abordar.
Fará ainda sentido a existência do segredo de justiça? Há quem diga que sim, há quem diga que não. E há quem diga que ainda faz sentido, como quem diz, talvez um dia deixe de fazer sentido. Talvez um dia possa deixar de fazer sentido. Quando? Quando, para benefício da Justiça, deixar de ser necessário proceder a investigações para se apurar a verdade ou deixar de ser necessário usar o segredo de justiça para preservar a prova. Até lá, o segredo de justiça é essencial. Muitas das vezes, determinante. Sendo assim, como, então, conseguir manter o segredo de justiça durante a decorrência de um processo, sem que, como tem acontecido inúmeras vezes, ele seja quebrado e o objecto do processo e os seus intervenientes venham parar à praça pública, com manifesto prejuízo para o apuramento da verdade, do bom nome dos envolvidos inocentes e das provas até então obtidas? Como conseguir, então, manter o segredo de justiça? É simples. Diria mesmo, muito simples! Basta que possam ser incriminados aqueles que o violam, basta que possam ser incriminados todos os que violam o segredo de justiça.
Dirão os mais conhecedores: mas isso é o que já se passa, o problema é que nunca se vai até às últimas consequências! Não, não é sobre o que está já na Lei que estou a falar. Estou a falar numa alteração à Lei que, resumidamente, signifique o seguinte: quem tem acesso ao segredo de justiça fica a ele obrigado. É como se de uma doença contagiosa se tratasse: quem toca no segredo de justiça fica por ele contaminado e, portanto, obrigado a não o violar. Por exemplo, se um jornalista tiver acesso a uma determinada matéria que esteja em segredo de justiça ou cujo processo esteja em segredo de justiça, então, esse jornalista, passa a ficar obrigado ao segredo de justiça relativamente a esse processo, isto é, passa a ficar obrigado a manter o segredo de justiça e, portanto, passa a ficar impedido de publicar o que estiver em segredo de justiça. Da mesma forma, se uma qualquer pessoa, seja quem for, estiver em contacto com matéria em segredo de justiça e a divulgar, seja por que meio for, então, essa pessoa deve poder ser incriminada - e sê-lo de facto. Em conclusão, julgo que, obrigar quem toca no segredo de justiça a ficar sujeito a ele, pode ajudar ao apuramento da verdade, à preservação das provas e a resolver a devassa com que muitas das vezes é confrontado quem está a ser investigado e que é inocente.
Só ainda não percebi o que tem impedido os governantes de avançarem para uma revisão da lei, que consagre a justeza da existência do segredo de justiça e evite o seu puro e simples manuseamento como arma - e arma poderosa - que é. Ou que pode ser!
Martim Borges de Freitas
Lisboa, 1 de Novembro de 2012



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