sexta-feira, 6 de abril de 2012

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

 Costa à vista
Martim Borges de Freitas

Sexta, 06 Abril 2012 09:35
Sem nenhum tipo de perplexidade, tenho vindo a assistir ao que se passa no Partido Socialista. Digo sem nenhuma perplexidade, porque eu, como, aliás, todos quantos gostam de acompanhar a vida política, todos sabemos que passar quatro anos a liderar um partido na oposição, quando existe uma maioria absoluta não reeleita no governo, é uma tarefa, não direi impossível, mas muito difícil. Sobretudo, repito, quando a maioria que está no governo não foi ainda reeleita, o que significa tão simplesmente que quem escolheu os deputados eleitos do partido da oposição, neste caso, do PS, foi o seu anterior líder. E quando a pessoa que lidera o partido sabe que há, desde o início da sua liderança, alguém, com muito peso interno, que visa liderar o partido a prazo, no momento que achar mais conveniente, então o problema avoluma-se. O que significa que, de forma mais ou menos agressiva, mais ou menos desleal, mais ou menos reprovável, politica ou mesmo eticamente, o caminho que o líder terá de percorrer será sempre um caminho de pedras em que nos espaços onde não há pedras o terreno não é seguro.
António José vive este drama no PS. O drama de ter ganho a liderança no pior momento para ele. Para ele, António José, claro. E embora no Partido Socialista se possa reconhecer uma certa cultura democrática que noutros partidos é, digamos, menos evidente, a verdade é que o desejo de querer ter poder real, efectivo, no país, ainda por cima depois de já se ter provado do fino, esse desejo é muito superior, na maioria dos casos, a qualquer sentido de lealdade, de correcção, de colaboração de quem não está na situação relativamente a quem está. Portanto, Seguro vive o problema que outros, noutros partidos e no seu próprio partido, já viveram, e que é o de ter de lidar com os calculismos mais frios dos seus adversários internos. Ainda por cima porque estes, para além da vontade, dispõem de tempo.
Poderia pensar-se que o problema de Seguro estaria no facto de o PS ter assinado o Memorando da Troika. Não acho. Bem sei que esse compromisso do PS o manieta e lhe retira espaço de intervenção. Mas o verdadeiro problema de António José Seguro é outro: é o da vontade dos seus adversários internos quererem ser eles a conduzirem o partido na hora das próximas eleições legislativas de 2015. Este é o verdadeiro problema de António José Seguro. E é, a meu ver, um problema insolúvel, a menos que o governo entretanto caia de podre, o que não me parece provável.
E se ainda tivesse dúvidas quanto a tudo o que atrás disse, o último comentário de Marcelo Rebelo de Sousa de domingo passado, acaba com elas. Quando Rebelo de Sousa classificou a alteração de Estatutos do PS como um golpaça de António José Seguro, a subsequente reacção de António José Seguro diz tudo: entre ficar calado e mandar alguém responder por ele, preferiu colocar-se ao nível do comentador e responder ele mesmo. Perguntar-se-á: foi um erro? Sim, foi um erro. Mas se o não tivesse feito, logo haveria outros a dizer que teria sido um erro António José Seguro não ter respondido a Marcelo. O dilema de Seguro é, em conclusão, este: é que haverá sempre alguém a entornar a garrafa de água e, a seguir, imediatamente a seguir, haverá também sempre alguém que virá dizer que a garrafa de água está entornada. E vai-se a ver, quem diz uma e outra coisa, são as mesmas pessoas, porventura, alternadamente, no mais das vezes comandadas pelo mesmo que habilmente se resguarda e sabe resguardar-se da autoria da maldade.
No caso do PS, como também noutros casos anteriores, o pretendente lá vai navegando em mar alto. Até ao dia em que rumará a terra à procura de um porto seguro, mas já sem Seguro. Nessa altura, alguém a seu mando gritará: “costa à vista”! E o vento, que já estará de feição, permitirá que esse grito seja ouvido.
Cabanas de Tavira, 5 de Abril de 2012.
Martim Borges de Freitas

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